O diretor da agência “AP Exata” e investigador da Universidade do Minho, Sérgio Denicoli, considera que existem condições em Portugal para se repetir o “Caso Brasileiro”, em que várias notícias falsificadas (“Fake News”) influenciaram os resultados eleitorais.
“O fenómeno já está em Portugal. Vejo todos os dias formação de novos grupos no ‘Facebook’ e outras plataformas com opiniões muito extremas, grupos com opiniões que tentam desconstruir” temas consolidados como a “questão da escravidão’ por exemplo”, afirmou à Lusa o investigador brasileiro, que lidera uma Agência de análise de dados e de tendências a partir das redes sociais.
No País, existem “grupos muito focados em questões religiosas, em agressões às minorias. Isso já está colocado nas redes em Portugal e eu acredito que, quando as Eleições começarem, isso vai subir de uma forma muito forte, porque a rede já está armadilhada”, avisou o analista, que faz a comparação com o “Caso Brasileiro”, em que a rede “WhatsApp” contribuiu para a vitória de Jair Bolsonaro na corrida Presidencial.
Tratam-se de “bolhas que nós não vemos”, disse Denicoli, dando o caso recente da manifestação dos “Coletes Amarelos” em Portugal, como um exemplo de que o “movimento ‘offline’ é muito diferente do movimento ‘online’”.
“Houve um fracasso ‘offline’” – a promessa de uma grande manifestação falhou – mas no “‘online’ aqueles assuntos foram colocados e as pessoas estão a discutir aqueles assuntos”, explicou.
Fenómeno semelhante aconteceu, há alguns anos, no Brasil, quando “não havia muita gente” nas manifestações convocadas via redes sociais contra o “establishment”.
Mas “as pessoas já estavam seduzidas por aquelas ideias” e isso teve reflexo nas Eleições Presidenciais Brasileiras de Outubro.
Em Portugal, “é um fenómeno que começa a corroer os subterrâneos das redes e não vai demorar muito para subir à tona”.
A “AP Exata” procura “identificar como é que as pessoas agem nas redes sociais” e “o sentimento” dos cidadãos em relação a determinados temas.
Nas recentes Eleições Brasileiras, “observámos como eram os sentimentos dos eleitores perante as declarações dos candidatos e toda a conversação nas redes sociais” e “conseguimos identificar a intenção de voto a partir do sentimento desses eleitores”, recordou, admitindo que a desinformação contribuiu para alterar o sentido de voto.
“Desde que há Eleições, há notícias falsas que circulam, mas não com esta escala. Como o que aconteceu no Brasil, a ponto de influenciar realmente o resultado das Eleições”, explicou Denicoli.
“A transparência da informação ficou no século passado. Hoje, (nas redes sociais) qualquer tipo de informação pode concorrer com informação verificada, como a da Lusa”, disse, recordando que os gestores das grandes plataformas, como o “Facebook”, “não têm interesse em fazer uma regulação mais assertiva e mais ponderada”, preferindo uma “auto-regulação que não responde ao que pede a sociedade”.
Hoje em dia, “nós vemos que a Democracia começa a sofrer perdas a partir da falta de literacia digital”, que afecta o discernimento dos eleitores.
Criam-se “bolhas informativas que agrupam pessoas que têm os mesmos interesses e valores” e as pessoas “têm pouca paciência para serem confrontadas”.
Em Portugal, como no Brasil, os órgãos de fiscalização são “estruturas muito analógicas para lidar com este fenómeno, que é extremamente digital”.
Além disso, as “legislações domésticas não são eficazes”, é “preciso uma abordagem global” entre vários estados, mas isso constitui “um processo que exige muito tempo e a rede é muito rápida” a ultrapassar as novas regulações, salientou Denicoli.
No caso português, em comparação com o Brasil, há uma “população envelhecida” menos expostas às novas Tecnologias da Informação e o “agendamento da sociedade passa mais pelos jornais e televisões”, os “Media” tradicionais.
No entanto, ao contrário do Brasil, o índice de abstenção é muito grande e os jovens são os que menos votam.
Este tipo de estímulos das redes sociais destina-se mais aos mais novos, alertou Sérgio Denicoli, admitindo que pode ser mais fácil em Portugal um voto de protesto dos eleitores jovens, o que pode alterar a distribuição tradicional dos votos.
Os promotores de desinformação “sabem que os jovens são alvos preferenciais e estão trabalhando isso”, avisou.