Por: Filinto Elísio
Assustava-se sempre diante ao espelho. Quem era o outro? Qual era ele? E como o espelho não refletia tudo, ficava ali um hiato, uma espécie de zona de ninguém. Quem sabe, um dia, as duas imagens se diluíssem num plasmado abraço; quiçá dia nenhum, fumo branco na fímbria de um chaminé, partissem ambos para o além-espelho. O homem mais velho, quando lhe chegara a demência (ou a sapiência), dizia que o espelho era um lago vertical e que estávamos nele como água da palavra. Afinal, o homem, sendo palavra, era um Deus à-toa. Por mim, o espelho tornava-os (a ele e ao outro) poesia. Como aqueles versos de Arménio Vieira com as duas margens e um estranho barco a afundar-se. Assustado diante do espelho (que é sempre mágico como o da lenda), quem outro, qual ele, eram os dias na dinâmica das estações…
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Praga! Dramaticamente gótica e linda, mas que não recebe refugiados de guerra. Praga de Neruda (poeta que não foi Pablo), mas também de Kafka e de Kundera. Praga de Havel. Livrai-nos, ó lacaios do capital, do reino dos cínicos ou da farsa republicana.
[Em conversa: Não confundamos Marx, enquanto produtor de discurso da história e de pensamento dialético, com a barbárie de certos Marxistas e dos Não-Marxistas, assim como não misturemos Cristo (mesmo o Menino Jesus de Praga) com Cristãos ou Cabral (do outro lado do Homem) com Cabralistas]. Entrementes, Praga nevada – a Ponte Carlos, o Relógio Astronómico e o Castelo – tudo o que nos rebrilha em cristais de luzes. Arrenegamos, neste tempo de geada cortante, a calema não muito distante da Primavera de Praga.
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Havia dois Nerudas, dizia o meu pai. O primeiro, Jan Nepomuk Neruda, era checo e o segundo, Pablo Neruda, era chileno. O do século XIX, por isso primeiro, era globalmente poeta mais arrojado, mas o do século XX, não só enfrentou o energúmeno do Pinochet, como escreveu “os versos mais lindos esta noite”, o melhor poema dos Nerudas. Contei este insólito às professoras e tradutoras com quem almoçámos…e prolongou-se a conversa com literatura-mundo.
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Durante o tour, não pudemos bater de frente com o rabino Yehuda Loew e Golem, seu servo de argila. Nem mesmo quando diante da Sinagoga, no Bairro Judeu. Estar na beirada do Menino Jesus de Praga foi emocionante.
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Saibamos mais sobre a vergonha que significa e o tenebroso sobre as nossas liberdades por detrás do Facebook e da Cambridge Analytica, Nem George Orwell, em “1984” vaticinou tão arrepiante, nem Adolfo Hitler e Josef Estaline (para citar dois energúmenos) fizeram pior.
Fiquemos atentos…