Por: Natacha Magalhães
E chega agosto. Oficialmente entramos na silly season, aquela altura do ano em que a classe política (e judicial) vai de férias, o país segue a meio gás e a Imprensa vê-se grega para encontrar notícias que enformam a agenda mediática. Diz-se que, supostamente, é uma altura pobre em factos e eventos dignos da atenção dos media, particularmente daqueles que vivem seguindo as agendas dos políticos.
Não sendo assim, deveríamos estar naquela altura em que os acontecimentos dignos de notícia seriam as praias entupidas por pessoas, algumas incautas, a desafiarem a paciência dos nadadores salvadores que, a ser o mesmo que presenciei domingo passado, na praia de Kebra Canela, terão trabalho a redobrar para pôr em sentido essas pessoas que julgam que o mal só acontece aos outros. Mas que chatice! Há coisas ainda por esclarecer. Há quem pergunte sobre o SOFA, publicado no boletim oficial, mas que sobre ele o Presidente da República ainda nada disse. Estará o PR já na silly season? A Oposição, essa sim parece que está em modo slowly, parou de questionar. E pronto, ficamos no SOFA. Afinal é tempo de ferias e um sofá dá um grande jeito para desanuviar e esticar o corpo, de tão tenso e agressivo que foi o ano politico do Parlamento. Agora a batata quente é outra. A carta da polémica, na qual Gualberto do Rosario informa ao ministro Olavo do interesse da empresa adquirir 3% das ações da Cabo Verde Airlines (afinal é CV Airlines ou TACV?), promete ser a ementa do verão, se não houver algo mais no cardápio. No Parlamento, a oposição caiu em cima. O governo defendeu-se, argumentando que tudo não passa de “suspeições”. Para nós, a quem não nos interessa essa troca de argumentos sobre quem é mais transparente e honesto, seria uma oportunidade para o Governo explicar à Nação sobre a clareza da coisa. E eis que chega um comunicado no qual explica o governo que o processo cumpre os requisitos legais e que “investidores institucionais, ou seja, empresas com atividades afins e ou instituições financeiras, qualquer que seja a sua forma social e a sua natureza pública ou privada, que investem no mercado de capitais” podem adquirir ações da Cabo Verde Airlines. Logo, que ninguém implique ou faça suposições por Gualberto do Rosario ou melhor a GDP SGPS querer comprar ações da Cabo Verde Airlines. Ele e mais 19 que já manifestaram interesse na companhia área de bandeira, que de repente ficou apetecível.
Supostamente, seria aquela época do ano em que, à semelhança do que aconteceu em outras paragens, as notícias seriam sobre as viagens dos cabo-verdianos. Mas que viagens? Com o preço das passagens aéreas na hora da morte, e pela fila de pessoas a dormirem ao relento, por dias, para poderem conseguir um bilhete de barco, acreditamos que nem o slogan vá para fora cá dentro seja possível. Uns farão contas á vida – o salário não sobe há anos – e não terão outra opção do que o ficar no cá dentro mesmo, sem ir para lado nenhum. Mas enquanto isso, os cabo-verdianos parodiam a gaffe dos deputados que nos brindam com insólitos, mais consentâneos com uma época silly. Assim, da Casa Parlamentar, ficamos a saber que é possível haver um meio avião (!!); que a aprovação de um diploma é… uma lacuna que fazia falta.(?!; e que há depressão no Parlamento, que prepara para ser…tomado de assalto. Sim, de facto, os deputados precisam ir de férias.
Na silly season, as notícias não seriam sobre os políticos, mas sobre animais: as vacas que continuam a passear pachorrentas, pelas artérias da cidade-capital do país, e que em Palmarejo, até as árvores plantadas para embelezar a cidade, elas andam a comer – coitadas, não há pasto, têm que se aviar como podem. Enquanto isso, os seus donos ou pastores não estão minimamente preocupados até porque já sabem que a autoridade do Estado não funciona ou funciona parcialmente para perseguir vendeiras de fruta e peixe, quando ao lado, aqui, ali e acolá, a capital é um sucupirinha; ou os cães que atuam um pouco por todo o país como se fossem os donos disto tudo, dizimando o tão já parco recurso de quem se vê com dificuldades para criar seus animais e deles tirar algum sustento. Aliás, o assunto não passa tao despercebido e ate merece atenção na media estrangeira. De cá e de lá chega-nos a noticia. O Director-Geral da Agricultura, Suinicultura e Pecuária já deu o alerta: o número de cães vadios, principalmente nas zonas rurais, é elevado. Tão elevado que está a “acabar com as economias das famílias”. Os canídeos fazem e desfazem, matam, comem e não há nada que os trava. Mas na silly season quem vai se lembrar dos cães?
Seria a silly season se o assunto mais pesado das manchetes noticiosas fosse quais o destino de férias preferido dos cabo-verdianos ou que os mercados turísticos do Norte da Africa voltam a merecer a simpatia dos europeus. Mas houve um incêndio e este destruiu cerca de 200 hectares do pulmão da ilha, a floresta do Planalto Leste. Mas o assunto deve ter sido considerado silly, pois bastou o fogo ser extinto para o assunto esfriar também. Aqui, a narrativa jornalística não foi além do relato dos fogos. Excetuando um órgão que se preocupou em relatar as dificuldades vividas pelos proprietários e agricultores do Planalto Leste, no pós incendio, o resto não passou de relatos de momentos em que o fogo consumia a floresta. Porém, em tempo de rescaldo há assuntos a tocar, há questões que se levantam. Há impactos ambientais, económicos e sociais; há agricultores que perdem parcelas de terra cultivável; há espécies de plantas destruídas, algumas delas endémicas; há relatos de uma deficitária limpeza da floresta e de guardas descontentes pelo baixo salario que auferem. Mas isso deve ser silly, não merece importância.
Ainda assim, queríamos era estar numa praia, sentir os pés se enterrarem na areia, mas jamais sentir essa sensação de que ás vezes nos querem mandar areia aos olhos. A Justiça também vai para a silly season. E há ainda muitos silêncios. Mas em outubro assistiremos o mais do mesmo. E ai sim, a agenda mediática voltara a colorir-se, primeiro para cobrir a entrega dos relatórios sobre a situação da Justiça – não há de ser nada de novo – depois para seguir fielmente o debate da rentrée.
Até lá, nós também tomamos férias. Porque há coisas das quais temos mesmo que nos desligar, descansar, esquecer que existem.