Por: Paulo Mendes
1. Em março deste ano, viajei pela primeira vez na Binter CV. Ainda antes de o avião descolar, fui invadido por um sentimento nostálgico, lembrando as cores da nossa companhia nacional. Houve uma altura da minha vida em que queria, por uma questão de orgulho nacional, viajar sempre nos aviões dos TACV. Obviamente que, com o tempo, adquirimos uma maior racionalidade e tudo o que queremos é viajar a um menor preço possível e com segurança. Lá o avião se meteu no ar e fui-me habituando às cores verdes da companhia das Canárias.
Quando olhamos para o ano de 2018, em Cabo Verde existem assuntos que, irremediavelmente, deverão estar na agenda, não apenas pela importância que eles assumem por si, mas, e sobretudo, pelo impacto concreto que têm no nosso processo de desenvolvimento.
O primeiro assunto tem que ver com as políticas públicas de transporte, onde continuamos a não encontrar um caminho estruturante e de longo de prazo. Aliás, hoje mesmo nos países continentais – para não falar em espaços insulares e arquipelágicos – as políticas de transportes estão a merecer novas abordagens assentes numa maior responsabilização e intervenção do Estado. Para quem vive em ilhas, o avião e o barco são os nossos autocarros e, apesar da política de transporte ser um tema complexo, falta no seu ponto de partida uma abordagem simples: temos nove ilhas habitadas e como conseguiremos acelerar o nosso processo de desenvolvimento e garantir níveis desejáveis de coesão social — ter transportes marítimos e aéreos acessíveis, a um preço compatível com o poder de compra das pessoas, regulares e seguros. Por isso, eu alinho a minha voz à de muitos outros que entendem que a extinção dos TACV foi um grande erro, sendo um erro ainda maior transferir esse monopólio para uma companhia privada. No dia em que as coisas não estão do seu agrado simplesmente coloca o Estado cabo-verdiano contra a parede. Aliás, foi isso que ocorreu em outubro, quando a Binter suspendeu a venda de tarifas e aconteceu o que irá acontecer sempre: o Estado teve de ceder, porque todos nós sabemos que, num arquipélago, os aviões são os nossos autocarros.
O segundo ponto que nos deve obrigar a estudar novos modelos de transportes aéreos foi a morte de uma jovem grávida por alegada omissão de auxílio e impedimento de prestação de socorro, no passado mês de maio. Voltamos a um ponto simples: quem vive em ilhas tem de ter uma resposta rápida e acessível e quem tem melhores condições de prestar esse serviço é o Estado. Aliás, o Governo esteve à altura – alugando um avião para prestar emergência, que está desde essa altura em Cabo Verde. A questão é saber se foi uma boa opção: num país – com duas ilhas sem aeroportos – com uma extensa zona marítima, com zonas de difícil acesso, fico a imaginar um cenário de catástrofe, a capacidade de manobra de um avião é limitada. Nos Açores, por exemplo, este serviço é prestado através da Força Aérea, utilizando, com efeito, os helicópteros. Não faço a mínima ideia dos valores envolvidos nesta operação, mas parece-me que poderá não ser descabido o nosso país ponderar — mesmo através de cooperação com Portugal — ter um helicóptero e não um avião a fazer este serviço de evacuação médica.
Relativamente aos TACV Internacional e da suposta entrada da Icelandair na estrutura acionista, tenho dificuldades em ter uma opinião, porque as informações simplesmente são muitas escassas. Sabemos que o Governo anunciou que a Icelandair entregou, em finais de novembro, uma proposta final vinculativa para a aquisição dos 51% da Cabo Verde Airlines. Vamos ver como corre este processo de alienação da Cabo Verde Airlines, mas estou convencido de que não tendo uma política de transporte público e assente num vasto consenso político entre os diferentes agentes políticos, iremos entrar e sair do ano de 2019 com esse problema ainda por resolver e adivinhem quem pagará a fatura: não será o Pai Natal.
2. Nos transportes marítimos, ainda assim, temos uma boa notícia, nomeadamente a conclusão do processo de concurso público internacional para a gestão e exploração do serviço de Transporte Marítimo Inter-Ilhas, com o Governo cabo-verdiano a assegurar a luz verde que permite a conclusão do processo.
3. A nível cultural, destacaria a entrega do Prémio Camões ao nosso escritor Germano Almeida. Pelo talento e percurso do Germano Almeida, mas também pela dimensão da nossa cultura que, em muitas circunstâncias, amplia o nosso país numa dimensão que nem sempre as mentes mais distraídas percebem.
4. No campo social, destacaria a dimensão preocupante dos níveis de violência doméstica e do número de vítimas mortais. O problema da violência doméstica não é de agora e exige um envolvimento de toda a sociedade, a par de políticas públicas consequentes. Na verdade, hoje, temos uma perceção de insegurança com níveis muito mais encorajadores do que no passado. Importa, no entanto, perceber como estamos a atacar o nosso principal problema: a pobreza e a coesão social.
5. No campo político, termino com o pior serviço que o parlamento prestou ao país em 2018: a aprovação da lei da regionalização e do “soco na boca” entre dois deputados. Num país como o nosso — de pequena dimensão, com fragilidades preocupantes na maioria dos municípios, com um percurso ainda por fazer a nível de reforço do papel das autarquias e com fracos recursos financeiros —, colocar a regionalização como o principal foco na reforma do Estado é prestar um mau serviço ao país. Já a novela do “soco na boca” entre dois deputados na casa-mãe do nosso regime democrático, mais não é do que o reflexo do grau zero da política e uma negação preocupante da capacidade em ultrapassar as nossas divergências políticas com o diálogo. Se no parlamento os nossos deputados estão a resolver as coisas com um “soco na boca”, que legitimidade os próprios têm para condenar a violência doméstica?
A política é feita de simbolismo e de pontos de partida simples para resolver problemas complexos.
Estando no final do ano e começo de um novo, partilho com o leitor uma frase de Martin Luther King de que gosto particularmente muito e à qual me agarro sempre, tanto nos maus como nos bons momentos: “Se não puder voar, corra. Se não puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito.”
São os meus sinceros votos, que concretizem todos os vossos desejos e que tenhamos um país melhor em 2019.