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Opinião

Onde estamos, para onde caminhamos?

Por: Adriano Miranda Lima

A interrogação em título não diferencia geografia política, cultural ou étnica; contudo, na Europa é onde neste momento a questão reveste especial pertinência. Porque, laboratório do pensamento filosófico desde que o homem inventou a pólis, o velho continente parece neste momento alheio ao próprio legado que gerou. É como se já o não reconhecesse e assim o desejasse espezinhar, desmantelar as suas peças para no amontoado disforme tentar reencontrar uma qualquer identidade perdida, ainda que primária e tosca.    

Os tumultos descontrolados que ora acontecem em Paris, e com possibilidade de contaminarem outros palcos europeus, como já está a ver-se na Bélgica e na Holanda, não representam movimentos reivindicativos orgânicos, isto é, enquadrados por instituições sindicais e comprometidos com a lógica do sistema político em que se integram. Não se sabe bem o que querem porque a própria indefinição dos seus impulsos irracionais é a mola interior que comanda a violência insana dos comportamentos.

Ao mesmo tempo, há sinais inconfundíveis do levantar da cabeça da extrema-direita na Europa. Ela que andou dezenas de anos de rosto oculto, por comprometida com demónios que eram, e são, veementemente esconjurados pelas consciências lúcidas, parece querer ressurgir e interferir no processo histórico contemporâneo, maquilhando-se para poder entrar no escrutínio eleitoral.

Outrora, no passado, o futuro existiu e foram-lhe desenhados os contornos, a identidade e os objectivos. Os Modernistas foram os primeiros a colocá-lo na prancheta das ideias. Os Pós-Modernistas dão mostras agora de não saberem bem o que querem e sobram razões para admitir que podem matar o futuro.

Vejamos então como e porquê.

Depois de arredadas as hierocracias (1) dos tempos medievais, o Iluminismo surgiu no século XVIII, com a França na dianteira das suas manifestações. Aceitava que Deus estava presente na natureza, e implicitamente no homem, mas que doravante devia ser descoberto pela razão em vez da fé. A “Época das Luzes” teve grande influência na libertação do homem e, por essa via, operou mudanças nas estruturas sociais, políticas e culturais. Mas foi com a Revolução Francesa que, potenciando os seus valores culturais, a Razão passou a modelar os critérios da modernidade, reinventando a metodologia científica e a arte.

Mas se na Moral e na Ética clássicas ainda persistiam ressaibos da origem divina nos padrões da cultura, haveria que buscar outro enquadramento mais libertário. Assim, sem postergar os valores do Cristianismo, os Modernistas fizeram das normas científicas os instrumentos básicos para a reorganização das sociedades e a tessitura do futuro. Definiram a modulação do presente acreditando que o futuro se delineava com linhas seguras porque o lobrigavam com nitidez científica. Mas a visão dos Modernistas só iria prevalecer até à segunda metade do século XX.

Depois da II Guerra Mundial assistiu-se a uma revolução sem precedentes na história do pensamento e da técnica. A par do desenvolvimento acelerado das tecnologias de comunicação, das artes, dos materiais e da biogenética, houve mudanças fundamentais no modo de pensar a sociedade. E é por causa deste cientifismo militante que surgiram nesta época grandes iniciativas para a construção de uma Ética secular. A Modernidade fora criticada nos seus parâmetros fundamentais, nomeadamente a linearidade do percurso histórico que concebia rumo ao futuro, e assim criaram-se novos valores estruturantes da teoria do pensamento, com especial relevância na economia e suas leis; mas são valores pouco precisos por não se fundarem numa Ética verdadeira mas sim no princípio absurdo de que tudo vale para atingir os fins. Digamos que é a ética da Eficácia. É o Pós-Modernismo.

É assim que a partir da década de 1980, e com o fim da Guerra Fria, se deu início a uma cultura de globalização com pretensão de unificar geografias, sem prevenir os seus efeitos disruptivos e sem garantir mecanismos de compensação e de justo reequilíbrio onde devam aplicar-se, em obediência a uma Ética mundial por todos partilhada. Mas esta não existe, ou parece não existir, por subordinada à supremacia dos mercados e à exponenciação do lucro como um valor em si, sem que se lhe conceba um sentido ontológico no enquadramento dos problemas do mundo. Houvesse uma ética agregada à globalização, os lucros das economias teriam de ser canalizados prioritariamente para a correcção das assimetrias mundiais que têm na sua génese problemas graves como a fome, a falta de água potável, as doenças, a violência étnica e religiosa, e outros mais.

O Pós-Modernismo define-se assim, e fundamentalmente, como uma crise das ideologias nas sociedades ocidentais e “uma exacerbação de certas características como o individualismo, o consumismo, a ética hedonista, a fragmentação do tempo e do espaço”, na opinião do filósofo francês Gilles Lipovetsky. Por isso mesmo é que para o seu colega alemão Jürgen Habermas “o conceito de Pós-Modernismo corresponde a tendências políticas e culturais neoconservadoras, determinadas a combater os ideais iluministas”.

É nesta conceptualização que a designação “neoliberalismo” se encaixa como uma luva na economia, defendendo a pouca intervenção dos governos no mercado de trabalho, a privatização das empresas estatais, a livre circulação de capitais internacionais, a redução de impostos, a desregulação bancária, etc. E aqui entroncam a Comunicação Social e a Indústria Cultural, reféns da opinião globalizada e dos critérios de quem controla o mercado, servindo-se da subserviência despudorada de “opinion makers” que se prostram reverencialmente perante os patrões para não perderem o seu estipêndio. Não é despicienda esta observação porque é grave que o controlo da informação esteja nas mãos de quem professa um credo único.

Portanto, é perante este caldo de cultura que emergem fenómenos como os “Coletes Amarelos” e outros ainda em estado larvar ou no proscénio, em simultâneo com partidos e movimentos da extrema-direita. Em ambos os casos não há uma ideologia a pautar os comportamentos sociais, pois que a própria extrema-direita representa em si mesma a anulação de qualquer ordem política que tenha o ser humano como um valor absoluto; logo, ela é uma aberração e não pode ter lugar na discussão do futuro da humanidade. Mas estes dois fenómenos são apenas sintomas localizados de uma disfuncionalidade à escala planetária com manifestações as mais variadas. A contaminação ambiental é hoje tão grave que o naturista David Attenboroug, na Conferência das Nações Unidas COP 24, no passado dia 5 de Dezembro, afirmou que “estamos a assistir a um desastre à escala global provocado pelo homem e que é a nossa maior ameaça em milhares de anos: as mudanças climáticas. Se não agirmos, o colapso de nossa civilização e a extinção de grande parte do mundo natural despontam no horizonte.” A ameaça do radicalismo islâmico não pode ser descontextualizada de um problema político global. As hordas de famintos e desesperados que invadem os países considerados ricos, na Europa ou na América, são outra evidência dos desequilíbrios planetários que a globalização parece agravar e o mundo não consegue resolver. Nem as Nações Unidas têm resposta adequada nem a União Europeia é capaz de uma reconstrução que integre convenientemente os seus estados-membros e eleve os seus níveis de prosperidade, desmontando à nascença fenómenos irracionais como os que estiveram na origem da II Guerra Mundial.

      Este é o cenário que nos envolve e inquieta. Despedimos a Ética e desferimos uma punhalada no coração do futuro. No entanto, queremos ainda acreditar no futuro, pelos nossos descendentes, por este belo planeta azul, pela réstia de racionalidade que ainda subsiste, pela crença em algo que nos ajude a retomar valores que, afinal, nunca se perderam completamente nem jamais se podem perder.

Governo de influência religiosa, como é o caso do Irão.

Dezembro de 2018

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