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Opinião

Não me mandem postais eletrónicos!

 

Por: Natacha Magalhães

A quadra natalícia é sempre uma época complicada para quem escreve crónicas. Corre-se o risco de se ficar mal na fita. É suposto ser um tempo para escrevermos sobre amor, harmonia, solidariedade. De acharmos bonito a hipocrisia da época. Os jornais e os leitores deveriam ignorar-nos. Mas não. E então, somos obrigados a optar por duas coisas: ou sermos moralistas simplesmente ou sermos moralistas a tentar dar uma moral à malta, estimula-la para mais um ano que aí vem. Alguma coisa é preciso ser dita. Conversar é preciso e necessário. E como tão pouco, de facto, nos conectamos, e se falássemos disso?

1.  O saco das prendas pesadas. E eis que dezembro chega. O mês no qual salta à vista o consumismo desenfreado e a bondade artificial. Esse mês que seria, de facto, magico se tivesse o condão de transformar as pessoas para o ano procedente. Dezembro deveria ser um mês de ensaio para o caminho que nos espera a partir de 1 de janeiro. Mas analisando bem, é sempre mais fácil procrastinar e depois arranjar culpados quando as coisas não dão certo.   É fácil arranjar culpados: o tempo, a internet. Ou o chefe. E porque não o colega? E o sistema (esse muitas vezes é culpado mesmo)? Quando não olhamos para dentro de nós, arranjamos uma espécie de saco de prendas do pai natal e lá dentro, ao invés de colocarmos a lista do que precisamos mudar ou melhorar, optamos por amontoar os incómodos das nossas vidas, acomodar os culpados pelas coisas não nos terem corrido bem, pelos planos não terem dado certo, pelas coisas que fomos adiando; por termos tido 365 dias e nada termos feito para transformámos as queixas em combustível para a mudança. As “prendas” são muitas, quase sempre pesadas. Mas não deveriam ser se não nos negássemos a fazer aquilo que de mais importante deve ser feito:  olhar para dentro de nós, fazer a auto avaliação. E sem esse exercício, perdemos a oportunidade de amadureceremos e sermos, a cada dia, a cada ano, um pouco melhores do que éramos connosco e com quem nos relacionamos. E com isso, o nosso saco de prendas vai ficando cada vez mais pesado, mais insuportável ao ponto de queremos que os dos outros fiquem semelhantes ao nosso. Porque não sermos solidários connosco próprios e nos oferecermos esse exercício como presente de natal?

2.  Prendas leves e de valor. Dizia que culpamos o tempo. Desculpamo-nos, deste modo, das nossas ausências, adiamentos e comodismos. Estamos a ficar cada vez mais frios nas nossas relações e relacionamentos. Pensei nisso na segunda feira, quando vieram-me entregar um envelope. Vinha fechado e eu longe de adivinhar o seu conteúdo. Nada de remetente. Apenas o meu nome e a direção. Ia cogitando sobre o que poderia conter a carta. Tinha que ser pessoal. Se institucional fosse haveria de vir algum carimbo ou o nome da instituição. Minha curiosidade foi tao grande que fui abrindo a carta à medida que ia subindo as escadas. As primeiras letras fizeram-me parar. Querida amiga, como vais? Espero que bem. Logo viajei no tempo. Tenho catorze ou quinze anos e a carta é da Jéssica, amiga de São Vicente, que conheci numas férias escolares e com quem, até hoje, mantenho ligação, mesmo com esse imenso atlântico a nos separar. As cartas são das coisas mais aconchegantes de se receber. As da minha mãe e das minhas irmãs ajudavam-me a matar as saudades e a encurtar a distancia entre Porto e Praia. Naquele tempo, telefonar era coisa cara e rara, os telemóveis só chegariam uns dois anos depois. Viber, messenger, whatsap eram coisas de um mundo que ainda não tinha sido inventado. Mas eram através desses pedaços de papel, carregados de sentimentos reais, capazes de arrancar de mim varias emoções, que nos comunicávamos de verdade. E éramos mais próximos. As cartas representavam tudo o que hoje deixou de existir nas relações e nas conexões que julgamos construir.

3.  Conexões ilusórias. Na quadra natalícia ficamos mais “moles”, mais ternurentos. De repente lembramo-nos mais do outro, queremos estar com os outros. Por esses dias, a minha timeline do facebook anda cheia de convites para cafés em 2019. De gente que quer, assim, cuidar mais das amizades e “retornar ao básico, ao palpável, ao real”. Assegura-se “boa conversa sem distrações de telemóveis”. O convite diz ainda “convivamos mais e facebookemos menos! Salvemos as conversas em pessoa, os abraços, as risadas e os bons momentos”. Ora aí está a prova de que precisamos criar mais conexões reais e menos virtuais e parar de culpar o tempo e a internet pelo nosso comodismo. Somos todos culpados, ninguém está imune. Contentamo-nos com relações frágeis e instantâneas, na qual todos são “amore” e “amora”, e a expressão “dod na bo” não tem valor nenhum. Estarmos escarrapachados no sofá a teclar num chat de conversas é suficiente. Já nem sequer usamos bem a poderosa ferramenta que é a palavra. Desaprendemos de comunicar. Não prestamos atenção aos sinais de quem nos pede ajuda, mas nem sempre o faz de forma direta. Exteriorizamos desejos e sentimentos em abreviaturas ou usamos a palavra dos outros, as imagens dos outros, as frases dos outros, ao invés de criarmos as nossas próprias, essas que nos saem do coração e são, por isso, mais verdadeiras, mais tocantes.

4.  Não me mandem postais eletrónicos no Messenger. Chamem-me de Desmancha prazeres. Digam-me que não aprecio a magia do Natal (que magia?). Que sou insensível. Mas não é nada disso, acreditem. Alias, de insensibilidade não me acusem.  Sou sensível às ausências e aos distanciamentos. Observo as cavernas que vamos construindo como se estivéssemos a voltar aos tempos do cro-magnon. Depois, é natal, e para compensar corremos às prendas, sentamo-nos à mesa, comemos e sorrimos alegremente. Antes, porém, comodamente vamos a internet e escolhemos um cartão postal com aquelas mensagens impessoais, que não são nossos votos, que não saíram do nosso coração e enviamos através da rede aos milhares de “amigos”. Não, não me mandem postais eletrónicos pelo messenger. Se não forem escrever palavras vossas, expressarem desejos vossos, não mos mandem. Prometo não ficar triste.

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