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Sociedade

Francisca Monteiro: a primeira diretora de origem cabo-verdiana à frente de um liceu no Luxemburgo

Francisca Rocha Monteiro nasceu há 40 anos em Mindelo, na ilha cabo-verdiana de São Vicente. Aos seis anos obteve a nacionalidade luxemburguesa, mas o passaporte não impediu que passasse pelos obstáculos acrescidos que os filhos de imigrantes costumam enfrentar no ensino luxemburguês. Mesmo assim, não desistiu dos seus sonhos. Dos obstáculos, que foi encontrado pelo caminho, fez degraus e subiu até ao cargo de diretora de liceu.

“Os meus colegas já tinham estudado Shakespeare e, quando cheguei lá, para mim Shakespeare era chinês. Foi o ano mais difícil no meu percurso escolar, porque tive de fazer um esforço suplementar para recuperar muita coisa e chegar ao nível deles”, lembra ao Contacto.

Francisca Rocha estava no primeiro ano do curso superior para ser professora de inglês, em 1998, no antigo centro universitário do Luxemburgo (que daria mais tarde lugar à universidade). Tinha acabado de “aterrar” numa turma só com alunos que tinham feito o ensino clássico. “Todos eles eram do clássico, mas havia um que não era da secção A, de língua e literatura, porque tinha vindo da secção C, de Biologia e Química. Nós os dois éramos os outsiders e no princípio foi um choque”, confessa.

Apesar de o ensino técnico dar acesso à universidade, quem chega lá pode começar em desvantagem, como foi o caso de Francisca Rocha, que não obteve os conhecimentos aprofundados de língua e literatura inglesas na secção de Comércio e Administração no ensino técnico (atualmente ensino geral).

“Às vezes podemos estar numa via de ensino que não corresponde ao que queremos e aí o desafio é maior”, desabafa. Pior ainda foi dar-se conta de haver professores que lhe faziam sentir não ser aquele o seu lugar. Francisca não estava disposta a “morrer na praia” e manteve a determinação que demonstrou desde que chegou ao Luxemburgo.

Os três obstáculos

Recuemos a 1985. Foi nesse ano que deixou Mindelo, com a mãe e uma irmã, para se juntar ao pai e à irmã mais velha, que já cá estavam. A família Rocha era a única de origem cabo-verdiana a morar em Ehlerange, perto de Esch-sur-Alzette. Primeiro obstáculo: sem saber falar nenhuma das línguas do país teve de repetir o ano escolar.

“Tinha começado a primeira classe em Cabo Verde, mas quando cheguei ao Luxemburgo tive de voltar a fazer a primeira classe. Fui para uma turma normal, mas para mim não foi um choque. O choque foi do frio, isso sim”, ri-se da situação.

Segundo obstáculo: “Como não tinha nenhuma ideia das línguas de cá, o professor pôs-me sentada ao lado da única colega portuguesa, que supostamente iria ajudar-me com traduções. Mas o problema é que ela não colaborava muito e infelizmente às vezes não traduzia bem de propósito. Dei-me rapidamente conta disso e passei a desenrascar-me sozinha”, lembra. Ao cabo de duas semanas, já compreendia o que o professor dizia e ganhou rapidamente “boas bases” de alemão para os anos seguintes. Também aprendeu rapidamente o luxemburguês, porque “não tinha escolha”, rodeada de colegas luxemburgueses. Dois anos depois a família mudou-se para a capital e aí, com colegas de outras nacionalidades, melhorou ainda mais o francês.

Terceiro obstáculo: antes de entrar para o liceu fez o “exame obrigatório de passagem”. Os responsáveis escolares viram os resultados e decidiram que tinha perfil para o ensino técnico. Mas Francisca não tomou essa decisão como uma “coisa negativa”, porque sabia que podia ainda chegar ao ensino superior. Concluiu o técnico e tomou uma das decisões da sua vida: escolheu ser professora de inglês em vez de fisioterapeuta. Depois do primeiro ano no centro universitário, fez os restantes três anos na Cantuária, em Inglaterra.

O regresso em 2002

Regressou em 2002 e tornou-se na primeira professora de origem cabo-verdiana, com a experiência de estreia no Lycée de Garçons (clássico) de Esch-sur-Alzette e depois no Liceu Michel Lucius, na capital, onde obteve o diploma de Ensino Secundário Técnico em Comércio, no ano de 1998. Enquanto dava aulas foi ainda mediadora intercultural no Ministério da Educação e, em 2009, entrou como professora de inglês no Nordstad-Lycée, inaugurado dois anos antes, em Diekirch. A “maneira como lidava com as pessoas” e a sua organização levaram o então diretor Francis Schartz a nomeá-la como adjunta, em 2011.

Nos sete anos seguintes, manteve o cargo ao lado do seu antecessor, Jean-Claude Havé. Este ano, Francisca Rocha foi nomeada diretora da mesma escola, tornando-se na primeira “cabo-verdiana” a ocupar semelhante cargo. “Se há dez anos me dissessem que estaria sentada aqui, não acreditaria. Em 2011 propuseram-me para diretora, mas não me sentia preparada. Estudei muito, passei noites sem dormir, tive bons professores e mantive a perseverança. Com o apoio da família, foi ainda melhor”, lembra a “luxemburguesa no papel e cabo-verdiana no coração”, que desafia os mais jovens a lutar pelos seus sonhos.

“Todos os sonhos têm o seu valor, seja tornar-se médico ou mecânico. Os pais devem apoiar os filhos no regime escolar onde estão e não exigir deles mais do que podem. Se eles têm capacidades para outras coisas, não devem deixar uma pessoa desvalorizar o seu sonho, não devem abandonar logo ao primeiro obstáculo”, até porque quem está no ensino geral continua a ter acesso à universidade. Já quem for parar ao regime preparatório pode ainda passar para o ensino geral.

Fonte: Contacto

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