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Opinião

Regionalização – Crónica duma morte anunciada (!) Ou história com final feliz (?)

Por : Ricardino Neves

1.  CONTAGEM FINAL (?)

Com o próximo debate na Assembleia Nacional da lei da Regionalização estamos em vias de ter o desenlace dum processo cujo percurso esteve longe de ser linear. É esse percurso que procuramos analisar retrospectivamente caracterizando o papel dos diferentes protagonistas no processo e os desafios que ele imporá, seja qual for o desenlace final.

2.  PROTAGONISTAS “PRESOS” NO SEU LABIRINTO

2.1. MPD

O MPD surge como principal protagonista do processo pelos bons e pelos maus motivos. Sendo o Partido que alçou o tema Regionalização como elemento importante da sua campanha para as eleições legislativas de 2016, uma vez no poder,  teve que fazer face a dois aspectos desse tema: o tempo da sua implementação e o conteúdo do mesmo.

Quanto ao tempo de implementação começou por inscrever no seu Programa de Governo a Regionalização como algo imediato para depois esmorecer o entusiasmo e voltar ao tema aparentemente mais por impulso do que por agenda própria. Para relembrar, os “desabafos” do líder do MPD após “intercepção da comitiva do Sr. Primeiro Ministro “ pela SOKOLs em S.Vicente de que,” por ele, a Regionalização já estaria implementada”.

Mesmo o agendamento do tema para agora, feito em contexto mais “político” do que “consensual”, traduz a ideia de se desejar mais obter “ganhos políticos” do que em assegurar a “efectiva implementação” da reforma para o qual o apoio do PAICV é fundamental por ser matéria que exige dois terços de votos dos deputados na Assembleia Nacional.

Quanto ao conteúdo o MPD mostrou também “flutuação” sobre a ideia deixando perceber algum desconhecimento ou dúvidas do que efectivamente entendia e queria da mesma.

Para lançar o debate saiu-se com uma proposta inicial de lei em duas versões, começou por advogar a experiência piloto para S. Vicente para rapidamente a “deixar cair”, hesitou entre dar tratamento igual ou diferente às ilhas em função do número de municípios nas mesmas, hesitou entre rever ou não a Constituição para implementar a Regionalização, acabando por terminar na proposta que vai a debate.

Naturalmente que essas hesitações podem ser entendidas como procura do melhor caminho mas não deixam de ser um espelho dalguma “indefinição” programática do Partido que, não obstante os “acidentes de percurso” não deixa de ser o protagonista principal, pelas boas e pelas más razões, do tema Regionalização no panorama politico em Cabo Verde.

2.2 PAICV

O PAICV surge como natural protagonista no contexto de bipolarização que caracteriza a cena politica cabo-verdiana. Talvez essa lógica bipartidária tenha condicionado a sua abordagem a esse tema Regionalização que, a princípio, poderá ter sido encarado como “tema do adversário “, logo, “algo a que se deve opor”.

E isso apesar de na Resolução do Congresso de 2016 ter inscrito nas suas conclusões o debate “sem tabus” da Regionalização.

Essa hesitação entre “contrariar o adversário ” e assumir um processo que ganhava força progressiva pelas Ilhas talvez explica o percurso de “contestação” da ideia da Regionalização em si, apontando sua preferência por o “opções” alternativas como reforço do municipalismo e a descentralização, flertando com a ideia do referendo, acenando com a tese dos custos insuportáveis, etc, etc.

E ao fim de dois anos de subterfúgios o PAICV acaba por apresentar uma proposta de lei de Regionalização que, apesar de discutível, traduz assunção da ideia de que essa reforma da organização do Estado se impõe.

Pena que tenha estado dois anos numa “indefinição tendencialmente negativa” não ajudando “à compreensão dessa necessidade” para finalmente “assumir” vir a jogo.

2.3 OUTROS PARTIDOS

Os outros partidos caracterizam-se por afirmações genéricas de princípio sem apresentarem propostas concretas de Regionalização.

A UCID assumiu que a Regionalização deveria ser política, ficou-se por aí, tendo depois aderido à proposta do MPD. Os outros partidos ficaram-se pela posição de “ser contra” a proposta apresentada pelo partido do Governo.

2.4 SOCIEDADE CIVIL

A sociedade civil cabo-verdiana demonstrou nesse processo as suas potencialidades e simultaneamente as fragilidades.

Da única entidade oficialmente constituída desde 2014 assumindo o tema Regionalização, o Grupo de Reflexão para a Regionalização de Cabo Verde, sediada em S. Vicente acabou por considerar, na voz do seu Presidente, que ao fazer constar o tema Regionalização na agenda política nacional considerava cumprida a sua missão .

O grupo Reflexão da Diáspora, também precursor do debate do tema da Regionalização, começou por defender as suas teses, alguns dos seus membros navegaram nas muitas teses “alternativas” que o debate foi apresentando tendo o Grupo acabando por dar o seu aval à proposta do Governo.

Os outros protagonistas abordando o tema Regionalização, surgidos no pós eleições 2016, ao abordarem o tema, acabaram por se assumir quase sempre contra a proposta do Governo sem que contudo apresentassem proposta alternativa concreta de projecto de lei, ficando por afirmações e slogans genéricos.

3. O FACTOR CENTRALISMO NO TEMA REGIONALIZAÇÃO E NO SEU DEBATE

O centralismo representa o dirigir um País tendo como primeira prioridade e o sentido de governação orientado para um centro, daí a palavra centralismo. No caso de Cabo Verde o centro é a Cidade da Praia.

A Regionalização, enquanto reforma do Estado central, naturalmente que depararia com resistências e oposição de todos aqueles que simpatizam com esse sistema mas, fundamentalmente, dos que dela tiram proveito. Pensar que abririam mão de bom grado de tudo o que o sistema centralista lhes proporciona seria pura ilusão.

A começar pelo próprio partido no Poder. Enquanto oposição o mais natural é questionar o poder existente e procurar “enfraquecê-lo”. Uma vez chegados ao Poder pensar que se vai abrir mão desse mesmo poder parece um contra senso.

E se os “superiores interesses da Nação” podem ser compreendidos e assumidos pelos dirigentes mais esclarecidos, o grosso da massa militante nem sempre percebe o alcance dessa medida e naturalmente “estranha” que, chegado ao poder, o Partido se disponha a “perder” poder, daí algumas resistências dentro do próprio MPD.

O centralismo, enquanto sistema, tem nos órgãos de comunicação social um dos instrumentos mais poderosos de influenciação da opinião pública nacional.

Assim seria de supor que o novo Poder pudesse utilizar esse instrumento de modo a, pelo menos, contrariar os efeitos perversos que a propaganda centralista disseminou ao longo do tempo.

Em vez dum debate neutro, com protagonistas a favor e contra expondo argumentos para apreciação da população, assistiu-se a um desfile permanente de argumentistas assumidamente contra ou cépticos relativamente ao tema Regionalização.

Uma das mensagens correntemente disseminadas é a de que a Regionalização é reclamação de” algumas gentes de S. Vicente “ em vez de ser uma proposta dum modelo diferente de organização do Estado.

Uma das características do centralismo é o de dividir quem se lhe opõe, procurando manipular uns contra os outros, privilegiando uns, ignorando deliberadamente outros.

É assim que “alguns do contra” mereceram a atenção particular do centralismo dando vez e voz àqueles menos “perigosos” para os seus interesses nessa temática da Regionalização e que defendendo teses a despropósito desfocaram o debate e objectivamente contribuem para o não avanço da ideia e, dessa forma, favorecendo a manutenção do status quo dominante.

A lógica centralista têm também enquadramento no quadro da disciplina partidária em que as decisões do Centro não são passíveis de “contestação” pelos militantes da periferia. A sua “carreira” no Partido pressupõe obediência às directrizes emanadas do Centro.

Uma das ideias básicas do centralismo em Cabo Verde é a ideia do primado da Praia e dos seus interesses particulares sobre o todo nacional. Para esses fundamentalistas o centralismo ainda é insuficiente visto que tudo, absolutamente tudo, “deve estar na Capital”.

Esse pensar conduziu à indiferença, para não chamar outro nome, ao que se passa em primeiro lugar no resto da Ilha de Santiago (na designada “Fóra”) e em segundo para o restante do País, um e outro reduzidos à condição de mera periferia.

Assim se dissemina a teoria do carácter particular da Praia para que o princípio bandeira da Regionalização “Uma Ilha, uma Região” não seja aplicado à Ilha de Santiago, sendo que as poucas vozes que se levantaram contra essa tese serem “não residentes na Ilha de Santiago”, excepção honrosa ao Dr. Olavo Correia que, corajosamente, “se expôs” politicamente nessa discussão.

Se a Regionalização avançar, o modelo de Santiago duas regiões acabará naturalmente por impor futuramente uma “estrutura” de coordenação das duas entidades actuando sobre o mesmo território ILHA o que, juntando ao anunciado Estatuto Especial, confirmará a tese centralista de que sendo todos iguais, há uns mais iguais que os outros.

A “derrota” do centralismo será assim relativa podendo continuar a sua sina concentracionista, apesar de tudo e de todos.

Uma das teses centralistas preferidas é a de contrapor a Regionalização do Pais ao Estatuto Especial para a Cidade da Praia, pondo em pé de igualdade uma reforma do Estado de interesse nacional com o interesse particular duma Cidade, como se fossem equiparáveis.

4. CRÓNICA DUMA MORTE ANUNCIADA

A atitude dos diferentes protagonistas e o seu percurso, qual tropa em marcha desunida, só podia dar no resultado com que nos deparamos na Assembleia Nacional: a existência de duas propostas de lei, uma protagonizada pelo MPD, outra pelo PAICV.

Todo o cenário que temos visto nos debates na Assembleia Nacional desde 2016 nos leva a pensar que repetir-se-á o filme do costume, com os dois partidos de costas voltadas, cada um fazendo finca pé da sua proposta, ou seja a não adopção de qualquer lei efectiva visto que a lei da Regionalização requer o voto de dois terços dos deputados.

Este cenário representaria assim o concretizar dos intentos de muita gente nomeadamente dos centralistas confessos e dos defensores de “terceira via”, ainda que não definida.

Estaremos assim em presença da morte dum projecto que, de positivo à partida para o País, se sabia de implementação difícil, ou seja, com morte anunciada.

Seguir-se-ão recriminações posteriores com cada um dos partidos acusando o outro de ser responsável pelo fracasso.

Nesta situação será muito previsível que o MDP resolva eleger a Regionalização como objectivo para a próxima legislatura procurando capitalizar o descontentamento dos sectores nacionais desejosos desta reforma, nomeadamente das ilhas onde o tema é abraçado positivamente.

O PAICV tentará ultrapassar esta situação de forma airosa sendo contudo difícil sair da posição “defensiva” com que tem abordado este tema.

5. HISTÓRIA COM FINAL FELIZ

Mau grado todos os sinais de caminhos diferentes trilhados pelos partidos dominantes MPD e PAICV podemos ser surpreendidos com um cenário de proposta comum ou proposta a negociar na discussão na especialidade.

Tal representaria um facto não muito comum na história da democracia cabo-verdiana, o entendimento das duas partes normalmente desavindas.

Tal cenário não sendo de todo impossível não representa contudo a garantia duma boa solução nomeadamente para os anseios das gentes das Ilhas, longe do Poder central.

Não esquecer que o tema Regional, quando tem sido objecto de consenso entre “os dois partidos do arco do poder”, tem tido poucos resultados práticos.

Na Constituição de 1992 foi aprovado no seu Artigo 254º O Conselho Económico e Social que estabelecia no seu ponto 2. que “O Conselho Económico e Social integra, na sua composição, representantes de todas as ilhas, das organizações das comunidades cabo-verdianas no exterior, das associações nacionais de municípios, das associações públicas e de organizações representativas da sociedade civil.

 

Mais estabelecia no seu ponto 3 que “O Conselho Económico e Social funciona em plenário e por conselhos ou comissões especializados, incluindo, obrigatoriamente, um Conselho das Comunidades e um Conselho para o Desenvolvimento Regional.

Nos seu Artigo 291º (Conselho para os Assuntos Regionais) estabelece que “Até à instalação do Conselho Económico e Social mantém-se em funções o Conselho para os Assuntos Regionais, regendo-se pelas seguintes normas:

1.O Conselho para os Assuntos Regionais é composto por dois representantes de cada ilha, eleitos para um mandato de quatro anos por um colégio constituído pelos Deputados eleitos pelos círculos eleitorais correspondentes à ilha e pelos membros das assembleias municipais dos municípios nela sediados.

2.O Conselho para os Assuntos Regionais emite parecer sobre todas as questões de relevante interesse para o desenvolvimento regional, por iniciativa de qualquer dos seus membros ou a solicitação da Assembleia Nacional, do Presidente da República ou do Governo, sendo obrigatória a solicitação do parecer relativo a:

  1. a) Plano Nacional de Desenvolvimento;
  2. b) Planos Regionais de Desenvolvimento;
  3. c) Orçamento do Estado;
  4. d) Projectos e propostas de lei sobre autarquias locais e finanças locais;
  5. e) Outros casos estabelecidos por lei.

3.A lei regula a eleição e o estatuto dos conselheiros regionais, bem como a organização, a competência e o funcionamento do Conselho para os Assuntos Regionais.

Na Constituição de 2010, sob o TÍTULO IX DOS ÓRGÃOS AUXILIARES DOS ÓRGÃOS DO PODER POLÍTICO, CAPITULO II DO CONSELHO ECONÓMICO, SOCIAL E AMBIENTAL o ponto 1 . do artigo 257º estabelece que “ O Conselho Económico, Social e Ambiental é o órgão consulti­vo de concertação em matéria de desenvolvimento económico, social e ambiental, podendo desempenhar outras funções que lhe sejam atri­buídas por lei”.

O ponto 2. Do mesmo artigo estabelece que “ O Conselho Económico, Social e Ambiental funciona em plenário e por conselhos ou comissões especializadas, incluindo, obrigatoriamente, um Conselho para o Desenvolvimento Regional, um Conselho de Concertação Social e um Conselho das Comuni­dades”.

Tudo muito bonito mas nada que tenha passado do papel a aspectos práticos e isto apesar de na década de 90 ter existido o Conselho para os Assuntos Regionais cuja acção concreta é desconhecida publicamente.

Assim sendo caberá àqueles que defendem um Cabo Verde regionalizado para bem geral do seu povo continuar a luta.

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