A Academia Angolana de Letras (AAL) pede ao Governo que não ratifique o Acordo Ortográfico (AO), perante os “vários constrangimentos identificados” no documento, que necessita de uma revisão.
A decisão foi apresentada, quarta-feira, 10, pelo reitor da Universidade Independente de Angola e membro da AAL, Filipe Zau, numa conferência de Imprensa em que, pela primeira vez, a Academia, criada, oficialmente, em Setembro de 2016, e que conta com 43 membros, tomou uma posição pública sobre o Acordo Ortográfico, apresentado em 1990.
“Recomendamos a todos os Estados (membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP) e ao Estado angolano, que é necessário retificar para que se possa ratificar”, disse à agência Lusa Filipe Zau.
Segundo o docente, a Academia, que tem como patrono e ocupante da “cadeira número um” o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, decidiu tomar posição após auscultar os membros.
No comunicado, a AAL apresenta um conjunto de razões para justificar a tomada de posição, destacando que, no âmbito dos pressupostos do AO de 1990, existe “um número elevado de excepções à regra” que, acrescenta-se, “não concorre para a unificação da grafia do idioma (Português), não facilita a alfabetização e nem converge para a sua promoção e difusão” em Angola.
Por outro lado, a AAL lembra que o Acordo “diverge, em determinados casos”, de normas da Organização Internacional para a Padronização (ISSO) sobre o conceito ligado à ortografia, além de “não reflectir” os princípios da UNESCO nem os da Academia Africana de Letras (ACALAN) sobre a “cooperação linguístico-cultural com vista à promoção do conhecimento enciclopédico e de paz”.
“Face aos constrangimentos identificados e o facto de não ser possível a verificação científica dos postulados de todas as bases do AO, fator determinante para a garantia da sua utilização adequada, a AAL é desfavorável à ratificação por parte do Estado angolano”, lê-se no documento.
A AAL sublinha que, tendo em conta a contribuição de étimos de Línguas Bantu na edificação do Português, o AO não considera a importância das línguas nacionais angolanas como fator de identidade nacional.
A Academia, sublinha-se no documento, constatou a necessidade de o AO ter de ser objecto de “ampla discussão” entre os vários Estados membros da CPLP, considerando “indispensável” que se estabeleça um “período determinado para a análise, discussão e concertação de ideias” à volta do assunto.
“Tem de se encontrar um denominador comum que permita harmonizar a aplicação do AO de 1990 em todo o espaço comunitário”, refere a AAL, recomendando “maior investimento” dos Estados num “ensino de qualidade”, quem em português, quer nas línguas nacionais, “como contribuição para a preservação” dos vários idiomas.
Na conferência de Imprensa, o presidente da AAL, Boaventura Cardoso, lembrou que, em Angola, a Língua Portuguesa é a oficial e é falada “mais ou menos em todo o país”, tendo-se tornado “materna” para grande parte dos angolanos, uma vez que 65 por cento da população utiliza-a na comunicação diária, tal como revelou o último censo populacional de 2016.
Para Boaventura Cardoso, muitos dos problemas que se levantam e que constituem erros passam sobretudo pela ausência do AO de 1990 dos sons pré-nasais, duplos plurais e de respeito pelos radicais das palavras que emigram das línguas nacionais para o português.
“Impõe-se, pois, rever esta situação e, no nosso caso particular, rever a questão da escrita da toponímia angolana, reassumindo os ‘k’, ‘y’ e ‘w’ na grafia da Língua Portuguesa”, sublinhou, exemplificando, ainda, com dois exemplos de sons pré-nasais.
“Ngola ou Gola. No primeiro caso, Ngola, trata-se do título do titular máximo do poder no contexto da língua nacional kimbundu. Sem o som pré-nasal, significa a parte superior de uma peça de vestuário. O mesmo se passa com Mfumu e Fumo: Mfumu significa ?chefe’ nas várias hierarquias. Fumo significa o que de tal termo se conhece na Língua Portuguesa”, exemplificou.
Para Boaventura Cardoso, o AO de 1990 “trouxe mais problemas do que resolveu”: “trouxe o iminente risco de uma deriva arriscada que pode levar à desvirtualização da Língua Portuguesa”.
Dos nove países da CPLP, apenas quatro Estados ratificaram o Acordo: Cabo Verde, Brasil, São Tomé e Príncipe e Portugal.