Por: Cipriano Fernandes
Como frisei no documento “O estado da Nação”, já publicado por este jornal e que se encontra arquivado no meu blog, em https://nanindipala.net, o nosso país precisa, com muita urgência, de quatro reformas, sem as quais caminhará rapidamente para o seu fim, enquanto sonho e projecto de Amílcar Cabral quando iniciou a luta pela libertação nacional. Tais reformas já tardam, a saber: 1) A instituição, na Constituição da República, da perda de mandato, por via das urnas, para todo e qualquer cidadão que ascenda ao poder por via das urnas, caso se porte mal, viole as leis da Nação, demonstre incompetência, abuse do poder ou evidencie prepotência, incúria ou corrupção na gestão da coisa pública; 2) A reforma do poder local para que, entre outras coisas, uma única lista seja suficiente para se concorrer às eleições autárquicas; 3) Uma reforma do sistema eleitoral que consagre os círculos uninominais para as eleições legislativas, e 4) Uma profunda reforma do poder judicial para que finalmente seja independente do poder político, como de resto determina a Constituição da República, até porque o estado de uma Nação é o estado da sua justiça.
O flagrante atropelo às leis do ordenamento do território para se viabilizar negociatas já fez escola, e a questão da Praça do Palmarejo é apenas mais um exemplo paradigmático da falência total do nosso sistema político e judicial.
Com relação à primeira reforma, sabemos que foi muito forte a oposição dos moradores do Palmarejo à decisão da CMP em avançar com o assalto a esse espaço público, desde 1988 consagrado como PRAÇA no PDU do Palmarejo. O Presidente da CMP, numa pura atitude de “Quero, posso e mando!” permaneceu imperturbável na sua decisão de violar a lei.
Ora, não é difícil ver que tal comportamento arrogante e prepotente dos actuais responsáveis pela gestão da capital seria impensável se houvesse, tipificada na lei, a possibilidade de perda imediata do seu mandato pelas razões apresentadas acima, quase todas elas patentes na questão da Praça do Palmarejo.
Ninguém duvide, pois, que a perda de mandato, cristalizada na Constituição da República, é o remédio mais eficaz que nós, cabo-verdianos, temos para curar a prepotência, a arrogância, a impunidade, a incúria e a corrupção dos nossos dirigentes políticos. Estes vícios já se enraizaram de tal maneira na nossa classe política que fazem hoje perigar claramente o futuro desta Nação, pois já entrámos num ciclo de corrupção quase totalmente institucionalizada.
Em relação à segunda reforma, tenho para mim que nenhum cidadão deste país duvida que com Cristina Fontes Lima a dirigir a bancada municipal do PAICV na Praia, seria outra e teria infinitamente mais qualidade a prestação desse Partido no controlo da gestão municipal capitalina. O traquejo, e experiência política e governativa dessa cidadã, a sua inegável capacidade de trabalho e a sua responsabilidade histórica no percurso deste país, certamente emprestariam outro peso, outra visibilidade e outra dinâmica a uma bancada municipal para lá de incompetente e inerte.
Nos idos de 2007, quando respondia pela Ordem dos Arquitectos e perante as coisas muito estranhas que estavam a acontecer na CMP, chamei à sede da OAC o então líder da bancada municipal do MpD, então na oposição, e lhe cobrei outro comportamento e outro desempenho na assumpção das suas responsabilidades, dizendo-lhe que a sua bancada estava a dormir.
Hoje, porém, perante a enormidade e muito maior gravidade das coisas que estão a acontecer na CMP (desde finais de 2010, diga-se de passagem!), o facto é que a bancada do PAICV não está apenas a dormir: Está a roncar!
Importa, pois, fazermos a reforma do poder local que se impõe, ainda neste ano de 2018, para que todos os actores políticos tenham tempo suficiente para se prepararem e assim, em 2020, seja possível a apenas uma lista concorrer para as eleições autárquicas, ao contrário de hoje, em que é preciso gerir duas listas, uma para a Câmara e outra para a Assembleia Municipal.
É preciso lembrar que a Lei da Reforma do Poder Local já existe há muito tempo e que só não está em vigor por cínico calculismo e oportunismo político dos nossos deputados na AN em 2015. Quando o então Ministro do Ordenamento do Território chegou com essa proposta de Lei ao Parlamento, em Dezembro desse ano (infelizmente na última sessão parlamentar dessa legislatura), a bancada do então maior partido da oposição recusou apreciar e aprovar tal lei, dizendo que já era tarde e que isso devia ser tratado na legislatura seguinte. Inclusivamente, um deputado do MpD aproveitou a fragilidade política desse Ministro, devido à famosa “gestão” que fizera do Fundo do Ambiente, para o humilhar e lhe dizer que já não tinha autoridade moral para apresentar e defender tão importante lei.
Hoje, mais de dois anos depois do início da nova legislatura, nenhum dos partidos com assento parlamentar se lembrou ainda de retirar esse diploma da gaveta para o agendar e aprovar, pois é óbvio que não lhes convém tal reforma. O actual figurino do poder autárquico foi pensado para assegurar o domínio do poder local pelos partidos políticos.
No entanto, é neste enquadramento que se está a insistir em aventuras de regionalização forçada quando todo o potencial de vivificação e responsabilização das assembleias municipais ainda está por se realizar. Reafirmo que será sempre um péssimo serviço prestado à Nação qualquer proposta de se criar mais estruturas administrativas do território nacional, sem que primeiro se faça a reforma que se impõe ao actual figurino do poder local.
No próximo documento abordarei as outras duas reformas (círculos uninominais e o comportamento do Poder Judicial, sobretudo do Ministério Público), e a falta que estão a fazer, à luz daquilo que está a viabilizar o assalto à Praça do Palmarejo.
Quo vadis, Cabo Verde?
Que faremos, Germano Almeida?