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Opinião

Perguntas incómodas

Por: Arsénio Fermino de Pina*

Foi o filósofo e matemático alemão Leibniz que afirmou que a presunção é uma verdade inteira enquanto não se provar o contrário. Para as perguntas incómodas, são as respostas presuntivas as mais adequadas, embora embaraçosas. É o que vou tentar fazer, encarando a nossa governação crioula a ver se aparece alguém no poder a contrariar as minhas presunções com factos, esclarecimentos e exemplos.

Não irei perguntar, porque se fala tanto de descentralização/regionalização e nada se faz, e já me convenci de que é assunto que não convém resolver pelos partidos da área da governação por lhes retirar poder. Já era uma reacção esperada por conter medidas que envolvem a realocação de recursos e a concessão de autonomia para a gestão desses recursos às instituições periféricas eleitas. O que os partidos querem são departamentos públicos desconcentrados, travestidos, não compostos por gente eleita.

Por que não se procede à reforma do sistema eleitoral criando-se círculos uninominais, a única forma de aproximar eleitos e eleitores, em vez de serem os partidos a escolher quem deve representar o cidadão?

Presumo que isso retiraria poder aos partidos políticos, dado que os eleitos, na modalidade proporcional existente, respondem aos interesses dos partidos que os escolheram, o que raramente coincide com os interesses dos cidadãos que votaram neles. Em boa verdade, o poder político dos partidos é omnisciente, quando isso devia caber aos cidadãos. Nos círculos uninominais, dos nomes apresentados pelos partidos, é o cidadão que escolhe quem quer que o represente no Parlamento e não o partido. Parece-me ser essa a única e melhor forma de aproximar eleitos e eleitores e de valorizar o mérito de cada um, valorizando, portanto, a meritocracia, para que possamos acreditar que não desapareceu a crença nela como determinante da mobilidade social e que não se voltou a ter a percepção de que são mais importantes as origens familiares, o meio socio-económico de origem ou estratégias como filiação partidária do que o sucesso académico e autodidático. É por esta situação que é imperativo lutarmos. Como é sabido, no sistema actual, os deputados votam em nome da disciplina partidária, seguindo obedientemente as directrizes do seu partido, não a sua consciência e os interesses das populações que os elegeram. Não basta que o Parlamento seja livremente eleito; é preciso que, para além disso, sejam assegurados aos deputados poderes efectivos de regulação e controlo da sociedade e do Governo.

Por que será que não diminuímos o número de ministérios, secretarias de Estado, de deputados no Parlamento e Autarquias, por que não deixamos de colocar nas empresas públicas militantes do partido no Governo incompetentes (ou inadaptados para o cargo) e se permite que gente em elevados cargos governamentais nomeie assessores de toda a espécie devido à sua incompetência ou inadaptação?

Presumo que algumas vezes por inércia, outras por necessidade de colocar amigos, parentes e militantes, os tais “boys e girls”. Os cabo-verdianos não são todos iletrados, incultos e incapazes; há gente com muito valor que, por ser avessa a militância partidária, infelizmente raramente é tida em devida conta e cuja participação não se pede. Os dirigentes incompetentes esfocinham-se na inimputabilidade que lhes garante o Governo e partido, os deputados na irresponsabilidade, imunidade e impunidade. Para alguns deputados e governantes, para serem políticos, bastam-lhes cinco anos de Direito, tudo o resto enviesado. Não se julgue que tenho alguma fixação contra os advogados; a minha reacção brota naturalmente por eles terem inçado a função pública. Há deputados que passam uma ou mais legislaturas somente com o trabalho de levantar a mão nas votações quando lhes mandam, o que nos convence da necessidade urgente do estabelecimento de um código de conduta com a obrigação de produção anual de relatório de actividades de cada deputado. Desse modo, os cidadãos poderiam apreciar e avaliar o trabalho realizado por cada deputado.

Depois de milhares de anos de vida em sociedade, não há exercício ilegal de política, de modo que é das matérias em que se pode continuar a exercer o poder mesmo sem vocação, sem talento e sem ter aprendido. Acaba-se por ser expulso, mas depois de ter causado grandes danos.

Será que tudo que é legal será ético ou moral? Presumo que não. Se, por exemplo, se confiscassem, se arrestassem os bens gerados ou adquiridos de modo duvidoso, pouco ético ou pouco moral, sem necessidade de prisão do arguido, talvez isso fosse uma atitude contra o enriquecimento ilícito. A riqueza, sobretudo a mal ou desonestamente adquirida, torna-se mais gritante e obscena quando à sua porta está a miséria.

Por que razão a justiça é tão morosa e ineficaz? resumo que por necessitarmos de muito menos leis, mas eficazes, leis completas, mas sem encargos excessivos, leis firmes, mas simples, leis feitas pelos deputados e juristas do Estado, não por sociedades privadas de advogados que cobram rios de dinheiro para as fazer o mais complicadas possível (com alçapões), a fim de terem de ser interpretadas, e, mais tarde, ainda se  servem dos alçapões, que só eles conhecem, para safar clientes.

O que se passa com as nossas “universidades”?

Como já escrevi bastante sobre elas, deixo de lado toda a presunção; uma simples “charge”: um curso superior nas nossas “universidades” – refiro-me sobretudo às privadas, embora as públicas sejam coxas por falta de docentes qualificado – é assim designado porque vem a seguir ao secundário e muito depois do primário. Diz-se licenciado, em Cabo Verde, como um cargo honorífico que, bastas vezes, mais parece relevar do código hierárquico do negócio do que propriamente da nobre arte de queimar as pestanas a fim de ver além do nariz. Necessitamos, sim, de um ensino menos livresco, mais prático e profissional, mais formação em artes e ofícios, e não formar gente que não terá ocupação, como fazem as nossas “universidades”.

Por que a mania dos governantes em substituir a calçada portuguesa por alcatrão e a construir aeroporto em Santo Antão, a meia hora de S. Vicente que possui aeroporto internacional, em viagem agradável de ferry boat?

Aqui nem vale a pena presumir, tamanha é a asneira, avalizada por demagogia que rende votos em eleições. O alcatrão, temos de o importar, bem como as máquinas para a sua mistura e aplicação, tendo cerca de quinze anos de vida; a calçada portuguesa dura uma eternidade, temos abundância de matéria-prima e os nossos pedreiros e cantoneiros são seus exímios executantes.

Sou profundamente político por dentro, o que me leva, bastas vezes, a abordar a política, mas nunca quis estar na política; um tanto entalado, aceitei exercê-la uma vez, em eleições autárquicas, que me serviu de lição. Apercebi-me, com o tempo, que a política pode ser um grande palco de equívocos, de intransigência, de arbitrariedade e nunca quis entrar nesse jogo. Hegel defendia ética em política, o que raramente acontece, enquanto Maquiavel, o mestre da maioria dos políticos, ensinava astúcia.

Fico-me por aqui, por hoje, sem  a ilusão de alguém  responder às minhas perguntas, nem que o “silêncio dos bons” seja perturbado; talvez o provedor de justiça, a quem as entidades oficiais têm a obrigação legal de responder, possa utilizar uma ou outra das minhas perguntas, já que para o vulgar dos cidadãos ês ca ta cdi!

Parede, Agosto de 2018                                                               

*(Pediatra e sócio honorário da Adeco)

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