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Opinião

Olhar 15

Por: Natacha Magalhães

1. Normalmente e naturalmente, as coisas funcionam assim: em face a um acontecimento que provoca a morte de alguém, não sendo de causas perfeitamente naturais, previsíveis e evidentes, é normal que duvidas se levantem. E na dúvida, várias são as interrogações e suposições. Dai que uma averiguação apurada é mister para se determinar causas e se dissipar incertezas. Alias, é a clarificação da questão que cessa desconfianças e ruídos que se propagam, evita desinformação e tranquiliza as pessoas, principalmente os familiares. E é também com as averiguações que se dá um sinal forte de que o assunto mereceu sério e correto tratamento. Esse introito vem a propósito da morte da jovem Eloisa, que despoletou uma vaga de emoções nas redes sociais e ditou o posicionamento de varias instituições públicas, nomeadamente, a Presidência da República, a Procuradoria Geral da Republica, a Comissão Nacional para os Direitos Humanos e Cidadania, o próprio governo e a oposição.  Muito já se falou e muito mais se escreveu sobre o acontecimento. Resumidamente, temos um caso duma jovem com uma gravidez ectópica e cujo estado levou a delegacia de saúde da Boa Vista a solicitar a sua evacuação através da companhia aérea Binter, para o hospital do Sal, facto que não veio a acontecer porque, segundo a companhia, em comunicado emitido, “o voo estava cheio” e “não foram cumpridos, pela delegacia de saúde da Boa Vista, os procedimentos habituais”, nomeadamente, a requisição para o transporte. Mas tudo fica mais complicado quando no mesmo comunicado, diz a Binter que não faz evacuações de pacientes evacuados, deixando o governo e o INPS numa situação pouco confortável ao afirmar que “a responsabilidade das evacuações cabe ao Governo de Cabo Verde, ao INPS e ao Ministério de Saúde” e que Binter CV só tem autorização da Agência da Aviação Civil para o transporte de passageiros e de carga.” – a jovem Elisa não seria uma passageira? A verdade é que sem papeis, não havia como fazer a evacuação. Pergunta-se o que houve aqui, negligência ou descaso? Em consequência, sem evacuação por via aérea, Eloisa teve que ser evacuada pela via marítima, num bote que a levou ao Sal numa viagem de cerca de três horas, num estado de extrema agonia como lamentavelmente, atestou a filmagem divulgada nas redes sociais e que contribuiu para que a indinação social fosse maior. A jovem veio a falecer num sábado, 23. Eis que dois dias depois, a 25, e depois de centenas de reações, o hospital do Sal vem, em comunicado, dizer que Eloisa teve toda a assistência inicial, foi estabilizada, mas veio a falecer devido a uma cardiopatia mitral. Se, a partida não se pode duvidar da opinião de um medico, por outro lado, os antecedentes que ditaram o quadro de agravamento da situação da vitima não pode ser completamente ignorado, daí que também são igualmente aceitáveis que se pergunte se caso a jovem fosse evacuada por via aérea, em tempo oportuno e útil, ter-se-ia evitado a sua morte. Se não poderia, pela forma como foi transportada, pelo tempo que demorou a chegar àquela unidade hospitalar, ser fator desencadeador do agravamento do quadro de complicação cardíaca? Houve incidentes que antecedera a morte de Eloisa, logo, a realização de uma autopsia clarificaria de vez a questão da morte da jovem (não da não evacuação e prestação de auxilio)? Não será igualmente aceitável perguntar em quê se sustenta o hospital do Sal para afirmar categoricamente que a morte da jovem foi devido a complicações cardíacas? Não somos nem médicos nem juristas, mas sabemos que numa situação de DÚVIDA relativamente à causa da morte de alguém, para a sua cabal clarificação faz-se uma AUTÓPSIA, e que essa é feita por um medico legista que, no país, sabe-se, existem dois e nenhum deles reside ou se encontrava, na altura, no hospital do Sal. A PGR assume o caso. Vamos aguardar pelo desfecho.

 

2. De Cabral e do memorial. Há coisas que custam entender e aceitar.  Um povo que renega o seu passado e a sua história assemelha-se à um navio à deriva, sem poiso, sem lugar para voltar ou a um órfão sem família, solitário, como se tivesse do nada tivesse vindo e para onde não sabe ir. Ensinamos nas escolas que um dos nossos maiores heróis foi Amílcar Cabral. Esta figura, respeitada e estudada em vários partes do mundo, volta e meia é alvo de subestimações. Em 2005, foi a própria filha do estadista que se insurgiu com a coabitação do memorial Amílcar Cabral e o mercado improvisado. Na altura, o que Iva Cabral disse faz, hoje, todo o sentido repescar. Na altura, fez saber Iva Cabral que a estatua de Cabral (logo, o seu memorial) só seria património nacional e não passaria de uma mera pedra trabalhada se representasse “um espaço de memória” ou “lugar de memória, no qual a estátua é muito mais que uma escultura (…) que nos relembra um momento da nossa História Coletiva, nos faz rememorar os ideais, as renuncias, as lutas de homens e mulheres que aceitaram sacrifícios para ver a bandeira da independência nacional subir a 5 de julho de 1975, na Várzea”.  Resumindo, a estatua, per si, de valor nada tem. O que lhe confere valor é a preservação da memória de Cabral, dos valores e princípios pelos quais lutou e morreu. Mais de dez anos depois, ensaia-se mais um sinal de uma certa subestimação da figura e memória de Cabral. A intenção (esperemos que não passe disso mesmo) de retirar a estátua do memorial que leva o seu nome para coloca-lo, em principio, numa rotunda sem acesso pedestre e que não possibilita atos oficias, como o da deposição da coroa de flores, é, para alem de absurda, desrespeitosa. Honrar e dignificar Cabral é muito mais do que andar com a sua imagem em pedra ou bronze para frente e para atrás. O que confere dignidade a Cabral é respeitar a sua memória, reconhecendo e valorizando o seu papel na luta maior deste país e nas grandes causas como a Educação e a Liberdade. O que digna Cabral é falarmos dele e do seu pensamento visionário às novas gerações, sem complexos, assumindo definitivamente que essa é a nossa Historia, com o bom e o menos bom. Essa geração, já tao pobre de referências, precisa conhecer o pensamento do homem que disse um dia, como se adivinhasse, que “temos de acabar com indiferença da nossa gente em matéria da cultura…” Parafraseando Iva Cabral, essa geração, a nação e a juventude precisam de lugares de memória.

 

3. E junho se foi. O mês dedicado às crianças. Nunca se ouviu falar tanto de casos de abuso sexual de menores. Diariamente somos confrontados com essa triste realidade que, pela proporção tomada, merece medidas mais robustas e respostas mais firmes, a começar pelos meios para a investigação.  Nenhum violador e abusador deve ficar impune porque faltam meios para uma investigação mais apurada dos casos ou porque não temos uma base de dados capaz de ajudar a identificar os agressores ou porque também não temos recursos para adquirir kits de recolha de impressões digitais ou de tecidos que permitem aos investigadores identificar os abusadores e não deixar que escapem ilesos, pois já sabemos que comprovar uma violação sexual, fora de flagrante delito, não é um processo fácil.  Por fim, não queremos silêncios. Queremos saber da Edine o seu bebé da Edine, da Edivania, da Nina e do Filú. Assim nos foi assegurado.

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