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O estado da Nação

Durante todo o mês de Abril de 2015 os cabo-verdianos assistiram, em transe, o país à mercê de um punhado de jovens.

Se os jovens do MAC-114 tivessem maior traquejo político ou, no mínimo, uma estrutura clara de liderança, uma revolução de consequências inimagináveis teria mesmo acontecido. Infelizmente (ou será felizmente?), assim que o foco da imprensa e da opinião pública começou a incidir mais sobre um deles, os outros imediatamente disseram que a liderança era colegial e que eram todos primus inter pares. Ficou assim selada a sorte do MAC-114.

E a nossa toda-poderosa classe política, apanhada em contrapé, encolheu-se e durante esses fatídicos 30 dias de Abril mostrou uma desorientação total, sem qualquer poder de reacção.

Ora, o último estudo da Afrosondagem, realizado em 2017 sobre a qualidade da democracia e da governação, veio mostrar que na verdade nada mudou, seja em termos da imagem projectada pelos nossos dirigentes políticos, seja das causas latentes do descontentamento que levou ao levantamento nacional de protesto sob a batuta do MAC-114.

A vindicação desse estudo aconteceu quando nenhum político apareceu a contestar as suas conclusões, entre as quais o facto de que mais de metade dos cabo-verdianos diz que o país está a seguir numa direcção errada e que 76% dos inquiridos se declaram pouco ou nada satisfeitos com o funcionamento da democracia.

Porém, quando a esmagadora maioria dos políticos declarou, como foi noticiado, que as conclusões desse estudo não eram novidade nenhuma então o caso ganhou contornos muito mais graves.

Pelos vistos, é consenso que estamos em crise política e social profunda, mas paira sobre a nação um sentimento de resignação e de impotência relativamente ao aparecimento das respectivas soluções.

No entanto, saltam à vista de qualquer observador mais atento as reformas profundas e urgentes que precisam acontecer no nosso sistema político:

Desde logo, falta aos nossos dirigentes, a todos os níveis, a noção (e a pressão) de que podem perder o seu mandato a qualquer momento. Os nossos eleitos tendem a se acomodar assim que o seu partido político ganha uma eleição, certos de que nada, nem ninguém, os poderá chatear daí para a frente. É evidente que tal acomodação cedo leva a posturas de desleixo e desresponsabilização que nada mais fazem do que aumentar o fosso de separação com o eleitorado.

Temos, pois, que alterar a Constituição da República para que a perda de mandato, por via directa, seja aí prevista para todos os cidadãos que ascendam ao poder por via das urnas. Pelas urnas entram, pelas urnas devem sair, mesmo que antes do fim do seu mandato, caso não correspondam às expectativas e anseios de quem os elegeu.

Quanto à segunda reforma, e falando da Assembleia Nacional, é evidente que não se pode adiar mais o advento dos círculos uninominais. Nada assegura a proximidade e o trabalho colaborativo entre o eleito e o eleitor mais do que a consciência do eleito de que pessoalmente tem responsabilidades directas na defesa e promoção dos interesses de um grupo bem identificado de eleitores numa região geográfica muito concreta. Hoje estamos a votar em partidos. Temos de passar a votar em pessoas concretas. Com círculos uninominais cada partido teria de conseguir e propor candidatos credíveis e com qualidade reconhecida pelos eleitores de uma dada região, sendo que a campanha eleitoral teria que ser feita por esse candidato nessa região. Ganhado tal candidato, ganharia o seu partido.

Pode-se facilmente imaginar como isso faria aumentar seja a responsabilização seja a produtividade dos deputados da Nação.

A terceira reforma urgente que se precisa é a nível do poder local. Ainda não está nada realizado o potencial das nossas autarquias locais, o que claramente desaconselha, nesta altura, qualquer aventura para se aumentar mais a fragmentação do território ou a criação de estruturas supramunicipais (regionalização).

A parlamentarização das Assembleias Municipais (AM) traria uma dinâmica nova e poderosa para a vivificação do nosso poder local e das regiões naturais (ilhas) que já existem. Significaria dar ao Sokols, por exemplo, a oportunidade de apresentar-se ao eleitorado sanvicentino em condições de confrontar com sucesso os partidos políticos em S. Vicente, pois, no actual figurino, que claramente favorece os partidos políticos (pois obriga à apresentação de duas listas, uma para a Câmara e outra para a AM), os grupos de cidadãos nunca terão condições para se constituírem em alternativas credíveis aos partidos, mostrando serviço, primeiro enquanto oposição, nas AM.

Porém, a principal e mais urgente reforma que o nosso sistema político precisa sofrer é a nível do poder judicial. O estado de uma Nação é o estado da sua Justiça.

Não faz sentido que seja o Primeiro-ministro a escolher o Procurador-geral da República (PGR), nem o Ministro das Finanças escolher o Presidente do Tribunal de Contas! O poder político controla o nosso poder judicial e grande parte da crise que vivemos vem daí.

A eleição directa do PGR, sempre acoplada à possibilidade de perda de mandato, é a única via de se assegurar a independência e a eficácia do nosso poder judicial, como estabelece a Constituição.

O nosso problema maior é que qualquer destas quatro reformas ameaça o poder da nossa classe política…

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