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Política

Politiquice e má gestão ajudaram a secar barragem de Poilão

Os agricultores e o delegado do Ministério da Agricultara e Ambiente em Santa Cruz apontam a “má gestão de água” como uma das principais razões pelo o esgotamento da água na Barragem de Poilão. Por “politiquice” também, mais de 85 % dos agricultores passaram a fazer rega por alagamento em vez de gota a gota, sem pagar pelo consumo.

A Barragem de Poilão, em Santa Cruz, inaugurada em Julho de 2006, regista pela primeira vez na sua história o esgotamento total da água armazenada. Um cenário triste que deixa muita gente desolada e preocupada. A pouco chuva, registada nos últimos cinco anos, encontra-se entre as razões do esgotamento de água na albufeira.

Uma outra razão foram os conflitos que foram tendo lugar nas tentativas de gerir a água de forma racional, nem sempre aceites pelos agricultores da localidade. Por coincidir com as eleições de 2016, no dizer de uma das nossas fontes, vários “irresponsáveis políticos” estiveram no terreno a instigar os agricultores a não pagarem o consumo de água.

Em conversa com A NAÇÃO, alguns agricultores e o próprio delegado do Ministério da Agricultura e Ambiente (MAA) em Santa Cruz, Manuel Afonso, admitem que o esgotamento de água, naquela infra-estrutura hidráulica, não se deve apenas à seca registada em 2017, mas também, e muito, por culpa da “má gestão de água” que foi acontecendo desde 2006, quando a barragem foi inaugurada. Isso porque, sem controlo, cerca de 85 % (por cento) dos agricultores, num universo de trezentos, retomaram a irrigação por alagamento, em vez de gota a gota, como vinha acontecendo antes.

Victor Varela é um dos agricultores que aponta a “má gestão da água” como uma das causas pela secagem da barragem de Poilão. “Muitas pessoas, que tinham sistema gota a gota nas suas propriedades, nas encostas e à montante da albufeira da barragem, bem como na Ribeira Seca e outras áreas, à jusante, deixaram de utilizar gota a gota, e com isso quase todo o mundo passou a fazer rega por alagamento. Uma prática que era proibida quando havia gestão da água da barragem mesmo a sério”, sublinha.

Conforme Victor, uns deixaram de usar sistema gota a gota por causa de avaria dos equipamentos e outros, simplesmente, abandonaram-na, e até venderam os equipamentos, retomando também a rega por alagamento. Com isso, acreditava-se que conseguiam produzir mais e a menos custo.

“A quantidade de água que estava na barragem não podia secar, assim, de repente, como aconteceu. Infelizmente, muitos agricultores continuam a teimar com a rega de alagamento, pensando que o solo rende mais. É esse o principal problema. Num país como Cabo Verde, com graves problemas de água, não nos podemos dar ao luxo de gerir a água de forma irracional, como aconteceu aqui”, desabafa.

Por seu turno, o jovem Odair Marques confessa que, à semelhança de outros agricultores que cultivam nas encostas e à montante a barragem do Poilão, também ele faz rega por alagamento. No seu caso, alega que não dispunha, nem dispõe, de condições financeiras para instalar o sistema gota a gota.

“Os equipamentos de gota a gota custam caro. Por diversas vezes, pedi ajuda para instalar o sistema, mas não fui atendido. A linha de crédito disponibilizada pelo Governo não beneficia os pequenos agricultores, uma vez que é necessário ter um fiador, e hoje em dia é difícil encontra um fiador. Portanto, temos que procurar meios de sobrevivência para não morrermos com fome. Foi o que aconteceu comigo”.

Já o delegado do MAA em Santa Cruz, Manuel Afonso, admite, igualmente, que a “má gestão de água”, por parte dos agricultores, contribuiu bastante para a secagem de Poilão. Conforme diz, desde a inauguração da barragem, em 2006, o plano de irrigação nunca foi seguido como estava projectado, nem tão-pouco outros itens previstos para quando a barragem entrasse em funcionamento. Por exemplo, a introdução de peixes gambúzios, para combater larvas de mosquito, nunca aconteceu.

“Inicialmente, cerca de 80% da área foi equipada com sistema de rega gota a gota, contando com apoio do governo e parceiros, e quando o tempo de vida útil de alguns dos equipamentos acabou, os agricultores não reinvestiram na sua recuperação. E como havia água bastante, os agricultores começaram a irrigar por alagamento. Uns até desperdiçaram água, uma vez que não pagavam pela extracção, entendiam que não tinham que pagar por um bem que achavam ser de todos. E agora, infelizmente, estão ver a consequência do mau uso que se fez da água. E, sinceramente, espero que isso sirva de exemplo e lição a todos”.

No entender de Manuel Afonso, houve também uma certa negligência por parte da equipa de gestão da barragem. “Não se devia deixar a situação chegar ao ponto a que se chegou. Mas, infelizmente, isso compreende-se, porque ainda hoje não existe nenhum instrumento legal que lhes permitia impedir os agricultores de fazer isso. A única coisa que podiam fazer é sensibilizar as pessoas. Mas, como havia muita água, as pessoas pensaram que ela não ia secar”.

Dívidas enormes por sanar

De acordo com aquele responsável do MAA, os dados apontam que nem 40% de água retirada da barragem foi facturada. E, mesmo assim, adianta, existe uma dívida de cerca de 15 mil contos por pagar por parte dos agricultores. “Isso demonstra que não houve rigor na facturação e cobrança da água consumida; a receita arrecadada serviria, agora, perfeitamente, para apoiar nos trabalhos de limpeza da barragem, assim como na manutenção das condutas de rega”.

Manuel Afonso defende que já é altura de os agricultores mudarem a mentalidade e passarem a racionalizar a água, deixando de pensar que, quando há, esse é um recurso infindável e dádiva de Deus, só porque a vêem acumulada, podendo cada um deve utilizá-la como bem entender. “Se calhar, na nova gestão da barragem, devemos utilizar os métodos da Electra e Águas de Santiago. A partir de duas facturas em atraso, a solução é efectuar cortes e a ligação só é restabelecida mediante o pagamento total das dívidas”, conclui.

Os trabalhos de limpeza da barragem já arrancaram

A Barragem de Poilão tem cerca de sete metros de altura de lodo na albufeira, o que reduz substancialmente a sua capacidade de armazenamento de água. Para resolver o problema, o governo está a mobilizar os recursos para fazer o desassoreamento da barragem, tendo os trabalhos de limpeza arrancado há três semanas.

Entretanto, os agricultores mostram algum cepticismo em relação ao trabalho em curso. Carlos Alberto “Beto” Furtado é um deles. “Conforme a conversa que tivemos com os técnicos, eles apenas vão limpar a conduta que leva água para as localidades de Poilão e Ribeira Seca; ora, apenas isso não resolve o problema”, desabafa.

Conforme “Beto”, os agricultores entendem que se deve limpar toda a albufeira ou então a metade. “Já estão aqui há duas semanas, mas praticamente ainda não fizeram nada. Até agora estão a entupir a albufeira com escavação das encostas para arranjar caminho para chegar até ao pé da barragem. E, pelo ritmo que estão a trabalhar, e com o aproximar da época das chuvas, não sei se terão tempo para terminar o trabalho”.

Para aquele agricultor, se é para colocar mais terra dentro da barragem, ou desobstruir apenas a saída da água, “é melhor deixar assim como está”. A seu ver, “no final vai-se apresentar um valor exorbitante gasto e trabalho que é bom nada”.

O delegado do MAA, Manuel Afonso, tranquiliza os agricultores, assegurando que intenção é limpar o máximo possível. “A nossa ideia é desassorear a barragem por completo, mas isso vai depender do financiamento. Estamos a falar de cerca de seis a sete metros de altura de lodo, dentro da albufeira. Portanto, não é pouca terra, tendo em conta toda a extensão. E como já é público, serão precisos mais de 115 mil contos para essa operação”.

Afonso explica que os trabalhos vão começar pela parte da descarga que é mais importante e depois avançar até onde for possível. “Por aconselhamento técnico, se não for feito nenhuma intervenção na zona da descarga, com entrada de mais enxurradas nas próximas chuvas, o sistema de irrigação para zona à jusante deixará de funcionar e com isso todo o investimento feito no sistema de adoção fica comprometido. Por isso temos que priorizar até porque estamos pressionados pelo tempo”.

Conforme aquele responsável, neste momento, está-se a mobilizar os agricultores para darem a sua contribuição e avança que alguns já aceitaram o repto na remoção de terra, tida como sendo de grande valor para a agricultura. “Alguns proprietários, que precisam de terra para encher os seus espaços de cultivo, já manifestaram vontade de fretar camiões para transportar a terra acumulada para suas parcelas, e se isso realmente acontecer vamos fazer um trabalho para além do que está previsto”, frisa.

SN

Texto original publicado na edição 564 do jornal A Nação impresso.

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