Margarida Fontes
Com o aproximar do centenário da Organização Internacional do Trabalho (OIT), efeméride que se assinala em 2019, múltiplas reflexões sobre o futuro do trabalho, envolvendo parceiros sociais, ocorrem um pouco por todo o mundo. Tais reflexões não só percorrem todo o historial da Organização, como fazem o ponto da situação do trabalho, com foco na promoção do trabalho digno, e a agenda com novas respostas e novas estratégias para o futuro.
De 28 de maio a 1 de junho, aconteceu no Centro Internacional de Formação da OIT, em Turim, Itália, a primeira Academia sobre o Trabalho Digno, feita em língua portuguesa e dirigida à CPLP. Estive presente no certame, a convite da OIT. Um encontro com cerca de 90 participantes, oriundos dos países da comunidade de expressão lusófona. Cabo Verde teve presença ativa e notória.
Uma nota, a do presidente da CCSL, José Manuel Vaz, que, em entrevista que nos concedeu, agradeceu a OIT pela oportunidade da Academia em língua portuguesa, algo que para alguns já deveria ter acontecido antes, considerando a pertinência e a urgência dos temas em face das realidade destes países. Diante do realizado agora, espera-se que a língua portuguesa venha a ser um instrumento cada vez mais presente, em semelhantes reuniões, onde temas do trabalho e com interesse global sejam discutidos.
Outra nota vai para os temas que estiveram em pauta na Academia: trabalhos do futuro, o papel dos sistemas de proteção social num mundo do trabalho em mudança, empregos verdes e empregos do futuro. Temas chapéus de onde sobressaem abordagens como o emprego jovem, a formação profissional e os desafios da formalização da economia, tratados nos vários seminários que permitiram reflexões e debates. A escolha temática foi, aliás, pensada na ótica do interesse partilhado. São questões comuns e transversais aos países que falam o português, embora se saiba que, cada um, à sua dimensão.
É patente que, no nosso quotidiano, raramente parámos para refletir sobre as mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho. Este ato quase mecânico do qual dependemos para viver, alimentar, morar, viajar e ser feliz. Falamos do trabalho digno quando não descuramos de nenhum destes itens. De pronto, a grande questão: como falar em trabalho digno quando, em muitos países, o trabalho rareia? Como falar em trabalho digno, quando mais de metade da população global não está coberta por nenhum tipo de proteção social? Perguntas sem respostas imediatas, mas que precisam de respostas. Perguntas que, amiúde, instigam o quadro de muitos países da CPLP e que, em boa hora, traz à tona o tema trabalho digno, hoje parte essencial da agenda da OIT.
A par da Academia de Turim, aconteceu em Lisboa uma reunião das cerca de dezena e meia de centrais sindicais da CPLP sobre o mesmo tema – trabalho digno. Espera-se que de tais encontros, agendas novas se instalem no seio deste organismo multilateral de cooperação, em benefício dos povos que dele fazem parte. O Instituto de Emprego e Formação Profissional de Portugal, um dos patrocinadores da Academia, contribuiu para o desenho do programa, na expectativa de que do fórum saíssem subsídios importantes para a minimização dos problemas, lá onde eles existem.
Cabo Verde teve uma participação bem estruturada que incluiu todos os intervenientes desse universo. Órgãos públicos que lidam com a problemática do emprego, da segurança social, do género, da formação profissional, representantes do sector privado, do mundo sindical e a imprensa. Os cabo-verdianos puderam, com a sua participação, expor sobre as realidades domésticas, fornecendo pistas para debates, num fórum em que muitas semelhanças vieram ao de cima.
A informalidade na economia, por exemplo, é um quadro presente em Cabo Verde, no Brasil, em São Tomé, Angola e Moçambique. Preocupações relativamente ao emprego jovem interpelam de modo particular todos os países da comunidade. Assim, as soluções só podem ser encontradas juntas, sem esquecer as políticas públicas para o emprego de cada país, que devem ser cada vez mais estruturadas num contexto mais abrangente, que o inclui a própria educação. A crise global, com impactos nos países, baralhou as cartas, e o que antes era seguro, deixou de o ser.
Agora perguntamos: como a um tempo resolver esses velhos problemas e responder, do ponto de vista da legislação e de outros âmbitos, aos desafios dos empregos emergentes? As novas tecnologias ditam de modo acelerado mudanças no mundo do trabalho, cuja tendência é caminhar para a internacionalização. No domínio da proteção social, por exemplo, as perspetivas não são animadoras, e as maiores exclusões ocorrerão na África e na Ásia, isso quando se sabe que ainda faltam 12 anos para se fazer da proteção social uma realidade para todos.
Falemos também dos trabalhos do futuro e do futuro do trabalho. Com a automatização, os empregos mais rotineiros serão os mais vulneráveis. Só muita criatividade vai transformar em empregos viáveis as novas profissões. Um repto lançado numa das sessões de trabalho por Rui Grilo, da Microsoft. Este especialista foi peremptório: há que preparar as novas gerações para o sucesso, e isto acarreta mudanças de fundo nos sistemas de educação, algumas perfeitamente caducas. A motivação, a vontade e a criatividade são os tripés desse puzzle de viragem.
Os sistemas terão que voltar a olhar para as pessoas, a qualidade terá que caminhar de mãos dadas com a quantidade, a forma como ensinamos e aquilo que ensinamos terão de passar por uma profunda reformulação, de modo a responder aos novos desafios. Assim pensam os otimistas. Aqueles que não encaram as novas tecnologias apenas como ameaças, mas sim como novas oportunidades. Os otimistas entendem mesmo que nos países em desenvolvimento, por exemplo, hão de se queimar etapas, e acompanhar a dinâmica das TIC, se alinharem bem as suas políticas de investimento no sector.
As mudanças verificadas a nível global, no mundo do trabalho, levam ao surgimento dos tais empregos atípicos. São empregos temporários, cobertos por uma variedade de termos contratuais e atingem preferencialmente os grupos de mulheres, jovens e trabalhadores migrantes. Existem também os chamados trabalhos sazonais. São novas formas de ocupação, que desafiam as previsões de alcance do trabalho digno. Quem está num emprego atípico (onde também entram os empregos em plataformas digitais) dificilmente transita para um emprego formal, recebe menos, está mais vulnerável, muitas vezes foge ao controlo da segurança social, e mantém relações de trabalho com múltiplas partes. Sem contar que se regista ainda uma larga ausência de respostas legislativas, com vista a transformar esses trabalhos em trabalho digno. Não estão protegidos social e previdenciaramente.
Mais do que o encontro de Turim, fica-nos o repto do devir. O que fazer, em termos práticos e exequíveis, com as reflexões e as recomendações saídas desta academia?