Ricardino Neves
Com a apresentação do seu projecto de proposta de Lei sobre a Regionalização temos finalmente em mãos uma posição formal do PAICV sobre esta matéria.
Facto esse de se registar como positivo embora se possa dizer que ele peca pelo atraso . Ele surge dois anos após eleições em que o tema Regionalização teve peso relevante, daí a expectativa quanto ao posicionamento do PAICV .
A ele bem se pode atribuir a responsabilidade de grande parte da actual realidade centralista em Cabo Verde.
É sob a sua governação de 15 anos que se verifica o reforço do centralismo do poder político, económico e das oportunidades ,não obstante as suas declarações de intenção descentralizadora e estudos que culminaram com a Lei nº 69/VII/2010 de 16 de Agosto que estabelece o quadro da descentralização administrativa bem como o regime de parceria público-privadas de âmbito regional, municipal ou local.
Dizer que se ficou pelas boas intenções não será exagero e julgo que o PAICV ficou devedor ao País por então não ter enveredado pelos caminhos da sua efectiva descentralização, com as consequências com que agora nos defrontamos.
Ao retomar a problemática da descentralização este Partido assume uma atitude de se redimir, de redenção , que no conceito cristão inclui o perdão dos pecados.
A proposta tem alguns aspectos que designo de espinhos no caminho que o PAICV tem de percorrer para se redimir desse pecado centralizador cometido na organização do Estado cabo-verdiano e que alguns apelidaram de pecado original.
A proposta apresentada pelo PAICV tem como ponto de partida a exigência duma reforma do Estado que passa pela revisão da Constituição, de modo a que se reformule o Título III, (epigrafado “Da Assembleia Nacional”), no seu Capítulo I, no artigo 141º, para garantir uma redução do número de Deputados, e do Título VI (epigrafado “Do Poder Local”) em ordem à definição do estatuto das autarquias local (freguesia, município e região).
Ao sujeitar a abordagem do tema Regionalização ao tema Redução de Deputados, o PAICV introduz uma relação que de certeza não ajudará ao tratamento da questão.
Independentemente da razão de ser dum tema como a redução do numero de deputados erigida pelo PAICV como medida necessária de contenção de custos da estrutura do Estado , estamos perante uma atitude recorrente neste Pais que é a falta de metodologia de discussão, ou seja , a incapacidade de tratar um assunto de cada vez, cair no erro de misturar temas ,uma e outra condição quase natural para levar ao impasse na obtenção de qualquer conclusão ou consenso.
Ressalvando por princípio a boa fé do PAICV nesse processo é evidente que essa postura não augura nada de muito positivo para o desenlace desta discussão sobre o tema Regionalização.
E ao esgrimir o tema dos custos o PAICV retoma um argumento por si afirmado desde sempre juntando-se ao coro daqueles que vêem na Regionalização mais um custo adicional que, dizem eles, o País não pode suportar.
Ao falar de custos do aparelho do Estado o PAICV parece querer passar ao lado do seu papel que teve no estabelecimento da dimensão que esse mesmo Estado assumiu sob a sua governação. Dir-se-ia que esteve (está) noutro Pais que não este.
Parece que não se lembra de ter impulsionado a criação de mais Municípios em Cabo Verde em 2005,bem como de Institutos e estruturas estatais. Vir agora, na oposição, assumir a bandeira da contenção de custos não é lá muito coerente e claramente não ajuda para o debate.
O PAICV defende e muito bem o princípio de rever a Constituição no seu Título VI (epigrafado “Do Poder Local”) em ordem à redefinição do estatuto das autarquias local (freguesia, município e região),de modo a que se confira à Região dignidade constitucional .
Ao mesmo tempo conhecidas são as preocupações expressas pelo PAICV para a manutenção e reforço do Poder Local .Houve tempo em que , desconfortável em relação ao tema Regionalizaçao,ele defendia o reforço do municipalismo como opção alternativa.
No documento apresentado o PAICV refere que “O processo de regionalização não compromete o desenvolvimento de todas as potencialidades da organização municipal, profundamente alicerçada na vida da coletividade nacional e, unanimemente, considerada como um relevante fator de progresso das populações”.
Assim não se compreende a proposta de fazer coincidir a estrutura Região com o Município nas ilhas com um só Município, numa aparente fusão dum órgão existente com outro a criar.
Estamos em presença duma evidente mistura de conceitos que não se compreende muito bem.
Do ponto de vista politico é uma abordagem contrária à lógica de afirmação do Poder Local Autónomo , já existente e precursor da descentralização deste País.
O argumento é o de racionalizar estruturas, evitar interferências entre poderes no mesmo território.
Tal só se pode justificar pela ideia plasmada no estudo sobre descentralização de que , para haver estrutura supramunicipal, tem que haver mais que um Município, numa relação tipo causa/efeito.
Caricata a posição do PAICV ,em 2018 , basear as suas posições em estudo que enquanto Governo mandou realizar e de ter elaborado e publicado a lei de descentralização em Agosto de 2010 sem efeitos práticos..
E as Regiões Plano indicadas pela Lei nº 72/VIII/2014, de 19 de Dezembro não passaram do papel , qual canto de cisne do PAICV nesse sua luta interna entre a lógica centralizadora que praticava em contraste com o pulsar descentralizador que crescia nas ilhas condenadas à condição de periferia.
No actual entendimento pelo PAICV de que a Região , parece ser o elemento charneira na articulação das actuações da administração central e do poder local, sendo privilegiadas as suas funções de planeamento, coordenação e estímulo ao desenvolvimento económico ,não é compreensível a ideia de suprimir o poder local existente nas Ilhas de S.Vicente,Sal,Boavista,Maio e Brava.
Tal representa a meu ver um não adequado entendimento do papel que desempenha o Poder Local actualmente e do papel a desempenhar pelo Poder Regional no futuro .
O PAICV apresenta como critério de território para a região a ILHA. Chegados à Ilha de Santiago propõe duas regiões. As razões que objectivamente justificam tal opção continuam por se conhecer.
Para Santiago duas Regiões parece não se por a questão dos custos que o PAICV arvora como bandeira fundamental.
Parece esquecer-se que sendo Governo , o PAICV fez abordagens integradoras da ideia de Santiago como um todo, com realizações como Central Única de Electricidade,Empresa Aguas de Santiago e Aterro Sanitário de Santiago.
Será que a ideia claramente expendida pelo Dr.Manuel de Pina ,no Programa Em Debate da TCV de 19 de Abril, de que é uma questão de divisão do bolo, de recursos , tem acolhimento no PAICV ?
Dizia ele que, com o critério uma Ilha uma Região, o bolo será para repartir por 9, enquanto que se Santiago tiver duas Regiões será dividir o bolo por 10, cabendo nesse caso duas fatias para Santiago, ou seja, ficará com mais recursos.
Escusamos de vir aqui discorrer sobre os “problemas de integração” que esta divisão em duas regiões virá suscitar do ponto de vista prático ao exigir uma coordenação inter-regional para um território uno. Se calhar e dentro da lógica prevalecente, ainda se venha a criar mais uma Estrutura de coordenação supra regional para a Ilha de Santiago.
Estamos perante a evidente dificuldade de inserir Praia numa lógica de integração na Ilha de Santiago.
Para uma efectiva inclusão na Ilha de Santiago, a Praia não deve continuar a ser o Concelho de relativo desafogo circundado por Concelhos de pobreza.
Para Santiago ultrapassar a actual realidade duma cidade “mais desenvolvida “ e um campo “ mais atrasado” , para caminhar para uma complementaridade saudável que articule as realidades cidade/campo, meio urbano/meio rural ,só será possível considerando-a regionalmente como um todo .
A realidade urbana em Santiago poderá assim deixar de ser monopolar, com Praia com crescimento explosivo , para um cenário urbano multipolar na Ilha com Praia,Assomada,Pedra Badejo, Tarrafal ,realidade essa que atenuará e equilibrará o fluxo actualmente direcionado exclusivamente à Cidade da Praia ,com os problemas que ela acarreta.
Acabar-se-á de vez com o actual cenário da Praia concentrada nela e nos seus problemas, ignorando o resto da ILHA .Tal situação só tem conduzido à concentração de mais recursos mas também mais problemas que assumem dimensões cada vez mais gravosas.
Do mesmo modo a Regionalização enquanto componente potenciador do desabrochar afirmativo de cada Concelho poderá pela primeira vez permitir uma relacção de igual para igual dos diferentes concelhos de Santiago e a harmonização colectiva das prioridades da mesma Ilha .
Sair desta lógica “estruturalista” e assumir um papel determinante nestas e noutras questões poderá ser o grande desafio do PAICV no seu caminho da redenção que deverá trilhar.