Não é de hoje que Sal é notícia pelas piores razões. Assaltos à mão armada a turistas, a residências, estabelecimentos comerciais e até hotéis tornaram-se mais frequentes. Diante disso, vários operadores têm-se mostrado preocupados, dizendo que o problema de insegurança na ilha anda a ser “desvalorizado” pelo Governo. Em jogo está a imagem do principal destino turístico de Cabo Verde, a ilha Sal, mas também da Boa Vista, que juntas concentram uma grande fatia do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.
Um dos exemplos recentes é o caso ocorrido no passado dia 6 de Abril, quando um grupo de turistas checos foi assaltado, à mão armada, nas proximidades do Monte Leão. Um caso que levou esses visitantes a entrarem em confronto com o agressor, tendo este sido imobilizado pelos próprios turistas, depois da arma que possuía ter ficado encravada no momento de disparar. Enquanto a polícia estava a ser accionada, o meliante acabou por se soltar e fugir.
Na altura, em entrevista à Televisão de Cabo Verde (TCV), o agora ex-comandante regional da Polícia Nacional (PN) do Sal, Elias Silva, admitiu aquilo que, há muito, é o sentimento geral da população, dos grandes centros urbanos, ou seja, que geralmente os meliantes são pessoas já identificadas pela polícia, mas que devido à frouxidão das leis acabam por ficar impunes. “A lei cabo-verdiana é amiga das armas. Ter arma de fogo, ou ter armas brancas, no tribunal não vale praticamente nada, não há penalização que desincentive as pessoas a estar na posse de armas. Basta ver que as armas brancas nos tribunais são consideradas instrumentos de trabalho e isso não dá em nada”, disse Elias Silva, que na sequência dessas afirmações foi afastado do cargo.
Apoio ao ex-comandante
O afastamento de Elias Silva, das suas funções, está a ser visto com alguma perplexidade e estranheza pelos operadores do Sal ouvidos pelo A NAÇÃO. É o caso de José Luís Veloso, que no passado dia 12 de Abril, viu o seu minimercado, na Murdeira, assaltado por quatro encapuzados, armados com armas brancas, “com mais de 30 centímetros de lâmina” e gás pimenta.
“Devemos todos apoiar o comandante Elias Silva, que foi demitido das suas funções por dizer a verdade. Embora, a verdade não agrade a toda a gente. Tem que haver mais rigor, tem que haver mais polícias”, entende Veloso.
Quem também se mostra indignado com a situação de insegurança e falta de meios para combater a criminalidade na ilha é o conhecido empresário António “Patone” Lobo. Também ele considera que as leis não ajudam.
“As leis estão mal feitas. Estão feitas de tal maneira que beneficiam o infractor. É muito difícil prender uma pessoa. Os polícias, e toda a gente na ilha, sabem quem anda a roubar, mas senão for apanhado em flagrante delito fica difícil deter. Como não temos meios técnicos e científicos para os apanhar, e eles (os meliantes) sabem disso, fazem de tudo e mais alguma coisa e não lhes acontece nada”, condena.
“Sal invadido por delinquentes”
Aquele veterano do turismo no Sal lamenta o rumo das coisas na ilha, em termos de segurança. “O Sal foi invadido por delinquentes. Há quem diga que estão a dar-lhes caça em Santiago e São Vicente e que eles estão a fugir para o Sal. Mas não acredito nisso. Eles vêm para o Sal e para a Boa Vista porque estas duas ilhas juntas concentram o dobro do PIB das outras ilhas e eles vêm para aqui porque aqui é que há dinheiro”, explica.
Patone Lobo chama ainda a atenção para o facto de não se estar a dar o devido “valor ao turismo” dessas duas ilhas, e às implicações que o avanço da criminalidade pode impactar no desenvolvimento turístico das mesmas, levando a que os turistas fiquem confinados aos resorts “por medo”, o que acabará por prejudicar os negócios locais em Santa Maria, que vivem do turismo.
O empresário, que viu recentemente um dos quartos do seu hotel ser assaltado, em plena luz do dia, lamenta que a Polícia no Sal e, em especial, Santa Maria, tenha poucos efectivos e meios para combater a criminalidade. “Há tempos perguntei a alguém bem posicionado na polícia, quantos efectivos ele precisaria em Santa Maria para fazer um serviço de qualidade e essa pessoa disse-me: ‘sessenta efectivos’. Actualmente têm cerca de vinte, um terço daquilo que seria preciso. A maioria das viaturas estão avariadas e as motas também. Portanto, faltam meios de locomoção, meios científicos, faltam polícias suficientes; ora, assim, não há condições de combater o crime”, alerta. Na sua óptica, se não forem reforçadas a segurança e as leis, o quadro “só vai piorar”.
Mais patrulha
Também Carlos Santos, proprietário de uma agência de viagens, se mostra apreensivo com a insegurança no Sal. “Cabo Verde, neste caso o Sal, é um destino com grande concorrência e os relatos de insegurança que vêm a público nas redes sociais, na imprensa e até nos sites de booking, como é óbvio, acabam por afectar a imagem do nosso destino”, alerta.
Na sua óptica, para mitigar a situação é preciso adoptar a máxima de que para “problemas graves, medidas drásticas”. “É preciso ver os recursos que temos, porque quando se fala de problemas, fala-se sempre de orçamentos. Mas, na minha opinião, não é só uma questão de orçamento. É uma questão de decisões”.
E mais: “Quando vemos que temos forças armadas paradas, fechadas em casernas, sem fazerem nada (não estou a criticar, estou a constatar), e quando se fala de problemas graves como este da insegurança, acho que devíamos acionar o apoio das forças armadas para fazerem patrulha nos sítios mais recuados, menos visitados, onde ocorrem geralmente estes assaltos. Os locais mais propícios já estão identificados, como é o caso de assaltos repetidas na Serra Negra, portanto é altura de se tomar medidas”.
A agência de Carlos Santos tem, por norma, “sensibilizar” os turistas para os cuidados a terem em certas zonas do Sal, “como o deserto” ou “praias distantes sem ninguém”, mas não esconde que esse acto não deixa de ser “constrangedor”, pois, de certa forma, está-se a “alertar” os turistas para eventuais assaltos, mas que, apesar disso, é preciso tentar “diminuir os riscos”.
Mais efectivos
Quem também reivindica mais policiamento para Santa Maria é Américo Soares, proprietário de um restaurante no centro dessa vila. “O problema de Santa Maria é o policiamento, tem de ter mais polícia, no mínimo o dobro do que há neste momento. Mas têm de circular na rua. Na hora de ponta, à noite, sou capaz de passar horas, e horas, sem ver um polícia”, afirma.
O empresário adverte que a insegurança “prejudica” o país, pois ninguém vai onde se sente inseguro. “As pessoas saem cada vez menos dos hotéis porque são avisadas que podem ser assaltadas e preferem ficar no hotel e assim teremos dificuldade em sobreviver, como é lógico”.
Mesmo perante este cenário, Soares investiu recentemente na remodelação do seu restaurante, porque diz acreditar no país e no destino turístico, mas não esconde que “com essa onda de criminalidade” e “com as pessoas a serem assaltadas por tudo e por nada, minimercados, etc., nada disto não é bom para o turismo”. O sentimento de insegurança e a prevenção levaram-lhe a investir num sistema de videovigilância e alarme modernos. “Fizemos um investimento avultado nessa área porque a insegurança preocupa-nos bastante”, concluiu.
Silêncio da PN
Perante o quadro descrito, A NAÇÃO tentou ouvir o chefe de esquadra de Santa Maria, que se recusou a falar, remetendo-nos para o Comando de Espargos. Aqui, pedimos para falar com o novo comandante, João Teixeira, mas, na altura, foi-nos dito que ainda não se sabia “nada” sobre o início das suas funções. Com a demissão do subintentende Elias Silva ainda bem viva na memória de todos, ninguém se atreveu a falar, sequer em off, sobre a questão da insegurança na ilha do Sal.
Gisela Coelho
*Esta reportagem foi publicada no jornal impresso A NAÇÃO – edição nº555
Sal: Operadores turísticos inquietos com insegurança
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