Lucas Monteiro
A morna é um género musical plasmado de ternura e amor, mágoa e saudade, criado e vivenciado pelo próprio cabo-verdiano, agora candidata a Património Imaterial da Humanidade, por proposta do Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde à UNESCO, em Paris, França.
Provavelmente, o berço da morna é a ilha da Boa Vista, na afirmação do poeta e compositor Eugénio Tavares e, daquela parcela de Cabo Verde viajou alegre a bordo dos velhos faluchos de velas bambas, rumo às outras ilhas crioulas como fada-madrinha, mensageira e símbolo da morabeza, fraternidade e unidade dos cabo-verdianos, num tempo difícil e indeciso em que os crioulos nas ilhas, mal se conheciam uns aos outros.
A morna exprime os estados de alma do cabo-verdiano, ora imbuída de lirismo puro e belo, ora nostálgica e triste, mas também criativa e jocosa, sem perder qualidade e morabeza que se desenha na dança em que a sensibilidade artística e a elegância dos dançarinos falam mais alto, transcendem e reduzem pequenas veleidades proibidas, ganhando expressão e convicção para trilhar caminhos partilhados por outros povos e nações, de superação, sonho, evasão, sucesso e felicidade, mantendo a lealdade e firmeza de princípios, a fé e a saudade da ilha do seu coração.
A morna, a coladeira, o batuque e o funaná constituem a coluna dorsal da cultura musical compósita (elementos musicais rítmicos, poéticos e coreográficos) dos cabo-verdianos, transversal e permeável a todos os extratos da sociedade crioula, com larga abrangência cultural profunda, subjacente à língua cabo-verdiana, na qual se exprime e se manifesta o sentimento da cabo-verdianidade.
A morna e a língua crioula definem um dos padrões sociocultural identitários do cabo-verdiano, senão os mais emblemáticos, e impõem-se como prova da originalidade humana de Cabo Verde no contexto antropo-sociológico.
Morna, candidata a Património Imaterial da Humanidade, justifica-se pela sua enorme popularidade nas ilhas e na diáspora cabo-verdiana como titular principal da canção crioula e ainda pela sua larga audiência a nível internacional nas suas digressões pelos mais famosos palcos musicais do mundo, particularmente na Europa, em Paris, a capital da cultura europeia por excelência, onde recebeu as maiores honras de sempre, em Lisboa, Portugal, nos Estados Unidos da América, e noutras paragens do mundo artístico e cultural, cantada na voz maravilhosa de Cesária Évora, a Diva dos pés descalços, e de tantos outros cantores e músicos cabo-verdianos de grande talento.
Meus votos sinceros e anónimos à morna desde a sua largada da ilha da Boa Vista a bordo dos velhos faluchos de velas bambas navegando por entre as outras ilhas crioulas e depois pelas sete partidas do mundo como uma borboleta pousando de flor em flor, com fé e esperança para alcançar um dia as maiores honras e a dignidade de Património Imaterial da Humanidade.
Mindelo, 31 de Março de 2018.