César da Cruz*
O SNCRF (Sistema Nacional de Contabilidade e de Relato Financeiro), que entrou em vigor em Cabo Verde, em Janeiro de 1989, em substituição do PNC (Plano Nacional de Contabilidade), em vigor desde Janeiro de 1984, introduziu no relato financeiro das nossas empresas um indicador relativamente novo entre nós: o EBITDA.
Algum tempo atrás, em comentário num post do Dr. Paulino Dias no facebook, intitulado ‘Boa “Governação das empresas” aqui em Cabo Verde’, manifestei a minha constatação de que, apesar de amplamente referido nos relatórios de gestão das nossas empresas, na verdade esse conceito ainda não foi devidamente assimilado, o que se pode constatar facilmente num simples golpe de vista às Demonstrações de Resultados por Natureza, divulgadas por algumas dessas empresas. O Dr. Paulino Dias desafiou-me então a “desenvolver um pouco mais o conceito do EBITDA e como este é um indicador importante para se compreender o desempenho das empresas”, como forma de tornar o conceito inteligível para outros leitores da página dele, que “podem não estar familiarizados com o mesmo”. Assim, respondendo a esse desafio, começaria por perguntar,
O que é o EBITDA?
EBITDA é o acrónimo da expressão inglesa Earnings Before Interests, Taxes, Depreciations and Amortizations. É o equivalente em português a LAJIDA (Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciações e Amortizações), conquanto este seja pouco ou nada utilizado. Normalmente, utiliza-se o acrónimo em inglês, que se pronuncia,EBÍTIDA ou EBIDÁ.
Segundo Reinaldo Luiz Lunelli, Contabilista, auditor, consultor de empresas e professor universitário brasileiro, o EBITDA é um indicador financeiro bastante utilizado pelas empresas de capital aberto e pelos analistas de mercado, cujo conceito ainda não é bem claro para muitas pessoas. Segundo ele, o EBITDA representa, em linhas gerais, a geração operacional de caixa da companhia, ou seja, o quanto a empresa gera de recursos apenas em suas actividades operacionais, sem levar em consideração os efeitos financeiros e os impostos.
Já para Ariovaldo dos Santos, professor de contabilidade da Universidade de São Paulo, desde o começo dos anos 90, o Ebitda vem sendo cada vez mais utilizado na hora de analisar uma empresa. “O Ebitda mostra o potencial de geração de caixa de um negócio, pois indica quanto dinheiro é gerado pelos ativos operacionais”,
Qual e a importância do EBITDA?
Para Reinaldo Luiz Lunell, o indicador pode ser utilizado na análise da origem dos resultados das empresas e, por eliminar os efeitos financeiros e decisões contábeis, pode medir com mais precisão a produtividade e a eficiência do negócio.
Além disso, a variação do indicador de um ano em relação ao outro mostra aos investidores se uma empresa conseguiu ser mais eficiente ou aumentar a sua produtividade.
Segundo Haroldo Mota, gerente financeiro e de planeamento da TIM Maxitel, empresa de telefonia celular da banda B de Minas Gerais no Brasil: “No começo dos anos 90, quem fizesse uma palestra sobre a empresa e falasse de Ebitda não seria entendido por ninguém. Hoje ocorre o contrário, se você não falar do Ebitda é que ninguém vai entender.”
Com efeito, para além de evidenciar o potencial de geração de caixa pelos activos da empresa, o EBITDA é o principal indicador de desempenho operacional das empresas e um importante indicador para os decisores de investimento porque permite:
1 – Comparar a evolução da empresa e a sua projecção futura;
2 – Comparar o desempenho operacional da empresa com outras empresas do país;
3 – Comparar o desempenho operacional de empresas de países diferentes.
Isso porque, ao se excluir dos resultados líquidos da empresa, as Depreciações e Amortizações, os Encargos de Endividamento Líquido e os Impostos Sobre os Lucros, afastam-se as componentes mais variáveis e subjectivas desses resultados:
1 – Depreciações e amortizações
Os limites máximos e mínimos das respectivas taxas veriam de país para país e, dentro do mesmo país, a legislação fiscal pode permitir adoptar taxas diversas, dentro do intervalo das taxas máximas e das taxas mínimas. Em Cabo Verde, a taxa máxima é a que resulta do dobro do limite mínimo de anos de vida útil esperados para cada grupo de activos. Quer dizer que um activo depreciável num mínimo de 5 anos, pode ser depreciado em qualquer número de anos, no intervalo entre 5 e 10 anos. Para além disso pode-se adoptar métodos completamente díspares como o método linear (taxas constantes), o método progressivo (taxas que vão aumentando ano a ano, sendo a mais alta a do último ano) e o método digressivo (taxas que vão diminuindo ano a ano, sendo a do último ano a mais baixa). Assim os resultados líquidos de uma empresa podem assumir valores diversos, consoante as taxas e os métodos de depreciações e amortizações que forem utilizados.
2 – Juros e gastos similares (encargos de endividamento líquido)
Os juros representam os gastos com a remuneração de capital alheio investido na empresa sob a forma de empréstimos. Os juros terão um peso maior ou menor nos resultados, consoante as taxas praticadas em cada mercado e à negociação empresa a empresa. Para além disso, umas podem recorrer a financiamento e outras não, e nuns anos mais do que noutros. Assim, de duas empresas com características idênticas, uma com resultados líquidos muito inferiores à outra, pode ter um muito maior desempenho operacional.
3 – Impostos (sobre os lucros)
Os impostos sobre os lucros dependem da política fiscal de cada país, podendo por isso variar muito. Para além disso, mesmo dentro do mesmo país, as taxas podem variar grandemente, de empresa para empresa, em função das políticas de incentivos fiscais adoptadas, conjunturalmente pelos governos. Em Cabo Verde, a taxa máxima do imposto sobre o lucro das empresas é de 25,5% (IRPC + Imposto de incêndio, sem contar com a tributação autónoma – imposto sobre a despesa). As taxas de IRPC variam de 0% , 2.5%, 3,5%, 3,75%, 5%,… 12,5% a 25%, consoante os diversos incentivos constantes no Código de Benefícios Fiscais.
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Diversos rácios de desempenho operacional das empresas são calculados a partir do EBITDA. É lugar-comum dizer-se que, se se partir de premissas falsas chega-se naturalmente a conclusões falsas. Isso quer dizer que, se se utilizar um valor errado do ABITDA, todos os rácios que se construam com base nesse indicador estarão errados. Então,
Como calcular o EBITDA?
Não há necessidade nenhuma de se calcular o EBITDA pois este já consta na Demonstração de Resultados por Natureza, na rubrica “Resultado antes de Depreciações e Amortizações, Juros e Impostos. Só faltava escrever, entres parêntesis, ( = EBITDA). Ver Fig 1 . De todo o modo, pode-se dizer que, num processo de operação inversa, se obtém o EBITDA adicionando ao Resultado Líquido, os Impostos sobre os Lucros, os Encargos de Endividamento Líquidos e as Depreciações e Amortizações.
Qual é, então, o problema com o EBITDA?
Na verdade, o problema resulta da deficiente assimilação dos novos conceitos introduzidos pelo SNCRF, e na consequente errada divulgação dos Juros e Rendimentos Similares Obtidos, no mapa de Demonstração dos Resultados por Natureza. Com efeito, após o apuramento dos Resultados Operacionais (EBIT – Earning Before Interests and Tax), as duas linhas seguintes da DRN pretendem apurar os “Gastos de Endividamento Líquido” da empresa:
1)Juros e rendimentos similares obtidos (+)
2)Juros e gastos similares suportados (-)
Na linha 1) divulga-se os juros obtidos (e/ou diferença de câmbio favoráveis, sobre empréstimos obtidos), relacionados com aplicações temporárias de financiamentos obtidos, cujos juros suportados são divulgados na linha 2)(Onde se divulga também as diferenças de câmbio desfavoráveis, resultantes de empréstimos obtidos). Ou seja, p.e., recebe-se a primeira tranche de um empréstimo no montante de 100.000 u.m., que vai ser utilizado da forma gradual, ao longo de seis meses. Em vez de se deixar todo esse montante na conta Depósitos à Ordem, ele é colocado em contas de Depósitos a Prazo (depósitos de rendimento de curto prazo), com vencimentos a 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias, sendo mobilizados mensalmente para aplicação no investimento em curso. Esses juros obtidos vão subtrair-se aos juros suportados, obtendo-se assim os “Encargos de Endividamento Líquido”, ou seja, os juros suportados, menos os juros obtidos, relacionados com um mesmo financiamento.
Os juros de aplicações de tesouraria (juros de depósitos a prazo e juros de empréstimos concedidos) são reconhecidos na rubrica “Outros Rendimentos e Ganhos”, portanto, incluídos nos Resultados Operacionais. Não se pode, pois, divulgar na Demonstração de Resultas por Natureza, “Juros e Ganhos Similares Obtidos” quando não se obteve nenhum empréstimo e, consequentemente, não se divulga “Juros e Perdas similares suportados”.
Contrariamente ao revogado PNC – Plano Nacional de Contabilidade, que segmentava os resultados da empresa em Resultados Correntes, Resultados Extraordinários, Resultados Financeiros e Resultados de Exercícios Anteriores, o SNCRF apresenta uma concepção holística dos resultados, ou seja, os resultados da empresa são vistos como um todo, isolando-se apenas os encargos líquidos de endividamento, sendo todo o resto Resultado Operacional. À luz da nova filosofia introduzida pelo SNCRF, todo o activo da empresa é operacional, incluindo os meios monetários. O que se pode (e deve) fazer, para efeitos de análise, é a desagregação dos Resultados Operacionais em Resultados de Operações Básicas e Resultados de Operações Acessórias.
Não faz sentido, pois, as empresas relatarem Resultados Financeiros, deduzindo aos Juros e Rendimentos Similares Obtidos os Juros e Encargos Similares Suportados.
Como é evidente, ao se divulgar juros obtidos, que nada têm a ver com rendimentos de financiamentos obtidos, na rubrica Juros e Rendimentos Similares Obtidos, quando deveriam ser incluídos no Resultado Operacional, em Outros Rendimentos e Ganhos, está-se a falsear o EBITDA e logicamente todos os rácios que se calculem a partir deste indicador.
Concluindo, se a importância do EBITDA reside em tantos elementos como: permitir avaliar o desempenho operacional das empresas; analisar a sua evolução e fazer a sua projecção no futuro; ser um elemento de comparação do desemprenho entre empresas e ser um indicador importante para a avaliação da decisão de investimento; se o conceito não for devidamente assimilado, tomando-se um valor errado, todas as análises que se façam e decisões que se tomem, com base nesse indicador, estarão necessariamente erradas.
Para se contornar esta e outras questões, talvez seja já tempo de se operacionalizar a Comissão de Normalização Contabilística. Com efeito, nove anos decorridos sobre a entrada em vigor do SNCRF, ainda não se respeita na íntegra as normas instituídas para a divulgação da informação financeira, havendo ainda quem divulgue no mapa do Balanço as rubricas Activos Fixos Tangíveis e Activos Intangíveis “em curso” e “Pessoal”, como no revogado PNC. E o pior é que isso se passa com grandes empresas, que deviam servir de modelo. Fica-se na dúvida se, afinal, ainda não assimilaram os conceitos, ou se se acham tão grandes que se podem permitir não respeitar as normas de divulgação do SNCRF, criando as suas próprias normas.
Mindelo, 21/04/2018
*Contabilista Certificado 0016
Fontes:
https://exame.abril.com.br/revista-exame/para-que-serve-o-ebitda-m0052337/
http://www.noaxima.com/2011/09/02/juros-rendimentos/
Manual do SNCRF – Sistema Nacional de Contabilidade e de Relato Financeiro