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Opinião

Em maré de retrospectiva

Filinto Elísio
1. Da retrospetiva política, até para remar contra a maré (posto que os nossos comentaristas pensam que o País seja primado da política), as minhas notas são parcas. Não sendo neutro (em absolutamente nada), tento ser isento (em absolutamente tudo). A ver…
2. Direi apenas que a situação e a oposição mantiveram-se abaixo das expectativas da maioria dos cabo-verdianos, num ano em que se comemorou os 25 anos da Constituição, faltou “a chuva amiga” e acionou-se a solidariedade internacional (o Programa de Mitigação dos Efeitos da Seca e do Mau Ano Agrícola, conseguiu mobilizar 10 milhões de euros) , assinou-se o ‘Status Of Forces Agreement’ (SOFA) com os EUA,  avançou-se para o alargamento da parceria especial com a União Europeia, perdeu-se a “vez” da presidência da CEDEAO e remodelou-se o Governo (que se tornou mais “gordo”, vinte meses depois de ter sido muito mais “enxuto”).
3. O Parlamento não deixou grandes marcas, nem grandes saudades, ainda nesta IX Legislatura e continua-se a falar, sem realizar, o húmus da reforma parlamentar. Já as prestações parlamentares, salvas raras exceções, não traduzem a maturidade da classe política cabo-verdiano e conotam a necessidade de um terceiro grande partido parlamentar que tarda. A Presidência da República ficou este ano marcada pela Magistratura Cultural e do Conhecimento, com a campanha pela Leitura, os lançamentos de livros e as conferencias, com destaque pelo encontro sobre os 100 Anos da Revolução de Outubro.
4. Uma boa nova é que Cabo Verde continua a ser bem cotada no índex da Democracia e, ainda que uns e outros não valorizem devidamente este aspeto, constitui uma graça incomensurável sermos o país “mais democrático” da África. Outra boa nova (contrariando alguma tendência turva da política externa) foi o voto de Cabo Verde na Assembleia-Geral da ONU sobre o dossier de Jerusalém.
5. O ano económico teve altos e baixos. Os transportes aéreos (com a BINTER.CV a monopolizar o mercado doméstico e a TACV Internacional a não fazer as demais ilhas para além do Sal, pensado como Hub Aéreo, e a própria parceria com a Icelandair Loftleider Icelandic) entraram numa nova fase. Confesso que não tenho todos os dados para a análise, porque estes andam parcos e nada públicos, a que nos possa levar a inferir bondade (ou não) às medidas tomadas. E a pergunta que fica no ar é a que custos e a que preços a reconversão da política dos transportes aéreos.
6. Os transportes marítimos, outro calcanhar de Aquiles, dão sinais de estruturação e de normalizar as ligações inter-ilhas, mas ainda é cedo para se concluir que a questão dos transportes de passageiros e cargas por via marítima esteja já solucionada.
7. O turismo manteve-se em alta e foi o sector de longe com mais investimento externo. A expansão hoteleira no Sal e na Boa Vista, assim como na ilha de Santiago, São Vicente e no Maio, revela que o Turismo é o motor mais bem oleado da economia cabo-verdiana. O complexo turístico, localizado na baía da Praia (Gamboa e Ilhéu de Santa Maria), maior investimento turístico realizado até agora em Cabo Verde e orçado em mais de 250 milhões de euros, promete reconfigurar o turismo nacional com novas ofertas e outros segmentos.
8. Entrementes, a prestação de serviço internacional não cresceu de forma significativa, nem a remessa da emigração apontou boa perspetiva, estando o endividamento interno e externo nos píncaros da lua. Houve um esforço de restituir a confiança à iniciativa privada e de inscrição de uma dinâmica no mercado, mas alguns sinais contraditórios (uns liberalizantes, outros monopolistas), que não fazem jus à nossa pertença à Organização Mundial do Comércio, não abonaram totalmente a confiança à livre iniciativa, algo como absolutamente necessária.
9. Outrossim, mantiveram-se altíssimos os tais custos de fatores (água, transporte, eletricidade e comunicações) que atrapalham o ambiente de negócios. No relatório do Doing Business de 2018,  Cabo Verde ocupa o 127.º lugar (em 180 países) e no índice Global de Competitividade, estamos na posição 110 (em 139 países). O destaque positivo vai para a realização do IV Fórum Mundial de Desenvolvimento Económico Local, com delegados oriundos de mais de 80 países. A elevação de Cabo Verde no Índice de Desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (IDI) deixou o país bem na foto-família do Continente Africano.
10. É no aspeto social que o país, em 2017, se manteve mais problemático. Em janeiro, Cabo Verde foi distinguido pela Aliança de Líderes Africanos contra a Malária (ALMA) com o prémio Excelência 2017, pelos resultados no combate à doença, mas ao ,meio do ano, veio o surto da malária, com um número recorde de 430 casos. Os manuais escolares com erros levou à demissão da diretora Nacional da Educação e à retirada dos livros do mercado. Um caso quase caricato. Falou-se o mesmo da edição da Constituição, mas a história foi mal contava e houve outros quinhentos. Crise? Em verdade, a retoma do crescimento (agora em torno dos 4% do PIB, mas ainda aquém do projetado) não conseguiu este ano desencravar as bolsas do desemprego e da pobreza, nem ajudou à mudança estrutural da desigualdade e da criminalidade. Todavia, há uma percepção de crise transitória, considerando as reformas económicas em curso e a revisão em alta do BCV sobre a dinâmica observada até o final do primeiro semestre.
11. Na cultura, realizou-se o primeiro festival literário, o Festival de Literatura-Mundo do Sal e a primeira festa do livro Morabeza, e o Festival Mindelact deste ano foi considerado “o melhor de sempre. As editoras Pedro Cardoso e Rosa de Porcelana foram as mais marcantes e mudaram o paradigma das publicações no país. O TEDEX Praia foi um grande evento internacional, colocando a capital no mapa mundial, como já faz o Kriol Jazz Festival. E no desporto, o falhanço da seleção nacional no apuramento para o Mundial 2018, num ano em que Mário Semedo voltou à presidência da Federação Cabo-verdiana de Futebol (FCF).
12. E vem daí o Ao Novo e que seja próspero para todos. Cabo Verde vai assumir a presidência da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) 2018- 2020 (aqui sim a rotatividade vai funcionar, espera-se) e realizar a XII conferência de chefes de Estado e de Governo lusófonos. O país quer uma presidência marcada pela cultural, com a criação de um mercado lusófono de arte e cultura. A ver se funciona. E fique aqui o apelo a todos para que funcione.

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