Os sobreviventes e familiares das vítimas do naufrágio, há um ano, do navio Vicente, um dos mais trágicos nos mares de Cabo Verde, continuam a viver em situação precária e ameaçam processar o Estado e o armador.
A informação foi avançada à agência Lusa por Cirílo Cidário, porta-voz dos familiares das vítimas do naufrágio ocorrido a 08 de janeiro de 2015 e que provocou 15 mortos.
“O Estado é um dos principais responsáveis pelo acidente, tendo em conta que é responsável pelas pessoas que estavam a trabalhar na altura e que não fizeram nada para o evitar. O Estado deveria ter tomado outra posição”, disse Cirílo Cidário, lembrando que num país arquipelágico como Cabo Verde qualquer um está sujeito a sofrer um acidente marítimo.
“O que pedimos ao Estado de Cabo Verde é que ponha a mão na consciência e assuma as suas responsabilidades apoiando os familiares que estão a viver em situações precárias”, apelou Cirílo Cidário, adiantando que até agora não teve qualquer contacto oficial nem com o Estado nem com o armador do navio.
O Vicente afundou-se a quatro milhas do porto de Vale dos Cavaleiros, ilha do Fogo, com 26 pessoas a bordo, entre membros da tripulação e passageiros.
Na altura, 11 pessoas foram resgatadas com vida, bem como o corpo de um membro da tripulação, mas as outras 14 pessoas continuam desaparecidas.
Cirílo Cidário adiantou à Lusa que os familiares estão apenas à espera das certidões de óbito, que deveriam ter sido emitidas em dezembro, para o advogado poder avançar com ações contra o Estado e contra o armador do navio.
O porta-voz esclareceu que a lei diz que em casos de pessoas desaparecidas as certidões só podem ser emitidas 10 anos depois do ocorrido, mas houve o entendimento de que no caso do naufrágio, tendo em conta a situação e os testemunhos de sobreviventes, as certidões seriam emitidas antes.
Dois inquéritos tornados públicos em abril pela Agência Marítima Portuária (AMP) cabo-verdiana, um deles realizado pelo Gabinete para a Prevenção e Investigação de Acidentes Marítimos (GPIAM) de Portugal, indicaram que a “negligência grosseira” do comandante, a sobrecarga, a declaração errada da quantidade de carga e de passageiros e a deficiente atuação das autoridades na inspeção antes da partida da embarcação do porto da Praia foram as principais causas do naufrágio.
Quanto ao armador, Cirílo Cidário pediu que seja “solidariamente responsável”, já que também não cumpriu com as suas obrigações, uma vez que não tinha a vistoria do navio e o seguro obrigatório em ordem.
Em declarações ao jornal Notícias do Norte, Aricson Fonseca, tripulante e sobrevivente do naufrágio, lembrou que alertou o capitão que o navio estava sobrecarregado.
Em declarações à Lusa, o armador do navio Vicente, o francês Gérard Ascher, reconheceu a situação difícil dos familiares e sobreviventes, mas esclareceu que está à espera da seguradora e do Governo para poder pagar “alguma coisa” aos passageiros e trabalhadores.
Para assinalar o primeiro ano do naufrágio, os familiares e sobreviventes realizam na sexta-feira uma marcha e uma atividade cultural na ilha de São Vicente em memória das vítimas.
Fonte: Lusa