Paulo Mendes
1. Ao falar do ano 2015 sobre as migrações é obrigatório colocar em cima da mesa a maior crise dos refugiados que a Europa teve de enfrentar desde a II Guerra Mundial, bem como os atentados de Paris. Esses dois acontecimentos estão a ter um impacto forte no campo político e público em relação às migrações e, em última instância, têm reflexos em todo o processo de integração das comunidades de imigrantes e na própria diáspora cabo-verdiana. O mundo moderno tem uma contradição – fascinante e dramática – a que chamo “a normalização da desgraça”. Isso significa, mesmo sabendo em tempo real que uma desgraça está a ter lugar num determinado espaço geográfico, acabando por motivos vários acontecer de forma sucessiva, no final do dia acabamos por conviver de forma normal com fenómenos que não são expectáveis que aconteçam, entrando num sistema de “ normalização de desgraça”. Esta “normalização de desgraça” criando uma falsa perceção de que não existem outras alternativas e/ou que estas coisas acontecem por tinham de acontecer e, por consequência, não há nada a fazer. Vamos aos números: Apenas, em 2015, a Europa recebeu mais de 1 milhão de refugiados; apenas este ano 3600 pessoas (incluindo crianças) morreram afogadas ao tentarem chegar aos diferentes países europeus. Vou repetir: apenas este ano: são 9 boeings 747 completamente lotados que explodiram em pleno voo. A diferença é que esses aviões tinham no seio interior homens, mulheres e crianças que vieram da África, fugindo da guerra e da morte. Normalizamos uma desgraça e isso deveria envergonhar a todos nós, que no conforto da nossa casa estaremos, por ventura, a colocar um “gosto” numa das muitas fotografias de um desses refugiados. Deveria envergonhar os governantes de países de ondem de são originários os refugiados que fazem tudo, menos proteger os seus concidadãos; deveria envergonhar os políticos europeus que relativizam a vida humana e não conseguem encontrar uma solução rápida para uma questão que, sendo complexa, não é compatível com um marasmo a nível de ação. A consequência do quadro acima descrito, tem permitido – sobretudo no norte da europa – a emergência e consolidação de partidos políticos de extrema-direita que, com base num discurso xenófobo, tendem a ruir os alicerces fundamentais de uma sociedade moderna: a liberdade e a diversidade enquanto patamares de desenvolvimento e da coesão social;
2. Escrevo este artigo a partir de Brockton e reforço a minha ideia de que a nossa diáspora continua, infelizmente, a marcar passos e não ter um lobby forte e organizado nos países de origem, ora por falta de uma política estratégica nesse sentido ora pelas próprias debilidades da nossa comunidade. Face ao peso que a comunidade cabo-verdiana tem, por exemplo, em Brockton, já não seria altura de ter mayor originário ou descendente de cabo-veriadiano. Portugal tem hoje um membro do governo originário de Angola, a ministra da Justiça. Fiquei muito satisfeito com esta escolha. Porém, a comunidade cabo-verdiana é a mais numerosa e a mais antiga e já deveríamos ter personalidades com poder real na sociedade portuguesa. Podemos ver a questão por um prisma mais abrangente e dizer que, no campo da participação social e política é necessária uma visão mais arrojada no sentido de dotar a nossa diáspora de mais competências e ferramentas, chamando de resto a atenção para uma maior interferência da nossa diáspora nas sociedades de acolhimento. Já escrevi isso em outras ocasiões e volto a frisar: s é necessário uma rutura na forma como Cabo Verde lida com a sua diáspora, convocando de forma organizada e de forma estratégica no processo de desenvolvimento.
3. Se tiveram a oportunidade de fazerem uma reunião com os emigrantes cabo-verdianos e lhes pedir que indicassem o que mudaria a nível de políticas públicas para a diáspora, invariavelmente, os TACV e o custo elevado das tarifas aéreas são referidos em primeiro lugar. A TACV já não é, infelizmente, um valor acrescentado, nem para o país nem para a diáspora. Nos que dias que correm o negócio de aviação alterou-se substancialmente e a mobilidade é uma necessidade e não um luxo, sendo uma verdade cristalina que os TACV não se adaptou à esta nova realidade. Hoje, viajo de Ponta Delgada para Londres por 39 euros (4 horas de voo) e a partir de 15 euros para Lisboa ( 2 horas). Pessoalmente, estou a borrifar-me para a companhia de bandeira. Quero viajar, pagando o menos possível e com segurança. A minha posição é esta: dividia os TACV em duas empresas: uma para garantir os voos inter-ilhas e uma outra para os voos internacionais e, ao mesmo tempo, que liberalizava as ligações de Cabo Verde com exterior, a começar com Portugal. Para os mais incrédulos convida a explorarem melhor a realidade açoriana que, depois de anos a discutir a liberalização, num espaço de um ano após a concretização desta medida, o turismo aumentou 30%.
4. Aproveito para desejar a todos um feliz ano de 2016 e sejamos capazes de colocar sempre, em primeiro lugar, a dignidade humana.