O constitucionalista Wladimir Brito (WB) defende a adopção, em Cabo Verde, de um sistema eleitoral uninominal, de 11 deputados, por forma a permitir a candidatura de “grupos de cidadãos” à Assembleia Nacional. Para WB, uma tal abertura é “condição imprescindível para o aprofundamento da democracia e da participação cívica”, atenuando com isso a excessiva “partidocracia” entre nós.
Wladimir Brito fez tal pronunciamento, há dias, em Lisboa, durante uma conferência na Associação Cabo-verdiana, alusiva aos 40 anos da independência de Cabo Verde. Conforme alertou, “o actual sistema político ameaça bloquear o aprofundamento da democracia e a institucionalização da pluralidade de opiniões” em favor dos dois principais partidos políticos, o PAICV e o MpD.
WB entende, como crucial, a alteração do actual sistema eleitoral cabo-verdiano, abrindo-o a grupos de cidadãos, na hora de eleger deputados ao Parlamento, um exclusivo dos partidos políticos, conforme o artigo 340.º do Código Eleitoral, cuja revisão defende. Uma tal mudança passaria a “permitir a candidatura de cidadãos independentes à Assembleia Nacional consagrando para o efeito uma norma em tudo igual à do artigo 425.º” do mesmo “Código Eleitoral”, que permite grupos de cidadãos disputar o poder a nível autárquico.
CÍRCULOS UNINOMINAIS
Na mesma senda, WB propõe, passo seguinte, a adopção em Cabo Verde de círculos uninominais, num total de 11 deputados, repartidos dois por Santiago e os restantes nove pelas restantes ilhas do arquipélago. “Nesses círculos, os candidatos devem ser propostos por cidadãos ou por partidos, pelo que cada partido (ou movimento), ou grupos de cidadãos apresenta nesses círculos apenas um candidato e só um deles é eleito. A existência desses círculos contribui para a personalização do candidato eleito”.
Na prática, aquele constitucionalista diz ser a favor também do chamado “sistema misto”, ou seja, “proporcional em círculos eleitorais que cubram o território nacional e o estrangeiro, nos termos definidos no Código Eleitoral, e em círculos uninominais que poderiam ter a mesma dimensão geográfica dos actuais círculos eleitorais – que, como se sabe, nos termos do artigo 406.º do Código Eleitoral, correspondem à ilha, excepto em Santiago”. E porquê?
“Em minha opinião”, responde, “nesses círculos uninominais só deveriam concorrer cidadãos propostos por um número mínimo de cidadãos eleitores, estabelecido com base no número total de eleitores recenseados no círculo, podendo ou não ser apoiados (mas nunca propostos, realce-se) por partidos, elegendo-se o candidato que obtivesse o maior número de votos”.
Com isso, “em cada ilha teríamos candidatos a deputados propostos em listas partidárias ou de cidadãos independentes e eleitos com base no princípio da representação proporcional, tal como acontece actualmente, e candidatos proposto por exclusivamente cidadãos e eleitos individualmente com base no princípio de representação maioritária”.
VANTAGENS
Para WB, em países como Cabo Verde, “a introdução de círculos uninominais em cada ilha ao lado do sistema proporcional, teria a vantagem de permitir que a personalização do deputado proposto exclusivamente pelos cidadãos da circunscrição eleitoral uninominal e eleito por esse seu círculo levasse esse deputado a sentir-se mais responsabilizado na defesa da sua ilha”.
Isso, claramente, “sem prejuízo de existirem deputados eleitos pelos demais círculos em sistema proporcional que teriam de conjugar aquela preocupação pela ilha e pela defesa dos seus interesses específicos com a preocupação pelo todo, isto é, pelo interesse nacional e pela articulação do interesse pela ilha com o nacional”.
Em tom de conclusão, WB deixa claro que “a forma de regime é constrangida pelo sistema eleitoral”, porquanto esse sistema “favorece a perpetuação representativa a dois partidos, potencia o poder das nomenclaturas partidárias, que assim se confundem com o sistema político”, o que, por sua vez, “gera inconsequente crispação institucional, que desacredita ou impedem novas formas de representação do cidadão no quadro da democracia representativa e esmorece a vontade de participar por não se sentir verdadeiramente representado”.
DEBATE LANÇADO
De referir que não é de hoje que o sistema de governo e, por arrastamento, o sistema eleitoral, em Cabo Verde, é questionado por cidadãos vários. Estes queixam-se, no geral, do excessivo domínio dos partidos políticos na sociedade, fenómeno propício a criar problemas e vícios, desde logo, por se distanciar dos cidadãos/eleitores.
Ainda recentemente, na revista Vozes das Ilhas, vários cidadãos – entre eles Odete Pinheiro e António Pedro Silva – questionaram, precisamente, um tal sistema político. De forma categórica, segundo o presidente da ADECO, o modelo em vigor em Cabo Verde tem estado a gerar a centralização e o centralismo, “emanações ou instrumentos de corrupção, de ditadura”, daí defender a alteração do “sistema de votação em Cabo Verde”.
Wladimir Brito entende, da sua parte, que nunca é de mais debater este tipo de questões, em prol do “aprofundamento da democracia”. Entende também que a adopção do sistema uninominal acabaria com a necessidade de se criar uma segunda câmara no Parlamento, uma vez que aos onze deputados caberia a defesa exclusiva dos interesses das respectivas ilhas ou círculos, num quadro fora do “colecte” partidário como acontece até aqui.
A três meses do início do próximo ciclo eleitoral, o debate fica, desde já, lançado para os partidos ou os cidadãos se pronunciarem, na certeza de que em política não há modelos perfeitos.