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Opinião

PDM da Praia – Um problema de ética e de crime territorial e urbanístico

Carlos “Calicas” Tavares*
O Plano Director Municipal (PDM) é o instrumento mais importante de planeamento e ordenamento do território a nível municipal, através do qual: indica-se a melhor localização para as habitações, escolas, parques verdes, áreas para o comércio, indústria; turismo, áreas urbanas a recuperar, a urbanizar, como resolver os problemas, como salvaguardar os recursos, fazer o aproveitamento das potencialidades, visando a organização e harmonia do território e melhoria da qualidade de vida das pessoas. O propósito do PDM é evitar o caos, a desordem e a indisciplina, mas também estimular a coesão, a inclusão, a competitividade e o desenvolvimento.
É incompreensível e inaceitável que um município da importância da Praia, sede de capital do país, caso paradigmático de diversos problemas urbanos de Cabo Verde a todos os níveis, até agora ainda não tenha um Plano Director Municipal (PDM) eficaz, este instrumento tão importante para a gestão do solo, governação e sustentabilidade local. A triste realidade é que o processo de conclusão do PDM para torna-lo um plano de referência e juridicamente eficaz, tem sido sempre bloqueado, amputado ou adiado, com intromissões políticas indevidas e há mais de 14 anos que está-se a tentar aprovar um PDM para a Praia. Isto é claramente um problema de ética e de crime territorial e urbanístico!
Esta ausência do PDM no maior município do país não serve os cidadãos nem a Praia. Por muito que os diferentes intervenientes se esforcem, vitimizem e entrem em lamúrias, quem continua a pagar a fatura é a população. Será que temos de resignar-nos a uma impotência definitiva da acção pública sobre o município nesta matéria? Será que as pessoas que têm dirigido política e tecnicamente o município ou que têm responsabilidades nesta matéria têm dificuldade em compreender a importância do PDM no contexto do desenvolvimento urbano e municipal, aliado a um entendimento do que é o PDM? Porquê que a entidade central usa malabarismos para dar cobertura ao incumprimento das fases processuais da elaboração do PDM? Porquê que a entidade central que tutela o sector tem sido conivente com esta situação, quando a lei é clara sobre as penalizações pela não elaboração do PDM?
Por outro lado, temos que questionar se não será propositado o “bloqueio” de conclusão do PDM da Praia? Isto porque a sua inexistência dá espaços para arbitrariedades ao sabor das sensibilidades, permitindo em muitos casos mercenários prestar vassalagem a “lobbies” e lobos de influência contraditória, sobretudo em questões que tem a ver com prestação de serviços, licenciamentos e distribuição de solos, com incalculáveis danos para o erário público, num contexto em que uns são favorecidos e outros excluídos ou discriminados.
E na ausência de plano e de uma política de solos com função social que sirva as necessidades actuais e futuras, os mais sacrificados são as pessoas mais pobres ou sem rede de influência que são empurradas para o esconderijo ou a clandestinidade. E depois estranha-se o alastramento como manchas de azeite de áreas espontâneas ou ilegais cinzentas e subequipadas. Nos últimos 22 anos a área informal da praia já aumentou mais de 120% com enormes prejuízos para o ordenamento da cidade e para a qualidade de vida dos cidadãos. Cada dia surge um novo bairro improvisado no meio da urgência de quem foi impedido de ter direito à cidade devido à incapacidade das autoridades municipais e à existência de um mercado imobiliário caro e imperfeito, que favorece os mais poderosos e afortunados. É esta a realidade violenta que condena os mais desfavorecidos a viverem escondidos como caçadores furtivos em áreas inadequadas ou de riscos, onde a qualidade de vida é quase sempre uma miragem.
O território é sempre um recurso escasso. Num país onde terrenos não abundam e atendendo ao facto de não poderem ser reproduzidos como barras de chocolate, duplicados como chaves ou estendidos como elásticos é fundamental que decisões sobre a afetação do solo sejam éticas e ancorados em planos e não ficar dependente de decisões arbitrárias. É urgente a institucionalização formal e através do código penal de crimes urbanísticos para que haja responsabilização individual ou colectiva pelos danos colectivos causados nesta matéria.
No planeamento do território municipal, vontades individuais avulsas não podem se sobrepor ao sentido cívico de satisfazer o bem colectivo, ao direito e usufruto público dos munícipes poderem dispor de um plano estável a longo prazo, credível e merecedor de confiança e que todos têm de obedecer, seja entidade administrativa reguladora ou cidadão, onde deferimento e indeferimento de licenciamentos seja advogado e justificado em um PDM real e eficaz e não fictício ou imaginário.
O facto é que o Plano Director Municipal (PDM) tal como giza a Lei de Bases do Ordenamento do Território e Planeamento Urbanístico é um instrumento de planeamento de elaboração obrigatória. Não há outro caminho. É necessário que o PDM seja efectivamente concluído nos termos legais para que cada cidadão seja ele mesmo um fiscalizador da sua implementação. E todos esperam que as opções que vierem a ser aprovadas no PDM da Praia representem de forma inequívoca a defesa do interesse público, seja pela garantia da condição social do solo, do acesso à habitação, aos equipamentos públicos, praças, etc. No contexto de um urbanismo de fortes pressões e de negociatas, trata-se sem dúvida de um desafio, mas absolutamente um dever.
*Geógrafo, Doutorado em Planeamento e Ordenamento do Território

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