Gabriel Delgado
A indústria dos media é hoje marcada por profundas reconfigurações, resultantes dos avanços nas telecomunicações e na tecnologia digital nas ultimas três décadas. Neste tempo que Geovani Sartori chama de “idade multimédia”1, a organização das empresas e os jornalistas são desafiados a se realinharem de acordo com mudanças tecnológicas nas áreas da captação, produção, distribuição e acesso aos conteúdos.
O conceito definidor deste novo paradigma é convergência2, um processo que afecta o sector nas vertentes tecnológica, empresarial, profissional e nos conteúdos.
Hoje nos media as tecnologias digitais substituíram as analógicas na pesquisa, captação, produção, difusão, suportes de consumo e armazenamento, ao mesmo tempo que se regista um processo de confluência entre as tecnologias específicas de cada meio. Está-se perante um novo ecossistema mediático3, ou uma mediamorfose4 em que se pode ver televisão num telemóvel ou ler um diário que inclui áudio e vídeo.
O tempo em que uma empresa distribuía um único meio faz parte da história. Nesta era multimédia assiste-se a um duplo processo de recentragem das empresas de media: na horizontal, com a diversificação dos media oferecidos e a presença em todas as plataformas de enunciação; na vertical, através da progressiva coordenação dos diferentes meios disponibilizados, da elaboração à distribuição e comercialização5. A gestão das empresas passa de um modelo baseado na produção para um paradigma baseado na gestão da informação.
No entanto há questões relacionadas com a convergência que merecem ponderação, como a crescente tecnicização do jornalismo em detrimento dos aspectos redaccionais, a uniformização de conteúdos nos vários meios, a multiplicação de tarefas e responsabilidades, assim como a precarização do emprego e das condições laborais.
Com a internet, a difusão da informação é praticamente instantânea e global, sendo a sua actualização permanente. A última hora passou a ser a cada minuto e a velocidade da circulação da informação já não se coaduna com prazos fixos e rígidos, baseados no fim de horários de fecho e de ciclos informativos.
O maior desafio das empresas hoje consiste em como se organizar para responder a este novo tempo. A resposta encontra-se na convergência, ao se desenvolver modelos e fórmulas de organização das redacções que rompem com uma estrutura pensada para um tempo que já começa a ficar para a história.
Em Cabo Verde está-se, uma vez mais, perante a reestruturação do sector público dos media. O processo de convergência empresarial entre a RTC e a Inforpress, a que não devia ser alheio este novo contexto tecnológico, organizacional e de relação entre media e público.
Um estudo que realizamos no mês Julho de 2015 aponta para a existência de condições tecnológicas e humanas nas empresas que hoje constituem a RTCI que apontam para a possibilidade da convergência das redacções dos quatros meios que a distribui: televisão, rádio, agência e a plataforma web.
Dos 62 jornalistas que responderam o questionário (uma taxa de retorno de 62%), 84% considera que hoje devem dominar as linguagens próprias de todos os meios, além de possuir competências para captar, tratar e editar conteúdos para distribuir através das várias plataformas de media. Ainda nesta linha de mudanças, cerca de 65% dos jornalistas afirmam concordar com a existência de redacções integradas, enquanto o número dos que dizem discordar desta hipótese situa-se à volta dos 31%.
Quanto a preparação para trabalhar numa redacção integrada que produza para rádio, televisão, agência e web, 50% dos jornalistas da RTCI afirmam não dominar as linguagens específicas de todos esses meios. No entanto, a esmagadora maioria (73%) afirma-se disposta a passar por processos de formação, de modo a adaptar-se à produção para as várias plataformas de enunciação. Apenas 11% rejeita essa hipótese.
Segundo os dados obtidos na pesquisa, 74% dos jornalistas das duas empresas já sentem a influência das tecnologias digitais e dos novos equipamentos e softwares na sua rotina profissional e na produção dos conteúdos, mas somente cerca de 47%, afirma possuir competências para criar narrativas multimédia, explorar o hipertexto na produção jornalística, conhecer e dominar o uso dos motores de busca e outros serviços da internet.
Em relação à convergência das redacções dos meios na RTCI, o grau de rejeição é bastante considerável. Cerca de 57% dos jornalistas afirmam-se contra, enquanto apenas cerca de 7% mostram-se favoráveis à hipótese.
De um ponto de vista conceptual, consideramos que existem condições para se enveredar para um processo de convergência de redacções na RTCI. Isto advém do facto de a distribuição de mais de um meio ser, a partida, uma condição fundamental para a convergência de redacções, seja a nível de colaboração, de coordenação ou de integração.
Mas, do ponto de vista objectivo consideramos que existem condições explícitas no inquérito realizado que merecem ponderação. O facto de 45 % dos jornalistas se afirmarem contra a fusão das empresas e de 56% se assumirem contra a integração das redacções na RTCI, perspectivam níveis de resistência consideráveis a um processo de convergência.
Estes aspectos implicam que um processo de convergência das redacções na RTCI deve passar primeiro por um diálogo profundo com os trabalhadores, sustentado num projecto bem definido em todas as suas variáveis.
No entanto, quatro outros dados apontam para a existência de condições para se avançar para a convergência das redacções: a assunção por parte de uma expressiva maioria (84%) de que hoje os jornalistas devem dominar as linguagens próprias de todos os meios e possuir competências profissionais para captar, tratar e editar conteúdos para distribuição através das várias plataformas de media; o número de jornalistas que concordam com a existência de redacções integradas, que se situa a volta dos 65%; os 73% de jornalistas que estão disponíveis para passarem por acções de formação, a fim de adquirirem as competências necessárias para trabalhar numa redacção integrada; as condições tecnológicas já existentes na RCV e na TCV. No entanto, neste aspecto serão precisos investimentos de modo a garantir a interconexão e por conseguinte a total digitalização de todas as estruturas da empresa a nível nacional.
Estes pressupostos nos levam a considerar que existem condições para se avançar para um processo de convergência das redacções dos três meios, ao que se deve juntar um outro modelo de gestão da plataforma web da futura empresa pública de media.
Colocamos o foco em processo, pois a convergência não se decreta, constrói-se num profundo diálogo intra-empresa. E sendo um processo é gradual, dinâmico e multifacetado, com etapas sucessivas devidamente planificadas.
(Endnotes)
1 Homo Videns – televisão e pós-pensamento. Trad. Simonetta Neto, 1ª Ed. Portuguesa, Terramar, Lisboa, 2000.
2 Neste texto adoptamos a elaboração conceptual de convergência de Ramón Salaverría, José A. García Avilés e Pere Masip Masip, académicos espanhóis que fazem parte de uma escola teórica sobre convergência centrada no jornalismo, em vez da concepção do investigador norte-americano Henry Jenkins, que ultrapassa as empresas de informação para abarcar todas as indústrias culturais contemporâneas.
Salaverría, R., García Avilés, J. A. e Masip, Pere. Concepto de convergencia periodística. En X. López García y X. Pereira (Ed.), Convergencia Digital. Reconfiguración de los medios de comunicación en España. Santiago, Universidad de Santiago, Servicio de Publicaciones.
Jenkins, Henry. Cultura de Convergência. Tradução Susana Alexandria, 2ª ed. – São Paulo. Aleph, 2009.
3 García Avilés. 2009. La comunicación ante la convergência digital: algunas fortalezas y debilidades. Signo y Pensamiento 54.
4 Fidler. 1997, apud García Avilés, José A. e Martínez, Alberto Nahum. Nuevos retos de la televisión ante la convergencia digital El fenómeno imparable de la convergencia digital.
5 Ramón Salaverría. 2009. Los medios de comunicación ante la convergencia digital.
Convergência das redacções na RTCI, grau de rejeição é considerável
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