Vários cursos foram encerrados, este ano, em algumas universidades, por falta de alunos. Em sentido oposto surgem as chamadas formações técnico-profissionais, que ganham, a cada dia, mais adeptos. Quais as razões disso?
Os responsáveis das universidades não admitem directamente, mas A NAÇÃO sabe que, no presente ano lectivo, iniciado em Outubro passado, vários foram os cursos que foram “obrigados” a encerrar, ou nem sequer a abrir, por falta de alunos. Um exemplo disso é o curso de Agronomia Sócio-Ambiental, que deveria abrir pela primeira vez, este ano, na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), mas que a adesão ficou aquém do esperado. Um outro caso, também na Uni-CV, é o de Física, cujo número de inscritos não passou de três alunos.
Segundo a reitora Judite Nascimento, a Uni-CV não tem por hábito abrir cursos com número reduzido de alunos, “sob pena de agudizar, ainda mais, a situação de vulnerabilidade da instituição”. Porém, acrescenta, “vamos continuar a insistir nesses cursos nos próximos anos, pois consideramos que o perfil de preferência é relativo no tempo e no espaço, e a situação actual pode ser circunstancial”.
Na Universidade Jean Piaget, o “condenado” deste ano foi o curso de Serviço Social. Conforme o administrador Luís Filipe Tavares, essa oferta “teve este ano poucos inscritos e por isso não foi aberto”. Os poucos alunos inscritos, estes, foram encaminhados para outros cursos.
Ainda de acordo com aquele gestor, o caso de Serviço Social não é isolado. Como fez entender, a quebra vem acontecendo nos últimos anos, tendo já sido encerrados outros cursos, casos de Gestão, Hotelaria e Turismo, Sociologia e Ciências da Educação.
Porém, mesmo com esse número significativo de cortes, o administrador da Uni-Piaget refuta que haja saturação de cursos no mercado. “O mercado absorverá sempre jovens talentosos, muito bem qualificados e competentes”, defende. “O problema está no crescimento económico e na competitividade da nossa economia”.
Vice-presidente do MpD, maior partido da oposição, Luís Filipe Tavares aproveita para dizer: “Cabo Verde precisa de reformas urgentes, nomeadamente em matéria de educação, para potencializar o crescimento económico e a competitividade das nossas empresas. O domínio do conhecimento científico é a via para o desenvolvimento do nosso país. Precisamos de jovens altamente qualificados para competirem no mercado nacional e em todo o mundo…”. E mais adiante, sempre no mesmo tom, atira: “Temos de melhorar o ambiente de negócios em Cabo Verde. É urgente!”
A UNICA (Universidade Intercontinetal de Cabo Verde), pela sua pequenez e restrição nos cursos que ministra, diz que, no seu caso, não pode dizer que tenha havido perda de alunos relativamente aos anos anteriores. Com três licenciaturas e dois cursos de Ensino Superior Profissionalizantes (CESPs) assentes, basicamente, nas áreas da saúde, aquela entidade mantém, em quase todos os anos, a mesma margem de inscritos.
O único porém, aponta o vice-reitor, Virgílio Alves, prende-se com o facto de o curso de fisioterapia “ainda ter um número muito reduzido de alunos, um problema que se vem arrastando pelos oito anos de funcionamento da universidade, na cidade da Praia”.
Quanto ao declínio que o ensino superior no país vem sofrendo, Alves subscreve na prática o ponto de vista de Luís Filipe Tavares e defende: “O grande problema das universidades e da procura dos cursos é o económico”.
É que, segundo este entrevistado do A NAÇÃO, a economia em Cabo Verde “não funciona” e, nisso, um dos sectores mais afectados é, “sem dúvida”, o da formação superior. “O ensino continua a ser elitista, reduzido a um número pouco significativo de pessoas, cujas famílias podem custear os estudos, ou que consigam uma bolsa por outros meios”.
Assim sendo, o vice-reitor da UNICA entende que a resolução do problema das universidades em Cabo Verde estaria assente, basicamente, em três pilares: “É necessário o financiamento, é necessária a inovação na oferta formativa e é necessário que a sociedade seja capaz de gerar empregos”.
ISCEE, um caso de sucesso?
O Instituto das Ciências Económicas e Empresariais (ISCEE), onde o número de inscritos entre licenciaturas, mestrados e CESPs ronda os 1400 alunos, nos pólos da Praia e do Mindelo, diferentemente das outras instituições, manteve a mesma margem de alunos dos anos anteriores.
É que apostando no seguro, o ISCEE não abriu mais do que os cinco cursos habituais, tanto na Praia como no Mindelo. “Estamos a apostar num número reduzido de cursos, e, por isso, estamos dentro das perspectivas desenhadas, pois, não abrimos cursos só por abrir”, revela o presidente Rui Franganito. “Estamos empenhados em consolidar e melhorar a oferta mas sem estar a perigar a sustentabilidade da nossa instituição”, salienta.
Com olhos no futuro, aquele responsável adiantou que o ISCEE iniciou já o “reajustamento” da licenciatura em Gestão e Planeamento do Turismo, “tendo em vista a sua melhor adequação ao dinâmico mercado do turismo e assim aumentar o número de alunos nos próximos anos”.
A estratégia que mantém o ISCEE como uma das instituição com maior número de formados inserido no mercado, nas áreas económico-financeiras, diz Franganito, prende-se ao facto de a instituição concentrar-se num leque tradicional de ofertas, “não por ser avesso à inovação mas por acreditar que abrir cursos por abrir poderá ter efeitos perversos ou de canabilização das ofertas formativas, o que seria, de todo indesejável”.
Silêncio
Esta reportagem tentou ouvir as universidades do Mindelo (Uni-Mindelo) e de Santiago (Uni-Santiago) mas sem sucesso. Da mesma forma, tentamos ouvir a Lusófona mas, nesta, o administrador João Gabriel, além de negar prestar quaisquer declarações a este semanário e esclarecer os cabo-verdianos quanto ao futuro da instituição que vem enfrentando problemas vários, acusou este jornal de ser “tendencioso” e usar perguntas “requentadas”. Perguntas essas que nunca foram respondidas, diga-se de passagem, pelo menos para os leitores do A NAÇÃO.
Universidades obrigadas a fechar cursos por falta de estudantes
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