José Luís Jesus, juiz cabo-verdiano no Tribunal Internacional do Direito do Mar, acredita que Cabo Verde ainda está aquém das potencialidades e vantagens que pode tirar dos seus recursos marinhos. Realista na sua análise, desmistifica conceitos e diz mesmo que “nenhum” Estado tem “recursos suficientes” para fiscalizar um mar “tão grande” como este que temos.
Directo e acutilante na análise que faz de algumas questões ligadas ao desenvolvimento do Cluster do Mar, José Luís Jesus começa por admitir que as pessoas, em Cabo Verde, “ainda não têm consciência da riqueza e potencialidades que a nossa zona costeira e marítima, e o oceano, em geral, têm para oferecer às populações”. Daí considerar essencial que o conhecimento sobre estas questões comece a chegar às comunidades.
“É preciso divulgar ao grande público o que é o nosso mar. Cabo Verde é um país riquíssimo em termos de potencialidades marinhas e marítimas”, explica. Porém, não descarta a ideia de que só ter potencialidades não basta e que é preciso “organização, disciplina e trabalho” para “transformar potencialidades em riqueza efectiva”. Isto, para que se possa “fazer do mar, realmente, a base do nosso desenvolvimento”.
Quando se fala da criação de bases, e em prioridades a levar a cabo para que exista um Cluster do Mar, José Luís diz mesmo que a prioridade “é tudo” e que ela vai depender da planificação dos poderes públicos.
“Primeiro, é preciso haver legislação, porque sem legislação não há um plano de acção para os funcionários saberem o que é, e o que não é, permitido. Depois, é preciso apostar na formação de quadros e investigação científica marinha para podermos saber o que está disponível no nosso mar porque, para saber gerir, é preciso saber o que temos para gerir.
Portanto, advoga, “há uma série de acções de enquadramento de gestão que eu estou certo que estão a ser pensadas e levadas a cabo, paulatinamente, e esperemos que, no futuro, estejamos em melhores condições de tomar vantagem sobre o nosso mar, do que aquela que tiramos agora”.
Engajamento
Aí, insta os cabo-verdianos a serem também “guardiãos” de tudo o que é de Cabo Verde, designadamente, do mar, porque “nenhum Estado tem recursos suficientes para fiscalizar um mar tão grande como este que temos”. Esse juiz adverte, porém, que, antes de mais, é preciso clarificar qual é a soberania de Cabo Verde em relação ao mar que o rodeia.
“Em termos do território marítimo sobre o qual exercemos a nossa soberania total, é o mar territorial e as águas arquipelágicas, não só sobre o leito e subsolo dessas áreas, mas também sobre a coluna de água e o ar subjacente. Por isso, em termos de território soberano de Cabo Verde, quer a parte da terra (quatro mil quilómetros quadrados), quer a parte do mar, onde exercermos soberania total, somos um país de cerca de 102 mil quilómetros quadrados”, clarifica.
Contrariamente ao que algumas pessoas pensam, José Luís esclarece que a Zona Económica Exclusiva (ZEE) “não é território de Cabo Verde”, mas sim, apenas, “uma área onde temos direitos soberanos sobre os recursos naturais vivos e não vivos, e algumas jurisdições”, mas que “não temos” soberania sobre essa área.
“Na nossa ZEE temos cerca de 800 mil quilómetros quadrados, onde todos os recursos naturais, vivos e não vivos, pertencem ao Estado de Cabo Verde. Depois, em termos de Plataforma Continental, que começa a partir das 12 milhas, que é o limite exterior do mar territorial, temos cerca de 800 mil quilómetros quadrados, que é o leito do subsolo da ZEE”, elucida.
Extensão da Plataforma Continental
Neste momento, há um processo da extensão da Plataforma além das 200 milhas e aquele especialista acredita que o processo vai “produzir resultados positivos” em algumas áreas de Cabo Verde e que podemos “passar a ter mais de um milhão de metros quadrados de Plataforma Continental”. Traduzindo por miúdos, significa ter direitos soberanos sobre os recursos naturais que existam nessa Plataforma Continental, incluindo “algumas formações de minerais e actividade de micróbios”, que são hoje usados pela medicina moderna porque têm potencialidades para a cura de muitas doenças. Esta é só uma amostra de uma série de “recursos potenciais” que “nós conhecemos” e outros que “ainda não conhecemos”, e onde Cabo Verde, com essa plataforma, que pode vir a ser estendida, passa a ter direito soberano sobre todos os recursos.
Porém, embora exista a titularidade soberana do território marítimo, esse direito é muitas vezes violado, como se sabe, em matéria de pesca, um dos sectores de desenvolvimento relacionados com a preservação dos recursos marinhos, pois, como concluiu, sem essa preservação, dificilmente se pode explorar as potencialidades da zona costeira e marítima de Cabo Verde.
José Luís Jesus: “Temos de fazer do mar, realmente, a base do desenvolvimento”
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