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Opinião

Hino à Grécia ultrajada

Olavo Monteiro

Que crime hediondo cometeste, ó Grécia, tu, berço da democracia, berço do pensamento filosófico, berço da literatura, da arte, da ciência?

Que crime hediondo cometeste tu, ó Grécia, para tão pesadas e estranhas condenações, tu, pátria de Anaximenes, de Anaximandro, de Parménides, de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, todos gigantes faróis do pensamento filosófico, cujos focos luminosos irradiam de forma penetrante e fecunda sobre toda a europa Ocidental nos recuados séculos antes de cristo?

Que crime hediondo cometeste tu, ó pátria de Péricles, pai e mentor da democracia que ele sábia e inteligentemente soube consubstanciar nos seus sólidos pilares – liberdade, igualdade, solidariedade, fraternidade, justiça social e respeito escrupuloso aos Direitos do Homem, há quase 25 séculos, precioso legado transmitido à Humanidade de que a História da Civilização Ocidental nos dá conta?

Que crime hediondo cometeste tu, ó Grécia, pátria de Homero, autor dos famosos e imortais épicos – Ilíada e odisseia – que remontam aos séculos antes de cristo, que tanto influenciaram e inspiraram, culturalmente, à Europa Ocidental, nomeadamente o imortal Camões?

Que crime hediondo cometeste tu, ò Grécia, pátria de Sólon que viveu nos anos 638 – 588 antes de Cristo e considerado um dos teus sete sábios, que foi legislador invulgar, filósofo fecundo e poeta fecundo?

Que crime hediondo cometeste tu, ó Grécia, pátria de Pitágoras, pai de matemática, que viveu nos anos 584 antes de Cristo e que tanto, culturalmente, deu ao mundo?

Que crime hediondo cometeste tu, ò Grécia, pátria adoptiva de intelectuais perseguidos, destacando-se Cícero – 106 – 46 – antes de Cristo, político e escritor romano com influência marcante na Europa Ocidental?

Finalmente, que crime hediondo cometeste tu, ó Grécia, para tantos males, tanto vexame, tanto ultraje, tu, ontem como hoje, solidária, bondosa, generosa, fraterna, de requintada sensibilidade social, sobretudo de aflorada sensibilidade humana de que, infelizmente, nos dá conta a tua intervenção atempada e voluntária, ainda que simbólica, perante a catástrofe humana a que o mundo insensível assiste, impavidamente, no que se refere à travessia desesperada do Mediterrâneo em cujas águas profundas jazem milhares de vitimas inocentes, na sua busca da cara liberdade?

A estas interrogações que não são arbitrárias, nem casuais, mas necessárias, porque inevitáveis, não responderemos nós. A elas, naturalmente, responderão os factos, o povo democrático e sofredor da Grécia, os povos democráticos de todas as latitudes, as consciências sensíveis e críticas.

Responderão todos, aliás de forma conteste, que não praticaste qualquer crime, ao invés, foste vítima de todos os males vindos de homens que só são felizes com a infelicidade alheia.

Responderão todos, dizendo, expressa e naturalmente, que os malefícios infligidos a ti, ó Grécia, não foram obra da União Europeia – UE – essa instituição nobre, movida por impulsos de solidariedade humana, concebida e nascida sob o signo da concórdia, da paz, do amor, da fraternidade, da justiça social, da unidade, por isso preocupada, sobretudo com a defesa intransigente dos direitos humanos, com acentuado destaque quanto à diminuição real do fosso entre países ricos e países pobres, obviamente numa dimensão global.

Responderão todos que a União Europeia nunca esteve alheia ao teu destino, ó Grécia, ela sendo como é, profundo conhecedora e respeitadora das tuas ricas tradições e do grandioso lastro cultural e civilizacional com que, generosamente, brindaste à Europa Ocidental, hoje União Europeia.

Responderão todos que o que de trágico te aconteceu foi um problema ideológico, foi resultado negativo do vincar de fronteiras ideológicas no seio da EU.

Responderão todos que os homens que enquistam a EU, com o seu  radicalismo ideológico, foram eles os únicos responsáveis por tal estado negativo da coisas, ao subverterem os são princípios q valores subjacentes à UE.

Responderão todos que os homens da EU, quando o escândalo já era “casus belis”, mostrando-se magnânimos e clementes, depois de serem perversos, entenderam atirar-te umas moedas com a compaixão hipocritamente arquitectada, hipocritamente artificial, hipocritamente urdida, pelo que, a um tempo, se assiste ao altear do mundo material e ao apequenar dos valores cimeiros – Ética e Moral – sem os quais nenhuma comunidade, nenhuma sociedade poderão ter a ambição legitima de uma vida digna, solidária, fraterna.

Responderão que a falsa compaixão demonstrada, atirando-te umas moeda já no estertor da morte, necessariamente deve tal compaixão ser interpretada, com a devida e justa conotação, com o que diz Luther King “A verdadeira compaixão é mais do que atirar uma moeda ao pedinte. É ver que o edifício que produz pedintes precisa reestruturação”.

Finalmente, responderão todos que a ideologia que enquista, maioritariamente, a EU, que cava profundas desigualdades sociais, é a única responsável, por uma banda, pelo hoste de pedintes, de mãos estendidas, dos países do Sul da Europa, membros de EU, e por outra banda, da ala sempre crescente e demolidora dos países perdulários, ricos, extravagantes e socialmente insensíveis da Europa do Norte, também membros da EU, que nunca absorveram o que Rousseau nos já recuados séculos XVII diz: de tal forma que nenhum cidadão seja tão rico para comprar outro e nenhum tão pobre que seja obrigado a vender-se”.

E tu, ó Grécia, gloriosa no passado, valorosa e resistente, não te esmoreças, porque temos como ponto de fé que, brevemente, sairás vitoriosa desta titânica luta, fazendo nossa, a propósito, a ela expressão do poeta “quando a maré baixar, virei de pé, caminhando”.

Com efeito, quando a maré baixar, virás tu, ó Grécia, de pé caminhando, de cara erguida, orgulhosa, sorridente e triunfante, porque o teu generoso povo, ó Grécia, assim o reclama, assim o merece.

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