A Central Única de Santo Antão vai sair mais cara aos cofres públicos por causa dos trabalhos para a rede subterrânea na estrada que liga Porto Novo à Janela. Um custo adicional que poderia ser evitado caso a Electra, empresa de energia e água, tivesse respeitado o alerta dado por vários técnicos no sentido de se colocar os tubos com os negativos por altura da construção da referida estrada, cuja inauguração deu-se em 2009.
Informações apuradas por A NAÇÃO indicam que a Direcção-Geral de Infra-estruturas esteve, durante um ano, a negociar com a Electra para que, durante a construção da estrada Porto Novo/Janela a empresa, colocasse os tubos, de forma a evitar custos posteriores. Tal não aconteceu mesmo depois dos alertas de engenheiros da própria Electra e de outros técnicos responsáveis pela electrificação rural de Santo Antão, sendo estes conhecedores do projecto de interligação enérgica da ilha das montanhas que se concretizaria a partir da Central Única.
Não tendo feito esse trabalho na devida altura, agora a Electra está a fazer valas ao longo dessa via, que custou cerca de três milhões de contos e tem menos de seis anos de utilização. E esses trabalhos da colocação da rede subterrânea não só encarecem os custos da Central Única e da interligação enérgica de Santo Antão, como deixam marcas no asfalto da estrada co-financiada pela União Europeia, Luxemburgo e os governos da Itália e de Cabo Verde.
Menos mal, garante um engenheiro que esteve ligado à construção da rodovia de 22 km, o empreiteiro nessa altura aproveitou alguns tubos disponíveis e colocou os negativos nos dois túneis existentes ao longo da estada. Se não fosse isso, seria mais complicado e custoso na medida em que os trabalhos da rede da Central Única implicariam mexer com a estrutura dessas “obras de arte”.
Danos ao asfalto
Em conversa com o A NAÇÃO, um engenheiro civil diz mesmo que os custos são “incalculáveis”, pois, como se não bastassem as escavações nessa rodovia, ficam as marcas no asfalto cuja compactação futura nunca será a mesma. Basta ver, reitera o nosso interlocutor, toda a vez que se mexe num asfalto em Cabo Verde para colocar uma rede subterrânea os desnivelamentos ficam visíveis nas vias mexidas e, não havendo a necessária compactação, os estragos são permanentes. Agora, o engenheiro, conhecedor como poucos da via em causa já que acompanhou a obra do início ao fim entre 2003 e 2009, teme que as obras da rede subterrânea da Central Única deixem rasto de estragos para o resto dos tempos.
Mais a mais, um engenheiro electrotécnico defende que “teimar-se” em lançar uma rede na estrada Porto Novo-Janela constitui uma opção “tecnicamente desnecessária, além de caríssima”. O ideal, no seu entender, seria que a rede eléctrica de Santo Antão só se fizesse por via da estrada da montanha de Porto Novo a Água das Caldeiras e ali houvesse uma bifurcação para Coculi e Paul, de modo a abastecer os concelhos da Ribeira Grande e do Paul.
Alertas
Diante dessas questões, este jornal tentou contactar o administrador da Electra João Manuel Dias da Fonseca para os devidos esclarecimentos técnicos e financeiros, mas não foi possível marcar uma entrevista com ele, apesar das várias tentativas.
Na falta dos esclarecimentos do administrador, recorremos a outro quadro da Electra, conhecedor da matéria, pois, acompanhou o processo desde o início, que nos informou que, de facto, o engenheiro Jansénio Delgado e outros santantonenses técnicos da área alertaram a Electra para a necessidade de colocar os tubos e os negativos por altura da construção da via Porto Novo/ Janela. Isso porque, diz-nos o quadro que prefere que o nome não seja mencionado, a Central Única era sonho antigo e os técnicos da área sabiam que era mais barato e tecnicamente mais viável aproveitar a obra da estrada para fazer duas coisas em uma. Mas não foi esse o entendimento dos responsáveis da Electra que preferiram não investir nessa altura, para agora ter de gastar o duplo ou triplo, como asseveram os técnicos ouvidos por este jornal.
Por outro lado, outro quadro da Electra informa que a ideia é ter uma ligação área na via da montanha e outra subterrânea na estrada nova para formar uma espécie de anel, ainda que nessa altura represente custos adicionais pelas razões acima apontadas. A seu ver, o projecto vai concretizar-se assim mesmo porque a rede aérea precisará de manutenção de tempos em tempos e, tendo a outra subterrânea para a substituir, não haverá a necessidade de interrupção de fornecimento de energia aos concelhos da Ribeira Grande e do Paul.
Críticas
Mas, uma vez mais, os críticos dizem que tudo isso poderia ser feito pela estrada da montanha, seguindo o trajecto existente, sem necessidade de procurar caminhos alternativos que só criam dificuldades técnicas e encarecem as obras. O certo é que a título experimental a Central Única, situada no concelho do Porto Novo, já abastece os três concelhos da ilha de Santo Antão desde o dia 23 de Junho último.
Composta por quatro grupos de geradores, a Central Única tem uma disponibilidade de potência suficiente para cobrir todos os povoados de Santo Antão, incluindo os que ainda não estão electrificados. Os ganhos já se mostram na medida em que com a entrada em funcionamento da nova central, deixou-se de ouvir o barulho ensurdecedor da central da Ribeira Grande que incomodava as pessoas em Povoação e arredores.
Mas os técnicos dizem que os ganhos podem ser maior se se utilizar nessas centrais – tanto em Santo Antão como em Santiago, Fogo e São Nicolau – o fuel, que custa menos trinta escudos por litro do que o gasóleo ainda utilizado. Só que, ao que tudo indica, não se está a fazer essa economia nas centrais porque as petrolíferas não fornecem o fuel à Electra e ninguém faz nada para concretizar essa mudança que representaria uma redução do preço da energia eléctrica tantas vezes reclamada pela Associação dos Consumidores (Adeco).
Santo Antão: Central Única mais cara por “teimosia” da Electra
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