José Pereira Miranda
Como apresentei na epígrafe, sou quase vazio de conhecimentos políticos mas, considero-me bastante experiente em matéria de educação e, por isso, não posso e nem devo ficar calado perante um assunto que carece de opinião dos mais afectados em matéria de sustentabilidade socioeconómico-educativo, mas que ninguém tem coragem de contradizer.
Eu respeito, com mais alta consideração, as leis constituintes da nossa República, mas considero um pouco infundada a forma como estão a ser tratados os direitos da criança, e aconselho um estudo mais aprofundado sobre as questões que se referem aos trabalhos infantis, antes que seja tarde demais, uma vez que o trabalho, em certo ponto, deve fazer parte da educação e das instruções de um indivíduo que hoje é uma criança, mas no futuro é o homem, o continuador e a segurança da governação e do sustento de qualquer país ou nação.
Penso que não é no diminuir o direito paternal na educação da prole que o país ganha a sua transformação, quer em potencialidade quer em compatibilidade ou sociabilidade.
Queria, com isso, apelar aos senhores legisladores, professores e/ou organizadores, que deixem a família cumprir o seu dever de educador, evitando a fomentação e ou a sementeira de mais assaltantes, mais «tâgues», mais prostitutas, mais meninos de rua e, sobretudo, mais zés sem fortunas. Devem reparar que, enquanto há muitos jovens sem emprego, há centenas, para não dizer milhares, de pais e mães no campo, nas oficinas ou nas obras a trabalhar, para sustentar o filho sentado frente à televisão ou ao computador a jogar. E, como hoje, muitas vezes, os avós é que são pais, por vezes, são esses que se encontram a trabalhar para os netos. É bom referir que isso acontece porque, perdendo o direito ou a capacidade de estudar, os meninos estranham avançar para um serviço que consideram humilhante, ou por não saberem trabalhar, porque não foram habituados a fazê-lo. Por outro lado, a nossa terra é carente de recursos, mesmo no tempo de bonanças quanto mais no tempo de crise. O governo, mesmo querendo, não é capaz de dar serviços a todos. Há necessidade dos pais educarem os filhos, desde muito cedo, voltados para o trabalho. O que é necessário é ajuda-los a compreender que os menores devem ter o direito e a liberdade de estudar, divertir-se e não fazer serviços que ultrapassam as suas forças, para não comprometerem a saúde, tanto no presente como no futuro, bem como serviços nas horas de escola.
Se quiserem proteger, na realidade, as crianças, protejam as suas famílias, com trabalhos, melhores vencimentos, melhor habitação e melhor segurança, não em termos de aumentar polícias, mas em termos de educar a juventude no conhecimento de si mesmo e nos direitos e deveres de cada cidadão do país.
Não sei se os que estão a insistir no não trabalho infantil já pensaram na diferença dos vencimentos entre um cidadão que ganha 240.000$00 mensais e um outro que aufere 11.000$00 ou que recebe 5.000$00, por vezes nem isso.
Não sei se os que legislam, antes de legislar consigam pensar, ou mesmo contar, quantos licenciados se encontram parados em casa, a chupar da sua família o fraco rendimento que aufere, por vezes fruto do trabalho do seu irmão, ainda menor, que não se sente humilhado em ir vender doces ou rebuçados nas suas horas livres para ajudar o pai que anda a pastorar ou a mirar uma vaga de pedreiro, carpinteiro ou servente, num tempo em que nem a terra, nem o mar e nem mesmo o mercado tem para ajudar os sem pão e sem trabalho.
Não sei se os que estão gritando na comunicação social, sobretudo, os próprios jornalistas, já passaram por uma das ribeiras da nossa ilha, num dia de sol escaldo, para entrevistar as mulheres que «com um menor ao lado», andam a cirandar areia, para angariar o pão ou o caderno para o seu filho/educando.
Seria bom, na minha opinião, antes que se legisle certos artigos, que se passasse pelas casas desses sem pão e sem poder, para ouvir os seus porquês de pôr filhos a ajudar-lhes.
Outro sim, os nossos governantes devem lembrar, e ou saber, que os países com os quais quererão competir não só são aptos para sustentarem os seus habitantes, mas ainda têm trabalhos para os nossos que queiram e possam emigrar.
Conheço vários estudantes no estrangeiro, até dos nossos, que, ao atingirem 18 anos, para se libertarem das ajudas paternas e a fim de ajudarem os seus grandes no melhoramento da economia, afastam-se da família para usufruírem de uma melhor ajuda por parte do governo.
Em Cabo Verde, custa muito uma família conseguir a fraca ajuda que a FICASE concede, porque o nosso governo não tem para dar. As bolsas de estudos, dificilmente se conseguem, por dificuldades do país. As famílias sem trabalho aumentam dia por dia, porque a política do trabalho condena abrir frentes de serviço, embora se saiba que as nossas ladeiras e as nossas ribeiras necessitam, grandemente, de protecção. A construção civil, que muito ajuda no angariar de fundos, encontra-se escasseada, por causa da crise e da falta de boas aságuas.
Além disso, como disse no princípio, o trabalho infantil deve fazer parte de uma boa educação. O que é preciso, isso sim, é ajudar as famílias a saberem dosear o trabalho que devem dar ao seu filho, seu futuro continuador, e nunca cortar de raiz o dever de uma criança aprender, com os seus pais, a trabalhar e a familiarizar-se com os afazeres quotidianos, incluindo o aprender a cultivar, a negociar ou a economizar.
Também disse no princípio que sou cheio de experiências no que tange ao serviço das crianças. Sou pai de 11 filhos sendo um deles, adoptivo. Graças a Deus e às experiências minhas e da mãe deles, hoje todos se encontram com boa formação e a servirem-se a si, às suas famílias e ao Estado. Eu não digo o que é que eles faziam. Peço que os entrevistem. Eles é que digam como e porquê escolheram e chegaram à formação que têm. Os referidos contactos deverão servir apenas para confirmar o que disse e para ajudar, a quem de direito, a entender que o trabalho só servirá para dignificar os meninos e ajuda-los a perceber que enquanto não conseguirem o trabalho da área da formação devem agarrar ao que aparecer e estiver ao alcance.
O que é mais duro e mais feio é um menino estar a ocupar todo o tempo que lhe sobra dos estudos, das aulas e das brincadeiras diante da televisão ou na rua a vaguear, e depois dormir com fome porque do que o pai ou a mãe recebe no dia-a-dia não sobra o suficiente para o alimento, depois de pagar as facturas do consumo de energias gastas durante o dia, pelo mesmo filho, em jogos no computador, telemóvel ou televisão.
Penso que se precisa rever a arte de educar um pouco mais voltado para a pessoa do que para o corpo, um pouco mais orientado pela inteligência do que pela tradição ou pelo instinto.
Queiram desculpar-me desta ousadia, mas incomoda-me o tanto gritar contra o trabalho infantil, sem a mínima preocupação de se lembrar que é de pequeno que se ensina a uma criança o que ajuda na construção da dignidade da pessoa.
Ouviu-se, há dias, o número de crianças que se encontram envolvidas no trabalho infantil, mas nunca se ouviu o número daqueles que se fizeram tâgues ou assaltantes.
Preocupa-me ver continuar a crescer: jovens desempregados, número de assaltantes e delinquentes, cadeias superlotadas, jovens a tornarem-se irmãos de seus filhos e as nossas ruas a encerem-se de rapazes sentados nos parapeitos ou drogados a perturbar as pessoas.
Esta preocupação deveria fazer parte das agendas dos políticos e de todos os cidadãos conscientes e responsáveis.
Muito obrigado!
Uma chamada de atenção em matéria de ordem educativa
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