A comunidade dos combatentes da liberdade e da pátria está indignada com a forma como a sua própria associação, a ACOLP, vem lidando com a atribuição do estatuto daquela categoria. Há relatos de gente que conseguiu declarações a atestarem que estiveram na luta pela independência de Cabo Verde, a fim de obterem a pensão de 75 contos, a troco de 20 mil escudos.
O Estatuto dos Combatentes da Liberdade da Pátria (ECLP), aprovado pela Assembleia Nacional, em Novembro de 2013, atribui uma pensão de reforma aos combatentes que não se encontrem abrangidos por qualquer sistema de previdência social e um completo àqueles que já o têm, mas que não chega ao valor de 75 mil escudos. Esta foi a forma que o Governo encontrou para, supostamente, resolver a situação dos “combatentes” que se encontravam na miséria.
Contudo, com a aprovação do novo ECLP, registou-se uma corrida à condição de combatente, na mira da mencionada pensão. Tanto assim que para esse estatuto ser obtido bastam duas assinaturas de “combatentes reconhecidos” e mais uma do responsável da ACOLP, neste momento dirigida por José Luís Vaz, vulgo Sagui, seu vice-presidente, em substituição do presidente, João José Lopes da Silva, que faleceu em Janeiro passado.
Na correria que se instalou, segundo uma fonte do A NAÇÃO, há quem tenha conseguido uma declaração da ACOLP, a atestar a sua condição de combatente, a troco de 20 mil escudos.
Este semanário entrou em contacto com o secretário demissionário da ACOLP, Olímpio Varela, que admitiu ter ouvido comentários a respeito de tal negócio, sem no entanto precisar a sua veracidade. “Estou a ver muitas pessoas que não conheço que agora dizem ter sido combatentes. Muitas delas, na altura, tinham 16 anos”, diz indignado.
Varela afirma-se igualmente aborrecido com a forma como o novo estatuto de ECLP foi aprovado pelo Parlamento e também com os “mandos e desmandos” que diz estar a acontecer desde a morte do ex-presidente da ACOLP, João José Lopes da Silva (JJ), assumindo Sagui o cargo, “por indigitação própria”.
Varela diz que não é contra a atribuição de pensão aos combatentes, mas que isso deveria ser feito de forma mais séria e transparente. Para ele, como está neste momento, o referido estatuto deveria ser revogado, por dele estar “a resultar numa correria de muitas pessoas que andam a pedir estatuto e, se calhar, a forjarem documentos”.
OUTROS DESCONTENTAMENTOS
Quem também se mostra agastado com a situação é o combatente José Figueiredo Ramos. Através de uma mensagem sua, a que A NAÇÃO teve acesso, o mesmo escreve que, já em 2014, enviara mensagens aos seus colegas e ao então ministro de Presidência do Conselho de Ministros, Jorge Tolentino, dizendo que não se deveria atribuir à ACOLP o poder de emitir declarações porque, certamente, isso iria resultar em muitos problemas.
Esse combatente diz ainda que a declaração e o abandono do cargo de secretário por Olímpio Varela “torna as coisas ainda mais graves”. E alerta: “Estamos perdendo a face perante a sociedade e urge pôr cobro a essa situação”.
Na sua mensagem Figueiredo Ramos também refere que tomou conhecimento de que a ACOLP estava a cobrar três a 12 mil escudos para passar declaração de combatente a eventuais interessados. “Tenho conhecimento de uma pessoa que pagou quase 12 mil escudos para receber uma declaração. Por outro lado, também tive conhecimento de pessoas que receberam tal declaração sem pagar nada”.
Figueiredo Ramos diz ainda que se a ACOLP estiver a prestar “esse serviço como forma de apoiar os legítimos requerentes, até se poderia aceitar, mas que a direcção da organização o faça, numa base coerciva, obrigando as pessoas a serem membros e a pagarem jóias e quotas”, isso está além do associativismo.
Diante dos dados ora recolhidos A NAÇÃO tentou ouvir José Luís Vaz, Sagui, mas foi-nos dito que o mesmo encontra-se no exterior. Na edição número 394 deste jornal, de 19 Março passado, quando este assunto veio pela primeira vez à baila, Sagui admitiu a existência de várias tentativas de fraude para a obtenção de um “certificado” de combatente, mas que os processos estavam a ser tratados de forma “cautelosa”, de modo a verificar quem foi, de facto, combatente. “É fácil reconhecer quem esteve na frente de combate na Guiné, mas, na clandestinidade, é muito difícil dizer quem foi combatente ou não”, disse.
Sagui deixou igualmente claro, na altura, que quem tiver dúvidas em relação a algum combatente da liberdade e da pátria deve suscitar o problema de forma concreta. “Pouco vale falar nas costas. Da nossa parte estamos abertos para prestar todos os esclarecimentos diante dos casos suscitados”, garantiu.
ASSEMBLEIA
A Assembleia Geral da ACOLP está marcada para 11 e 12 de Maio. Alguns membros dessa agremiação esperam então colocar os pontos nos ii e esclarecer, de uma vez todas, tudo o que está a acontecer com a “venda” de certificados para se ser combatente da liberdade e da pátria.
Recorde-se que o prazo para o fecho do processo de atribuição do estatuto de Combatente da Liberdade e da Pátria expira a 5 de Julho próximo.
Combatentes indignados: 20 contos por um certificado da ACOLP
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