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Opinião

Não quero felicitações… A propósito do Dia da Mulher Cabo-verdiana

Carla Carvalho
Você aí… homem… proponho uma conversa reflexiva… sobre esse tal dia da Mulher Cabo-verdiana… em que, certamente, todos os anos, na mesma linha, vens felicitando as mulheres, ou melhor, as tuas mulheres… pergunto-te… vale a pena? Tem valido a pena?
Você que é namorado, companheiro, marido… Você que acha que o lugar da mulher é em casa. Que condiciona a tua mulher de sair com amigas, e quiçá, coage e, por vezes a proíbe de falar com outros homens. Que não confia, que amua e chantageia… que agride, física, psicológica, e financeiramente a tua mulher porque ela quer ter liberdade para decidir por si o que quer ser ou fazer.
Você que é chefe, superior hierárquico ou mesmo colega… que está de olhos na funcionária. Que não perde uma oportunidade para mandar indirectas ou muitas vezes até directas pensando que as mulheres gostam. Que quando está só com a subordinada ou colega aproveita para “conquistar” sob capa de elogios à roupa, à beleza, e aos outros atributos. E, só piora, quando a mulher resiste e rejeita as tuas intenções… aí você começa a humilhá-la e tenta invisibilizá-la no local de trabalho.
Você que acha que as roupas que as mulheres vestem é para provocar. Que a mulher não pode … ou não deve andar sozinha na rua. Que acha que as mulheres devem aprender a se defenderem porque o macho é agressivo, hás-de concordar comigo “seria tudo mais fácil se os homens aprendessem que não se deve agredir”.
Você que acha que política e questões partidárias é coisa de macho, que chegar tarde em casa porque esteve participando das reuniões partidárias e outras associações é porque esteve em outras andanças.
Você aí… poderia continuar a elencar um milhão de coisas, de factos, de relatos…
E, curiosamente, é você o primeiro a felicitar a Mulher Cabo-verdiana no dia 27 de Março. Podes parar de hipocrisia. E, se não for hipocrisia, podes parar para pensar, e quiçá, tomar consciência das suas acções quotidianas e dos exemplos que transmites à tua volta.
De que vale as tuas felicitações, se as mesmas são palavras ocas e discursos vãs levadas ao vento. Sem exemplo nenhum que mude as atitudes e sem nenhuma intenção de transformar as práticas. Precisamos de acções que permitam quotidianamente transformar as práticas e os comportamentos na senda do respeito pelo outro, no caso, pela outra.
Parece-me que é chegado o momento de mudar de paradigma. Já chega de felicitações e comemorações ocas e vazias de significado. De que vale felicitar e comemorar? Se o nosso agir não pode proteger as nossas meninas e os nossos meninos da dor do abuso sexual; se não pode melhorar a condição de vida das peixeiras e dos pescadores; se não for capaz de acabar com as diferenças entre os camponeses e camponesas, agricultores e agricultoras das encostas, vales e ribeiras deste país; se não pode igualar as oportunidades salariais e acesso aos cargos de decisão entre homens e mulheres; se não pode minimizar o fosso existente na participação política, através dos canais electivos, nos órgãos de poder entre homens e mulheres; se não for capaz de quebrar o ciclo e o silêncio do assédio sexual e moral no local de trabalho… Você aí… Vale a pena felicitar as mulheres?
Certo é que no que toca às estatísticas de género, a situação do país tem evoluído para uma maior equidade de género, pois Cabo Verde tem melhorado a sua posição sobre as questões de género. Entretanto, um longo caminho falta percorrer, e mais, é imprescindível que seja percorrido.
Portanto, no dia 27 de Março não me felicite… se na tua atitude e no teu comportamento é visível o teu querer em manter o teu status quo e os teus privilégios que uma sociedade machista te incutiu em desfavor dos outros, ou melhor, das outras… Não me felicite se o teu comportamento e as tuas acções te denunciem como mais um que não vê, não considera e não trata as mulheres como igual no campo de direitos e oportunidades… Não me felicite, ou melhor, não nos felicitem…
 

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