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Política

MpD admite estatuto para a primeira-dama, PAICV contra

O MpD admite discutir um estatuto para a cônjuge do Presidente da República (PR), no quadro do debate sobre os titulares de cargos políticos no Parlamento. Tal hipótese acaba de ser lançada para a arena pública pela primeira-dama Lígia Fonseca, estendendo essa faculdade aos presidentes de câmara. O PAICV, esse, através do seu grupo parlamentar, lembra que cônjuge de titular político não é eleito.
Fernando Elísio Freire, líder parlamentar do MpD, disse ao A NAÇÃO entender a proposta de Lígia Fonseca, na medida em que ela é solicitada, todos os dias, para várias acções de solidariedade e não há um quadro legal que regule as despesas da cônjuge do PR para esse tipo de evento.
“Ter um estatuto para a primeira-dama permitiria que houvesse uma maior transparência nas questões do Estado, diferenciando aquilo que é público do que é privado”, argumenta o deputado, admitindo colocar essa ideia da primeira-dama a debate no quadro da discussão dos novos estatutos dos titulares de cargos políticos que sobe à plenária na sessão parlamentar deste mês.
O líder parlamentar ventoinha não destoa assim da primeira-dama, que, em entrevista à RCV na última segunda-feira, reivindicou um estatuto para a cônjuge do PR. Um estatuto que, acredita Lígia Fonseca, deixaria tudo mais claro no que diz respeito às despesas feitas pela mulher do Chefe de Estado em acções de solidariedade e outras actividades para as quais é chamada com frequência. A primeira-dama vai mais longe e defende igualmente estatutos para as/os cônjuges dos/das presidentes das câmaras municipais, com a idêntica argumentação de que elas ou eles, não sendo eleitos, dedicam também parte do seu tempo a actividades públicas a pedido de diversas instituições de cariz social e não só.
PAICV contra
Mas, o PAICV não está por aí virado. Questionado pelo A NAÇÃO sobre uma tal possibilidade, o líder dessa bancada desse partido, Felisberto Vieira, escusou-se  a entrar em grandes discussões nessa matéria, demonstrando prudência por dizer desconhecer, ao pormenor, a posição de Lígia Fonseca. Entretanto, Vieira lá foi dizendo que um estatuto para a primeira dama não entraria no debate sobre os titulares de cargos políticos, até porque ela não é eleita.
Quem não fugiu à discussão foi o primeiro-ministro que já recomendou cuidado e contenção a Lígia Fonseca nas questões relacionadas com a política interna do país. José Maria Neves mostrou-se assim incomodado com as declarações da primeira dama e fez questão de reiterar que num sistema político como o nosso, em que o Parlamento (e não a Presidência da República) tem um papel central, a cônjuge do PR, não sendo eleita nem agente político, não deveria ter esse grau de interferência em assuntos dessa natureza.
De longa data
A discussão sobre o papel que se reserva a Lígia Fonseca enquanto primeira dama vem de Outubro 2011, logo após o marido, Jorge Carlos Fonseca, assumir a Presidência da República. Na altura, o então bastonário dos Advogados, Arnaldo Silva, defendeu, em declarações ao jornal A Semana, que Lígia Fonseca deveria deixar a advocacia enquanto fosse primeira-dama. Silva sustentava a sua tese discorrendo sobre um possível conflito que poderia surgir entre ser a cônjuge do PR e, enquanto advogada, ter de litigar contra o Estado ou interesses colectivos para defender um cliente em qualquer matéria judicial.
De forma taxativa, Arnaldo Silva alertava para uma situação de “incompatibilidade, mesmo que a lei não a preveja”. Argumentava que não fica bem à esposa do PR, que é simultaneamente advogada, litigar contra o Estado, mesmo em matéria cível; pior ainda em matéria criminal. Para além disso, Silva reiterava que a esposa do PR deveria evitar situações pouco confortáveis, “como a de se sujeitar a demandas ou outros tipos de confronto inerentes à profissão de advogado”.
Colocada a discussão nesses termos, Lígia Fonseca contra-argumentou na altura que sabia e sabe separar as coisas e que “considerando este quadro legal e a Constituição da República”, durante toda a campanha para as presidenciais, tivera o “cuidado” de se apresentar e tornar pública a sua posição de continuar a exercer a profissão de advogada. Lígia lembrava que, em mais de duas décadas como advogada, nunca foi apresentada contra ela “uma única queixa pelo exercício” da sua profissão e que “sempre soube definir a melhor forma desse exercício nos diversos contextos da minha vida”.
Discussão jurídica ou de foro classista à parte, já naquela altura, questionava-se por que razão ninguém se havia lembrado de criar um estatuto de primeira-dama, à semelhança do que acontece com cônjuges dos chefes das missões diplomáticas. Nesses casos, o Estado garante um salário aos maridos ou às mulheres das/dos diplomatas, justamente para evitar que exerçam actividades que não conjugam com a sua posição política.
Ora, pessoas próximas do MpD sugerem que um estatuto desse tipo poderia ser interessante porque estabeleceria não só um regime remuneratório, como também as incompatibilidades para as cônjuges do PR. Ou traria  transferência à gestão da coisa pública, porquanto haveria de separar aquilo que fosse despesas para as actividades públicas do foro privado, como preferem dizer tanto Fernando Elísio Freire como Lígia Fonseca.
Só que estender tal estatuto a cônjuges de presidente das câmaras municipais seria um exagero, defende mesmo quem concorda com um estatuto para a primeira dama. Isso porque, por um lado, não raras são as mulheres ou os maridos das ou dos autarcas que tenham uma intervenção social que justifique essa “distinção”. Por lado outro, a mesma ordem de razão poderia ser invocada pelas/os cônjuges das ministras ou ministros, a começar pelo Primeiro-ministro. E daí poderia resultar uma espécie de caos em termos de contas públicas, mas também direitos adquiridos e outros quejandos, num Estado que precisa conter e disciplinar os seus gastos.
O certo é que Lígia Fonseca trouxe a questão a debate no momento em que se discute o novo Estatuto dos Titulares do Cargos Políticos e há quem observe que não existe ingenuidade política nenhuma por trás dessas declarações. Até porque a primeira dama mostrou-se mais prudente sobre esta matéria em 2011, quando chegou a dizer que não se devia “sobrecarregar” o Estado com mais uma responsabilidade de um regime remuneratório. Volvidos quase quatro anos, agora quer, e nisso pode encontrar no MpD um aliado.

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