Grande parte da povoação da Portela já foi engolida pela lava, que continua a avançar pelo planalto de Chã das Caldeiras, na ilha do Fogo. A preocupação é agora a povoação da Bangaeira. Imagens de satélite ajudam a ver por onde já se estendeu a lava.
No passado, o vulcão da ilha do Fogo já tinha aprofundado os laços entre Cabo Verde e Portugal. Ao entrar novamente em erupção, na manhã de 23 de Novembro, intensificou essa colaboração em várias frentes. Numa delas, as autoridades cabo-verdianas solicitaram ajuda para monitorizar a erupção vulcânica e, em resultado disso, Portugal requisitou à União Europeia a activação de um serviço de protecção civil baseado em satélites de observação da Terra: a todos os satélites que passem por cima do território cabo-verdiano foi pedido que recolham imagens da ilha do Fogo — e, claro, do seu vulcão cuja lava já engoliu o núcleo central da povoação da Portela.
Pelo caminho que já leva nestes 11 dias desde o início da erupção vulcânica, a lava cortou estradas, destruiu o recém-inaugurado edifício do Parque Natural da ilha do Fogo, galgou cisternas, currais e casas de apoio à agricultura e avançou por um hotel e pela escola básica da Portela — e neste momento já engoliu grande parte desta povoação que fica em Chã das Caldeiras, o enorme planalto a 1600 metros de altitude localizado no interior da caldeira do vulcão e rodeado por uma grande encosta. Dentro da caldeira ergue-se ainda o cone do vulcão antigo, até 2829 metros, e é no seu sopé que a terra se abriu e a lava está agora a sair.
“Aconteceu o que se temia: a destruição do núcleo central da povoação de Portela. Sobram algumas infra-estruturas importantes: a igreja e a adega”, informa-nos o geofísico João Fonseca, do Instituto Superior Técnico (IST), que tem gerido na retaguarda, em Lisboa, uma missão científica portuguesa em curso ao vulcão. “A última informação que tive foi que a frente de lava na povoação estava parada esta manhã [de quarta-feira], mas tudo se pode ainda alterar de um momento para o outro. Acresce que há outra povoação contígua com Portela, a Bangaeira, que é agora a principal preocupação”, acrescenta.
“A situação continua complicada, de acordo com relatos de observações”, diz-nos também o geofísico Fernando Carrilho, chefe da Divisão de Geofísica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), instituição que já enviou para a ilha do Fogo dois investigadores e cinco estações sísmicas portáteis de banda larga, também em resposta a um pedido de colaboração de Cabo Verde. Estas estações vão registar os tremores de terra provocados pelos movimentos de magma no interior do vulcão, permitindo perceber o estado da erupção.
“É de lamentar a destruição de parte significativa da aldeia da Portela — sem vítimas. Houve a evacuação e tem havido um bom trabalho da protecção civil local”, refere ainda Fernando Carrilho, um dos coordenadores da referida missão. “A lava é lenta, mas prossegue o seu curso.”
Em Chã das Caldeiras vivem cerca de mil pessoas, na Portela e na Bangaeira, igualmente evacuada e situada já no declive nordeste da ilha. A terra no interior da caldeira do vulcão é fértil, por isso cultiva-se aí feijão, batata, milho, frutas e mesmo vinha. É um dos poucos locais em Cabo Verde onde é possível fazer vinha, da qual se produz um vinho importante para o sustento das populações.
Tal como em 1995, a última vez que o vulcão acordou ao fim de 44 anos de dormência, os habitantes de Chã das Caldeiras tiveram de abandonar as suas habitações. Levaram literalmente a casa às costas. Mobília, colchões, fogões, frigoríficos e até janelas e portas foram tirados das casas para lugares seguros, levados aos ombros ou em viaturas. Nem porcos e vacas ficaram para trás.
Mesmo da adega de Chã das Caldeiras, que por agora o avanço imperturbável da lava poupou, começaram por ser retiradas cerca de mil caixas de vinho para o exterior da caldeira vulcânica. E esta quarta-feira a azáfama foi grande a transferir mais de 150.000 litros de vinho que se encontravam em barris para um local seguro, noticiou o jornal cabo-verdiano A Semana. “Nesta manhã de quarta-feira, as lavas caminham lentamente em direcção às igrejas católica e adventista e estão a menos de 50 metros da adega de vinho”, lê-se no artigo.
Está também a iniciar-se uma onda de solidariedade com a população de Chã das Caldeiras, declarada zona de catástrofe pelo Governo cabo-verdiano. Em Lisboa, a União das Cidades Capitais de Língua portuguesa lançou uma campanha de apoio através do envio de bens (alimentos, roupa, produtos de higiene, materiais escolares e hospitalares ou tanques para depósitos de água de consumo) para a sede da Cruz Vermelha de Cabo Verde, na cidade da Praia, bem como do depósito de dinheiro numa conta aberta por esta instituição no Banco Caboverdiano de Negócios.
Chegou igualmente esta quarta-feira à cidade da Praia, a capital do arquipélago na ilha de Santiago, a fragata portuguesa Álvares Cabral, com 201 militares, entre fuzileiros, mergulhadores, médicos e enfermeiros e pessoal para operar o helicóptero que tem a bordo. Esta quinta-feira a fragata — com missão planeada para 15 dias, com possibilidade de prolongamento — dirigir-se-á para a ilha do Fogo, onde prestará apoio médico e humanitário, nomeadamente com o desembarque de material de primeiros socorros e assistência médico-sanitária, alimentos e água.
Fenómeno visto de várias maneiras
Voltando aos laços científicos: além da contribuição do IPMA, a Universidade de Évora enviou outras cinco estações sísmicas portáteis, enquanto do IST e da Universidade da Beira Interior seguiram investigadores para a ilha do Fogo. Entre o equipamento enviado há ainda sete estações de geodesia utilizando o GPS, pertencentes à Universidade da Beira Interior, que vão medir em tempo real as deformações do terreno, para dar indicações sobre a dinâmica do magma no subsolo e ajudar a detectar locais de possíveis novas bocas eruptivas.
Numa erupção, a monitorização da lava não podia deixar de estar no centro das atenções. Em resposta a um pedido de responsáveis do Instituto Nacional de Gestão do Território cabo-verdiano, João Fonseca, que acompanhou no terreno a erupção de 1995, acabou por trazer os satélites para a vigilância do fenómeno que, assim, também passou a ser visto do espaço.
Considerou-se no IST que o primeiro passo da vigilância da lava seria a activação do Serviço Copérnico para Gestão de Emergências, criado pela União Europeia e que tem o apoio da Agência Espacial Europeia (ESA) e da Agência Europeia do Ambiente. Em operação desde 1 de Abril de 2012, este serviço destina-se a ajudar na gestão de situações de emergência, como inundações, sismos, tsunamis, tempestades graves, incêndios, desastres tecnológicos, crises humanitárias e erupções vulcânicas. Em Portugal, é à Autoridade Nacional de Protecção Civil que compete fazer essa activação, ocorrida neste caso a 25 de Novembro, dois dias após o início da erupção.
“Nesse serviço, pediu-se a todos os satélites comerciais ou não, da ESA ou não, para se orientarem para essa área geográfica. A ideia é que todos os satélites que passem por ali mapeiem o vulcão o mais possível”, explica a investigadora Ana Paula Falcão, especialista em sistema de informação geográfica do IST e que está envolvida na gestão desta informação obtida por satélite.
“As imagens dos satélites variam muito na resolução e no tipo de informação [que obtêm] — há informação no espectro visível, no infravermelho… O que se vê na superfície é diferente, é como se tivéssemos um filtro nos olhos. A ideia é recolher o mais possível em todos os espectros [electromagnéticos]. São informações que se complementam”, acrescenta a investigadora. “Os fumos e as cinzas vulcânicas são um problema: no espectro visível [o mesmo que vêem os olhos humanos] não deixam ver cá para baixo, a não ser que se use outro espectro.”
Obtidas as imagens pelos satélites, que registam a erupção de várias maneiras, o que o serviço Copérnico faz com elas depois é produzir mapas. “Com escalas, coordenadas e todos os pergaminhos dos mapas”, diz Ana Paula Falcão. “É um serviço gratuito.”
O que pode fazer-se com esses mapas? “Pode-se compreender a evolução das lavas. Nada melhor do que mandar esta informação para quem está em campo e precisa de saber como agir”, responde a investigadora. “Numa perspectiva de preparação dos trabalhos futuros, interessa saber as áreas afectadas e, por exemplo, a que velocidade a que a lava se está a deslocar.”
Algumas dessas imagens foram “desclassificadas” e divulgadas no site do serviço Copérnico (http:/emergency.copernicus.eu). O último mapa disponibilizado até ao início da noite de quarta-feira foi produzido a 1 de Dezembro e mostra bem o fluxo da lava até 29 de Novembro, afectando na altura 261 hectares. Também se via que a lava estava já a chegar à Portela e como esta povoação e a Bangaeira estão juntas.
Noutra imagem ressalta a dimensão estética da erupção, captada na luz visível do espectro electromagnético pelo satélite Landsat-8 a 24 de Novembro, um dia depois de o vulcão ter acordado. Vêm-se os fumos expelidos, o laranja da lava, as nuvens brancas a tapar uma parte da ilha redonda. Esta foi aliás a primeira imagem da erupção analisada pelo serviço Copérnico.
“Erupção pequena”
Nos últimos tempos, as emissões de dióxido de enxofre também têm aumentado e a pluma de cinzas já chega aos 5000 metros de altura. A 29 de Novembro o vulcão atingiu a libertação de cerca de 12.000 toneladas de dióxido de enxofre por dia, segundo medições de cientistas espanhóis do Instituto Vulcanológico das Canárias, que estão na ilha do Fogo. “A emissão de gases vulcânicos reflecte a quantidade, a profundidade e o conteúdo de voláteis no magma existente no interior de um sistema vulcânico e é uma ferramenta importante de monitorização para perceber as mudanças na actividade vulcânica”, explica ainda este instituto em comunicado.
Por enquanto, esta erupção — a 28.ª desde o século XV — não atingiu grandes proporções. “É uma erupção pequena para todos os efeitos”, resume João Fonseca. Tal como foi a erupção de 1995, que fez acorrer à ilha cientistas portugueses, à semelhança do que acontecera na anterior, em 1951, seguida bem de perto por Orlando Ribeiro, grande mestre da geografia portuguesa (1911— 1997).
O vulcão do Fogo costuma jorrar rios de lava a cada 20 anos, em média, e se muito dá aos habitantes da ilha com solos férteis também muito lhes retira durante essas fúrias. De certa forma, é esse sofrimento que o escritor cabo-verdiano Viriato Gonçalves quis salientar num poema que escreveu logo a 24 de Novembro em solidariedade com a sua gente, A Sina da Mulher-vulcão, e que publicou no jornal A Nação: “Aqui estou eu e toda a minha vida/ensacada nesta trouxa onde me sento./Aqui estou eu vergada sob os meus 66 anos/tendo já nas minhas rugas ocorrido/muitas lavas de carência dor sofrimento!”
Por TERESA FIRMINO – Público
Todos os satélites que passam por Cabo Verde estão de olhos no vulcão
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