Elevada a Património Mundial da Humanidade em 2009, Cidade Velha é um dos maiores tesouros históricos e culturais de Cabo Verde, e do mundo. Um tesouro surpreendente, que vale a pena descobrir
A Cidade Velha, outrora denominada Ribeira Grande, foi a primeira cidade colonial fundada pelos portugueses nos trópicos, em 1462, fruto da grande epopeia dos descobrimentos além fronteiras, em busca do novo mundo. Mal sonhavam os navegadores destemidos que a missiva deste novo mundo viria dar origem a um novo povo, ao povo crioulo. Nascido do cruzamento entre os europeus e os negros da costa Africana, que vieram povoar as ilhas de Cabo Verde, este homem crioulo continua a difundir o seu destino de mestiçagem pelo mundo.
Berço da cabo-verdianidade, a Cidade Velha guarda assim o testemunho da história colonial europeia em África e da incontornável odisseia do tráfico de escravos no Atlântico. Assim, à custa da hegemonia do tráfico negreiro, a Ribeira Grande foi-se desenvolvendo, entre casas coloniais e monumentos exuberantes e, em 1553, alcança o estatuto de cidade.
Da grandiosidade à “Cidade Velha”
Mas este estado de grandiosidade económica e social viria a entrar em declínio com a concorrência no tráfico de escravos de outras potências marítimas, como a França e a Inglaterra. Essa decadência viria a acentuar-se com os sucessivos ataques de navios piratas, entre eles, o do famoso corsário inglês Francis Drake, em 1585, e do francês Jacques Cassard, em 1712.
Com os ataques e a queda do império negreiro, a população começa a fugir da Ribeira Grande rumo à Vila da Praia de Santa Maria, actual cidade da Praia. Por fim, a 13 de Dezembro de 1769, a sede de Governo é transferida para a Praia, ditando o fim do primeiro núcleo populacional de Cabo Verde.
Os edifícios majestosos dos tempos áureos deram lugar a uma cidade praticamente inóspita, rodeada de ruínas que ainda hoje guardam misteriosamente os segredos do berço da nação. Nascia assim a “Cidade Velha”, hoje Património Mundial da Humanidade, decretado a 26 de Junho de 2009, pela UNESCO. Este importante galardão originou um maior reconhecimento internacional deste destino santiaguense, que hoje vigora nos melhores roteiros turísticos mundiais.
Partir à aventura
A Cidade Velha fica localizada a cerca de 12 quilómetros de distância do centro da cidade da Praia e é fácil chegar lá. Pode-se alugar uma viatura ligeira ou, de preferência, um jipe, e partir à descoberta deste autêntico museu histórico ao ar livre. Durante os primeiros cinco quilómetros desfruta-se de uma confortável estrada em alcatrão, para depois se enfrentar um piso de calçada regular que conduz à Cidade Velha.
Para trás, fica o traço urbanístico típico de uma cidade capital e no horizonte vislumbra-se um cenário mais árido, que acompanha o viajante até ao destino. Quando menos se esperar, depara-se com uma placa a dizer “Fortaleza Real de São Filipe”. Aqui começa a aventura de um verdadeiro “Indiana Jones” na Cidade Velha.
Junto à Fortaleza, encontra-se o Centro de Interpretação da Cidade Velha onde pode-se requisitar os serviços de um guia turístico por 500 escudos. Ele levar-lhe-á aos meandros da história da cidade através de uma visita guiada a este Forte e ao Convento/Igreja de São Francisco.
Museu ao ar livre
O Forte, rodeado de imponentes muralhas no alto da Cidade Velha, foi restaurado e hoje é possível ter uma noção da divisão do espaço e da vida que outrora habitou este monumento. Aqui fica localizado o famoso “porton di nôs ilha”, uma porta de entrada na Fortaleza que, mais tarde, serviu de inspiração ao grupo musical “Tubarões”.
Deste “portão” tem-se uma vista privilegiada sobre a cidade, lá em baixo, plantada sobre o mar, o Atlântico da escravatura. Por entre o emaranhado de casas sobressaem as ruínas da única Sé Catedral de Cabo Verde, mandada construir em 1556, no episcopado de D. Frei Francisco da Cruz. Hoje, aguarda pela conclusão das obras de restauro, um projecto a cargo do famoso arquitecto português Siza Vieira.
Mas a vista deslumbrante do alto da Fortaleza estende-se além do horizonte. Entre as montanhas, prolonga-se um vale profundo, atravessado por duas ribeiras que se fundem dando origem a um extenso manto verde. Na vegetação exuberante ergue-se a Igreja/Convento de São Francisco e ao longe avistam-se os famosos trapiches de grogue, produzido ainda de forma artesanal, bem ao fundo da ribeira.
Morabeza da população local
Depois de apreciar uma paisagem de cortar a respiração, é tempo de descer à cidade, ao centro urbanístico e histórico para desfrutar da morabeza da população local. A partir daqui a viatura pode ficar estacionada, porque a descoberta é feita a pé. À chegada, a inconfundível presença do Pelourinho, símbolo da “justiça” real da altura, onde os escravos eram castigados.
É nesta praça central que se movimenta a vida da Cidade Velha. Aqui pode-se comprar artesanato local e da costa africana, que se multiplica de vendedor em vendedor, ou simplesmente sentar numa das várias esplanadas à beira mar e saborear uma moreia frita, enquanto se imagina os saques dos corsários. A moreia é um petisco tipicamente crioulo, com um toque da malagueta das ilhas, que pode ser acompanhado de um ponche ou grogue tradicional – o mel dos deuses crioulos.
A próxima paragem é a Rua Banana, do lado esquerdo da ribeira, junto à praça central. Esta foi a primeira rua de urbanização portuguesa nos trópicos e é a rua mais antiga de Cabo Verde e foi alvo de várias obras de restauro, mantendo o traço original. Se se quiser, é possível passar a noite numa destas casas rústicas.
Na rota dos monumentos
A Rua Banana conduzir-lhe-á à Igreja de Nossa Senhora do Rosário. Um dos edifícios mais antigos da Ribeira Grande e onde ainda hoje se celebra a Eucaristia Dominical. A sua beleza arquitectónica tem sido elogiada por turistas locais e estrangeiros e tornou-se, à semelhança do Forte, Pelourinho e Rua Banana, um local de passagem obrigatória.
Aqui, é provável que encontre duas das figuras mais carismáticas da Cidade Velha: a Rosalina Barreto e o Padre Campos. Ela é a fiel guardiã das chaves da igreja e já perdeu a conta às vezes que abriu as suas portas para os turistas puderem apreciar a beleza deste património. Dona Rosalina é a pessoa certa para contar as histórias da Cidade Velha, numa ponte entre o passado e o presente.
Mas a viagem continua. Depois da igreja, um pouco mais à frente, sempre a subir, vamos encontrar o Convento/Igreja de São Francisco. Rústico e imponente foi restaurado há cerca de 10 anos com o apoio da Cooperação Espanhola, uma forte parceira do Património na Cidade Velha.
Agora, para além dos painéis informativos que dão vida à história, este edifício é palco de várias iniciativas culturais que acentuam o papel que uma cidade Património Mundial deve ter. O roteiro não termina aqui. Se se continuar a subir a ribeira, encontra-se levadas de água e árvores de mangas a perder de vista. Com sorte, ainda se consegue trazer algumas de volta para a Praia.
Cidade Velha é um tesouro a descobrir
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