Tem 66 anos, mas diz que se sente um jovem de trinta. Autodefine-se também como um “empresário sonhador”, por acreditar que “na vida há coisas mais importantes que o dinheiro”. Agostinho Abade, assim se chama, lidera o Grupo Oásis, dono de vários hotéis em Cabo Verde, nas ilhas do Sal, Santiago, São Vicente e Boa Vista. É português mas afirma-se, igualmente, um “cabo-verdiano” de coração e, como tal, vibrou com o desempenho dos Tubarões Azuis na última CAN.
De Cabo Verde Agostinho Abade gosta sobretudo da cultura – a começar pela música, como também da história. “Só um povo com uma história tão rica como a cabo-verdiana consegue o que tem, apesar da natureza madrasta”, afirma. “Cabo Verde é hoje um país de rendimento médio e isso é fruto do trabalho do seu povo, da clarividência dos seus dirigentes”.
Dos artistas, este “empresário com alma de artista”, como também se autodefine, diz-se amigo de Tito Paris, Lura, Sara Tavares, Nancy Vieira, Sandra Horta e outros mais; dos políticos, tem Amílcar Cabral como grande referência, ao mesmo tempo que fala de Pedro Pires e outros “vultos” com desenvoltura. Vê-se que é um homem politizado, não fosse ele um “socialista democrático” ou, se se quiser, um “social democrata de esquerda”.
“Há um vulto cabo-verdiano que teve um papel extremamente importante na história recente de Cabo Verde – o comandante Pedro Pires, pessoa de quem me considero amigo e que muito admiro”, confessa. “Ele soube aliar um certo pragmatismo com o idealismo, numa altura extremamente difícil, marcada pela Guerra Fria. Veja como ele lidou com a questão dos aviões sul-africanos no Sal. Contra todas as pressões, da OUA inclusive, ele percebeu que nisso estava a independência de Cabo Verde. Neste caso em concreto, pesou mais a sobrevivência de Cabo Verde do que o idealismo. Ele percebeu que os aviões da SAA eram uma fonte importante de receitas que Cabo Verde não podia abrir mão”.
A admiração de Agostinho Abade pelos “vultos” da história cabo-verdiana não fica pelo seu amigo Pedro Pires. “Cabo Verde tem outros vultos igualmente importantes, casos do seu primeiro presidente, Aristides Pereira, mas também de lideres mais novos, como o antigo primeiro-ministro Carlos Veiga, ou do actual, José Maria Neves… Este, apesar de muito jovem, vem de uma escola política importante, tem com ele todo o lastro do PAIGC/CV, mas também uma sólida formação académica adquirida numa das mais importantes universidades do Brasil, a Fundação Getúlio Vargas. Ele próprio, no fundo, é a prova do investimento que os pais da independência fizeram nos recursos humanos”.
Todos os nomes atrás mencionados, entende Agostinho Abade, deram o seu melhor para Cabo Verde ser o que hoje é. “Amílcar Cabral não conheci, mas também devia ser um grande sonhador, um vulto de uma cultura evoluidíssima, com uma grande clarividência. É por causa de homens como ele, mas também Pedro Pires e outros mais, que eu admiro Cabo Verde, admiro o seu povo, a sua história, a sua cultura.”
Confiante e optimista
No entanto, e apesar dos ventos, Agostinho Abade mostra-se confiante em relação ao futuro de Cabo Verde. “Cabo Verde tem grandes valores humanos, é um país seguro, democrático, estável, onde os movimentos de capitais se fazem facilmente. Está integrado numa região económica, África Ocidental, com grande potencial”.
A par de Cabo Verde, o Grupo Oásis está também presente no Brasil, mais concretamente no Ceará e conta estender-se a Angola – aliás, Agostinho Abade acha que os países de língua oficial portuguesa, os “CPLP”, estão fadados a constituir um importante bloco económico neste momento em rápida reconfiguração mundial. “Veja o crescimento que Moçambique está a ter, Angola, Brasil… Neste ritmo, imagine o que será desses países dentro de 20 anos. Mesmo Cabo Verde, apesar da sua dimensão, mas o facto de poder funcionar como um porta-aviões na África Ocidental, cria-lhe importantes perspectivas de futuro”.
Ainda no que a CPLP diz respeito, Abade entende que é preciso uma maior circulação de pessoas e bens entre os países que formam essa comunidade afro-luso-brasileira e timorense. “No dia em que isso acontecer vamos ter uma verdadeira comunidade de povos”, acredita.
“Mais do que uma comunidade de políticos, precisamos é de uma comunidade de cidadãos e empresários”, prossegue. “Não faz sentido Portugal ter livre acesso com o Leste da Europa e haver dificuldades para as pessoas de Cabo Verde, Angola, Moçambique, por exemplo, para se entrar em Portugal. O problema, a nível da CPLP, é que os governos não passam à prática a implementação dos princípios que levaram à criação da Comunidade”.
E no que toca a Cabo Verde, apesar de uma ou outra preocupação, Agostinho Abade mostra-se optimista. “Cabo Verde é um país fantástico. A natureza é um pouco madrasta mas, mesmo assim, é um país que conseguiu importantes ganhos. É bem gerido e visto com bons olhos pelo mundo. É por isso que digo: estou confiante, até porque Cabo Verde é o meu segundo país”.
Parceria pelo turismo
Abade tem, contudo, algumas preocupações quanto ao futuro do turismo em Cabo Verde. Teme a massificação do sector, com base num “turismo fechado”, que pouco ou nada interage com a população, com a economia local, a cultura, etc. “Neste sistema, para o turista, estar em Cabo Verde ou nas Caraíbas, é praticamente o mesmo. É mau”.
De acordo com os números, Cabo Verde registou em 2012 pouco mais de 500 mil turistas, e Abade acredita que a barreira de um milhão poderá ser ultrapassada em pouco tempo e que nisso há que tomar medidas correctivas para evitar certas derrapagens. “O turismo é bom se ajuda a criar uma classe média grande e forte, com possibilidades de negócios locais nos mais diversos domínios. É bom que o turismo viva dos produtos cabo-verdianos, a começar pela sua cultura”, alerta.
E ao contrário também de outros operadores, apesar das críticas às medidas recentemente adoptadas pelo Governo e que criaram mal-estar no sector, o presidente do Oásis entende que só com um “djuntamon”, isto é, com o esforço de todos, será possível melhorar a oferta “Cabo Verde” enquanto destino turístico.
“É natural que haja uma certa parceria entre nós, operadores e Governo. Há coisas que podemos fazer, enquanto particulares, para ajudar a resolver certos problemas que o turismo cria; e, ao fazê-lo, estaremos a melhorar a nossa oferta turística. O Governo, por sua vez, deve agir com parcimónia, vendo em nós um parceiro útil, que também deseja o desenvolvimento de Cabo Verde. De resto, apesar dos problemas que possam existir, Cabo Verde tem muitos pontos positivos: o clima, a morabeza da população, a cultura, a segurança, a estabilidade do país…”, refere.
Agostinho Abade: “Cabo Verde é um país fantástico…”
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