Por: António Jesus Lima*
1.Origem das práticas consulares cabo-verdianas
As práticas consulares cabo-verdianas foram herdadas de Portugal, tendo como base o regulamento consular português editado na década de vinte do século passado, bem como a tabela de emolumentos consulares que, desde a abertura dos primeiros postos consulares, foram adoptados praticamente sem qualquer adaptação.
Entretanto, isso não impediu que Cabo Verde tivesse tido outras influências, nomeadamente a francesa, cuja literatura ligada à área serviu para que o país desse os primeiros passos nas lides consulares. Pode-se, igualmente, falar de influência brasileira e argelina, sendo de realçar que, alguns dos primeiros cônsules do país terão feito uma curta formação na Argélia, porque, alegadamente, esse país do norte de África já teria, na altura, uma boa cultura de organização das suas comunidades emigradas.
2.Práticas díspares no funcionamento dos Postos Consulares
Registamos, assim, práticas diversas no tratamento de questões consulares. Cada Posto/Secção Consular foi consolidando o seu próprio sistema de funcionamento, constituindo a facturação das receitas consulares um dos elementos importantes na alimentação dessas disparidades. As tentativas de uniformização não têm resultado porque lhes faltam um elemento primordial que é a sistematização das práticas num único instrumento de trabalho que possa eliminar ou corrigir aspectos que alimentam tais disparidades.
3.A Tabela de Emolumentos Consulares (TEC) de 1989
O Decreto nº63/89, de 14 de Setembro, aprovou a Tabela de Emolumentos Consulares (ainda em vigor), mas não introduziu uma certa almejada uniformização de critérios na cobrança de receitas consulares e até mesmo no modo de funcionamento dos serviços consulares. O pomo da discórdia residia na fixação do câmbio consular, ou seja, a respectiva correspondência das moedas em que são cobrados os emolumentos e o escudo cabo-verdiano.
Ao não se conseguir a fixação de câmbios consulares que assegurassem, sem redução, o fluxo de receitas consulares e que também tivessem em conta as oscilações cambiais, a TEC ficou quase letra morta, servindo mais como orientador na elaboração de tabelas individuais a cada Posto Consular.
4.As exigências actuais
Entretanto, o estádio de desenvolvimento a que o país chegou, exige acções mais elaboradas e concertadas entre os diversos Postos Consulares, mormente se tivermos em conta as funções que lhes incumbem no processo de desenvolvimento económico de Cabo Verde, nomeadamente a promoção do turismo e do investimento estrangeiro. As disparidades actuais revelam-se incompatíveis com este processo e há a necessidade urgente de melhorar essa forma de actuar e de funcionar. Para isso, o que devemos fazer?
a)A revisão da TEC
Todos os Postos Consulares estão enfrentando dificuldades nas respectivas tabelas de emolumentos, sobretudo no que diz respeito à cobrança dos vistos de entrada em Cabo Verde, exactamente porque o Decreto Legislativo nº3/2005, de Agosto, consagra uma prática que briga com o que até então vigorava. Ou seja: por um lado, a concessão de vistos nas fronteiras passa a ser uma regra em vez da excepção e, por outro, por enquanto, os estrangeiros que optarem por requerer o visto nos postos fronteiriços vêm-se isentos das sobretaxas anteriormente previstas.
Como consequência são constantes as reclamações junto dos Postos Consulares que quase se sentem tratados como estando a roubar aos utentes, na medida em que os valores cobrados nesses postos são de longe superiores aos cobrados nas fronteiras do país, quando deveria ser o contrário.
Espera-se que a nova TEC contribua para reverter a situação! Porque, salvo os casos previstos na lei, a concessão de vistos de entrada no território nacional nos postos fronteiriços deve continuar a ser uma excepção e não uma regra.
A nova TEC introduzirá um aspecto inovador no sentido de que, em relação ao Euro, o câmbio consular ver-se-á eliminado a favor do câmbio bancário, sem que, contudo, haja uma redução no fluxo das receitas consulares!
Em relação aos países de uso corrente do dólar será necessário estabelecer um câmbio consular para, por um lado, ter em conta as flutuações cambiais dessa moeda e, por outro, para manter o equilíbrio do fluxo das receitas consulares. A referência para o efeito é a tabela em uso nos Postos Consulares nos EUA.
Desta forma, será possível corrigir uma das principais disparidades no funcionamento dos Postos/Secções Consulares. Está-se, neste momento, a trabalhar no cálculo da incidência da nova TEC na arrecadação de receitas. Devo, entretanto, confessar que não é um trabalho fácil, tendo em conta que cada Posto Consular tem a sua própria tabela, conforme a situação atrás referida.
b)Manual/Regulamento Consular
Ficará a faltar um Manual Consular que estabelecerá o modo de actuação de todos os serviços e funcionários consulares. O país dispõe de quadros capazes e com experiência para a elaboração de um bom manual num curto período de tempo.
Para tal, considero que deve-se retomar com urgência o trabalho que vinha sendo desenvolvido por uma comissão criada para o efeito desde 2002. Esse trabalho deve ser aperfeiçoado, desenvolvido e executado em nome da disciplina e do prestígio do país. A colaboração da DGRN (Conservatória dos Registos Centrais, Cartório Notarial), da Capitania dos Postos e, eventualmente, da Direcção da Polícia Nacional, será de extrema importância.
5.A modernização dos serviços
Os avanços tecnológicos têm proporcionado instrumentos vastos para a melhoria substancial da capacidade de trabalho e de resposta que o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades ainda não tem sabido aproveitar convenientemente.
Um exemplo disso é o facto de o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Comunidades não dispor de uma página web quando deveria ser a primeira instituição do país a dispor desse recurso tendo em conta as suas características e responsabilidades que lhe cabem no xadrez político nacional.
Essa página web, permitiria, entre outras, uma maior aproximação aos serviços externo e informação da diáspora cabo-verdiana assim como uma grande dinâmica na implementação da diplomacia económica. Entretanto, embora seja uma questão largamente discutida com o NOSI, ainda nem se vislumbra para quando a sua concretização.
Nota-se, todavia, alguns avanços nos serviços externos, nomeadamente as Embaixadas em Lisboa, Berlim e Washington que dispõem de sítios na Internet. Para além disso, a partir do programa informático instalado na Embaixada em Lisboa, outras Representações esforçaram-se para a instalação desse mesmo programa e, outras ainda criaram o seu próprio programa, tendo por base os serviços consulares. Resulta daí uma maior celeridade no tratamento das demandas dos utentes, economia de recursos (humanos e materiais) e, bem entendido, uma maior produtividade.
Se, por um lado, conseguiu-se resolver um problema – o que acabámos de mencionar, por outro, mantém-se a questão da uniformização dos critérios de funcionamento que, como já se viu, é uma questão que sempre se teve em conta na estruturação dos serviços consulares, mas que, infelizmente, não se logrou de forma desejada.
Um programa informático único para todos os serviços consulares é o que o país precisa e acredito que seja a melhor maneira de se atingir essa uniformização. Os serviços consulares relacionam-se com várias instituições nacionais (Registos e Notariado, Emigração e Fronteiras, as Alfândegas, etc.), com as Finanças e o Tribunal de Contas no que se refere à prestação de contas, com as comunidades e com estrangeiros que os demandam, quer para obtenção de vistos de entrada em Cabo Verde ou outro serviço qualquer, quer para se informarem das oportunidades de negócios em Cabo Verde. Sendo assim, quando as coisas são feitas ao gosto ou entendimento de cada um, o mínimo que disso se pode concluir é de que funcionamos num ambiente de desorganização generalizada.
Para pôr cobro a esta situação está em curso o aperfeiçoamento do programa informático da Embaixada em Lisboa que, depois de concluído e testado, será instalado em todas as Embaixadas e Postos Consulares. Aliás, esse programa tem de ser retocado, uma vez que está à beira de colapso. O trabalho será feito pelo NOSI que fez já um diagnóstico da situação prevalecente, estando-se a trabalhar para que, até o fim deste ano, todos estejam a funcionar pelo mesmo padrão.
Por outro lado, pretende-se fazer uso dos trabalhos que os Registos e Notariado estão a desenvolver com o NOSI. Gostaria apenas de adiantar que esse trabalho não só vai facilitar imensamente a tarefa dos serviços consulares, mas também beneficiará aos utentes cabo-verdianos no que diz respeito à obtenção de documentos, nomeadamente, sobre o estado civil.
A modernização dos serviços consulares também não deve negligenciar a melhoria das condições físicas de trabalho dos funcionários. Aliás, é o que já se fez em Paris e está-se em vias de concretizar em Roterdão.
6.Custos/benefícios
Um outro aspecto a ter em conta é o custo das inspecções às Representações que, de acordo com o Regulamento Financeiro das Missões Diplomáticas e Postos Consulares, não podem passar mais de dois anos sem ser inspeccionadas. Não tem sido assim, mas graças aos esforços feitos nos últimos dois anos, está-se já quase a chegar à normalidade legal. Só no ano passado foram sete acções, estando oito agendadas (mas poderão ser 9 ou 10) para este ano. Portanto, essas ferramentas informáticas devem ser utilizadas para se reduzir, ao mínimo, estes custos.
O NOSI está a desenvolver, com o Ministério das Finanças, trabalhos de controlo financeiro e pretende-se que esse mesmo trabalho seja feito com as Embaixadas e Consulados de modo a que as missões de inspecção sejam reduzidas ao mínimo necessário, ou seja, apenas para a confrontação de documentos quando isso seja efectivamente necessário. Quer dizer que o MNEC e o MFAP têm de poder exercer permanentemente este controlo, permitindo, assim, fazer, em tempo oportuno, as necessárias correcções dos desvios à norma entretanto verificados.
Igualmente, pretende-se que os Postos Consulares funcionem on-line com a DEF e, eventualmente, com o Arquivo Nacional de Identificação Civil e Criminal, o que permitirá resolver com a maior celeridade possível as questões de identificação de pessoas, de transmissão de dados relativos à emissão de documentos de viagem, à concessão de vistos, mas também permitirá ao país prevenir-se de eventuais situações indesejáveis.
7.A rede consular
Muito se tem falado da rede consular e, no que diz respeito à agenda diplomática para a Embaixada em Lisboa, considero que a melhor maneira de resolver a questão consular em Portugal passaria não só pela instalação do Consulado Geral em Lisboa, criado em Novembro de 1995, mas também pela criação de pelo menos mais um consulado de carreira.
É de se reconhecer que os serviços na Embaixada (a Secção Consular) melhoraram bastante nos últimos anos, mas ainda estão muito aquém do desejável. O espaço reservado aos serviços consulares não tem a dignidade condizente. Em qualquer época do ano há sempre problemas de acomodação das pessoas, e quer queiram quer não, os funcionários sentem-se sempre pressionados com tanta gente quase por cima deles.
Alguém terá aconselhado que é preciso ter cautela porque isso pode não ficar política e diplomaticamente bem uma vez que o país tem uma Embaixada em Lisboa. Nada disso! Pode-se ter quantos consulados forem necessários num determinado país porquanto é preciso ter em consideração que um consulado é um serviço administrativo (“extensão externa do serviço público”, como se diz em diplomacia). A título de exemplo, basta ver quantos consulados Portugal possui em França ou até mesmo na vizinha Espanha.
Creio que esta questão também encaixa-se perfeitamente na modernização dos serviços que almejamos. Portugal é o nosso maior consulado e, repetimos, não está sendo servido da melhor maneira.
Face às questões atrás referenciadas, passo a resumir alguns aspectos, visando uma melhor clarificação, aprofundamento e o bom exercício das funções consulares:
1. O câmbio consular para o Euro é o câmbio bancário (1€=ECV110,265). Em virtude da paridade fixa entre as duas moedas não há preocupações quanto à oscilação cambial que, eventualmente, pudesse influenciar negativamente na arrecadação de receitas. Para o dólar há que fixar um câmbio que garanta uma certa estabilidade na cobrança de receitas pelo menos durante alguns anos;
2. Desde a sua primeira versão, a proposta de revisão da TEC traz um quadro de utilização prática com todas as taxas adicionais previstas (emolumentos+compensação/pessoal+imposto de selos+taxa de reembolso) para cada acto consular. Como é óbvio, há certos actos que, pela sua natureza, não são possíveis de constar nesse quadro, nomeadamente quando os emolumentos a cobrar tenham em conta o número de intervenientes no acto ou dependem do valor do acto e suas fracções sobre os quais devem incidir os cálculos;
3. A escolha de Portugal como base de trabalho para a modernização dos serviços deve-se aos seguintes factores: o programa informático utilizado na Embaixada em Lisboa, que já foi adoptado por algumas Embaixadas e Consulados, tem a sua maior aplicação na Secção Consular dessa Embaixada e, pela quantidade e diversidade dos actos praticados, tudo leva a crer que é o melhor posto para se ter a maior abrangência possível da aplicação do programa;
Por outro lado, uma vez que esse programa custou muito dinheiro, não faz sentido desenvolver outro de raiz já que o seu constante aperfeiçoamento permite acompanhar o programa geral de modernização do Estado de Cabo Verde em curso. Todos serão chamados a se pronunciarem sobre esse processo no período de teste da sua praticabilidade e adaptação a todos os postos consulares.
4. A prática de pagamento dos emolumentos dos vistos através do Banco, adoptada pela Embaixada de Cabo Verde em Brasília parece ser óptima. Por esta via, pode-se prevenir uma série de problemas nomeadamente, o extravio no caso de envio de dinheiro pelos correios, o pagamento com moedas falsas, cheques sem cobertura, etc. O próprio utente pode sentir-se mais seguro. Aliás, é uma prática que vem sendo seguida por outros países;
5. Os vistos em passaportes ordinários são sempre passíveis de pagamento de emolumentos. O Chefe de Missão/Posto Consular decide sobre a concessão de vistos de cortesia em passaportes ordinários ou de serviço. Tratando-se de pessoas/funcionários que alegam missão de serviço, a decisão deve ter sempre por base uma nota do respectivo serviço a justificar esta circunstância. Não deve ser o interessado a solicitar um visto de cortesia! No caso das empresas, a ponderação fica por conta de cada Chefe de Missão/Posto Consular, mas é preciso ter em conta que as empresas, geralmente, assumem todas as despesas dos seus trabalhadores em deslocações, incluindo as dos vistos quando forem necessários. Porém, o pedido de visto por parte de diplomatas (passaporte diplomático), deve merecer um tratamento diplomático mesmo, quaisquer que sejam as circunstâncias em que o pedido é feito;
6. Não há um modelo de vistos regulamentado – nem em forma de carimbos nem de autocolantes – o que faz com que cada posto tenha o seu próprio modelo. Talvez, por isso mesmo, os autocolantes adoptados por alguns postos não tenham a garantia de que a sua utilização seja segura. Este é um assunto a ter em conta no âmbito da reestruturação dos serviços e em coordenação com a DEF;
7. O Chefe das Secções Consulares responde pelos seus actos no exercício das suas funções. Daí que devem ter uma certa autonomia de modo a poderem introduzir nos serviços que dirigem as inovações que entendam beneficiar esses serviços e os seus utentes. Muitas vezes, a demasiada intromissão do Chefe de Missão pode ser um factor que leva a uma deficiente prestação duma Secção Consular;
8. Tanto as fichas de passaportes como os formulários de pedido de vistos foram fixados pelo MAI. Entretanto, todos estamos de acordo de que essas fichas precisam ser mais desenvolvidas de modo a poderem fornecer mais elementos sobre as pessoas a que se referem. Esta questão pode ser apreciada no quadro da preparação da nova Portaria sobre os vistos de entrada em Cabo Verde;
9. Com a nova TEC, o quadro da sua utilização prática vai permitir eliminar algumas dificuldades nos cálculos, a uniformização dos modelos de recibos e na elaboração dos balancetes. Mas não necessariamente terá de ser publicado como um anexo da TEC. Entretanto, não cremos que, no que concerne à contabilidade (mesmo geral), o programa de Lisboa seja o mais adequado uma vez que não está de acordo com as normas que regem a contabilidade nacional.
Seja como for, independentemente da formação do Chefe da Missão/Posto Consular, enquanto primeiro responsável pela gestão do seu posto, este deve ter, ainda que por esforço próprio, noções básicas sobre a organização dos serviços administrativos e financeiros da sua Missão/Posto Consular e é da sua responsabilidade a organização dos processos de contas conforme o estabelecido no Regulamento Financeiro das Missões Diplomáticas e Postos Consulares. Isso, independentemente da formação nesta matéria que deve ser ministrada aos diplomatas e que também julgamos ser de toda conveniência.
10. Em relação aos “postos pequenos”, considero que o trabalho de uniformização e modernização não estará completo se todos os postos não estiverem munidos dos mesmos instrumentos de trabalho;
11. Relativamente à formação dos funcionários em matéria consular, mormente os que devem ser transferidos para o exterior para exercerem na área consular, devem ter como imperativo o bom exercício das suas funções. Daí que todos os funcionários deveriam ter tido a oportunidade de participar no encontro das chefias de Postos Consulares, também como objectivo de formação (atente-se nos temas apresentados e debatidos).
12. Vai-se retomar a ideia da elaboração do Manual Consular que deve contar com a colaboração de todos. Entretanto, como medida imediata, a DGAC deverá debruçar-se sobre uma série de orientações genéricas para os postos consulares com vista a eliminar algumas dúvidas sobre a forma de tratamento de certas questões. De igual modo, caberá à DGPOG, com base em propostas apresentadas, estudar a questão da afectação de recursos (humanos e financeiros) a cada representação.
Uma das preocupações que é praticamente comum a todos é a questão do custo dos vistos ou, melhor dizendo, as contradições existentes na cobrança dos vistos concedidos nos Postos Consulares e nos Postos Fronteiriços.
Felizmente, o parecer do DEF sobre a proposta da nova TEC vai no sentido de os emolumentos dos vistos concedidos nos Postos Fronteiriços serem superiores aos praticados nos Postos Consulares. No entanto, o DEF
é de opinião de que, enquanto não for publicada uma nova portaria, deve continuar a vigorar a portaria de Outubro de 1999.
*Ministro Plenipotenciário