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Opinião

A representação política das mulheres e a “racialização” da sociedade cabo-verdiana

 

Por: Ângela Sofia Benoliel Coutinho *

1. Preâmbulo

Nestes tempos conturbados e inusitados que vivemos, da pandemia do Covid19, aproxima-se também a passos largos o próximo ciclo eleitoral em Cabo Verde. Tal como noutros países, a pandemia vem afectando as mulheres de modo particularmente cruel, e de entre os numerosos problemas que se colocam neste momento às cabo-verdianas, tem vindo a debate público a questão da representação política.

Uma das explicações propostas para a ainda frágil representação das mulheres no espaço político é da chamada “racialização” da sociedade cabo-verdiana. Propomo-nos, assim, debater este argumento de forma tão aprofundada quanto possível, recorrendo à análise de textos diversos e de documentos de arquivo. O que nos diz a produção científica a este propósito e que peso pode ter este argumento na análise do problema da sub-representação de mulheres a nível dos cargos eleitos?

Parece-nos útil e pertinente começar por fazer uma breve análise dos estudos mais relevantes publicados relativos à representação política de mulheres no Cabo Verde independente, sobretudo no período do multipartidarismo. De entre estes encontram-se trabalhos de autoria de Eurídice Furtado Monteiro, Crispina Gomes, e os de minha autoria, Ângela Sofia Benoliel Coutinho.

2. Três estudos

Assim, o primeiro trabalho dado à estampa que trata esta temática é o livro resultante da dissertação de mestrado em Sociologia na Universidade de Coimbra, em Portugal, de Eurídice Furtado Monteiro, intitulado Mulheres, democracia e desafios pós-coloniais – uma análise da participação política das mulheres em Cabo Verde. A obra foi publicada em 2009 pela Universidade pública de Cabo Verde. Nela, a autora analisa a participação política de mulheres no poder político em Cabo Verde, de 1991 a 2006, ou seja, exclusivamente durante o regime multipartidário. Interessa-se não somente pela representação feminina nos órgãos de poder político (portanto, no Parlamento, no Governo e nas Autarquias), mas também pela forma como estas ocupam o espaço político, analisando aspectos como a elegibilidade dos lugares que ocupam nas listas partidárias para as eleições legislativas. O estudo é conduzido com base em análise documental e na realização de diversas entrevistas.

Ao constatar que, no regime multipartidário até 2006, as mulheres não chegaram a representar mais do que 15% dos deputados eleitos para o Parlamento, que uma única mulher tinha sido eleita Presidente de uma Câmara Municipal, em 2004, que nenhuma mulher em Cabo Verde tinha sido Presidente da República nem Chefe de Governo, sendo que ocuparam muito poucas pastas ministeriais, ainda que com uma tendência crescente, e sobretudo nas áreas de Assuntos Sociais, Educação e Cultura e depois também, Pescas e Agricultura, a autora conclui na evidente sub-representação destas a nível do poder político. Ao analisar a participação de mulheres nos órgãos de direcção dos dois partidos que assumiram o poder durante esse regime, a saber, o MpD e o PAICV, conclui na sub-representação e subalternização das mulheres nos partidos políticos como principal factor que explica esta sub-representação de mulheres nos órgãos de poder político no país:

“(…) confirma a hipótese de que, em Cabo Verde, a sub-representação das mulheres nos partidos políticos e a sua presença, na maioria dos casos, em posições de menor destaque, explica a sua sub-representação nos órgãos de poder político (uma vez que o seu acesso ao poder político deve-se em boa medida, à sua relação com os partidos políticos.)”(1)

A autora considera, contudo, outros factores explicativos deste fenómeno, de entre os quais podemos referir a desigualdade de estatuto entre homens e mulheres no espaço doméstico, que condiciona grandemente a disponibilidade destas para investirem mais tempo noutras actividades, a cultura machista, que não admite a participação de mulheres no poder, e o nível de exposição pública dos que assumem funções deste cariz, levando muitas vezes à devassa da vida privada:

“De um modo geral, a sub-representação política das mulheres cabo-verdianas deve-se em boa medida a um conjunto de factores políticos: a organização das actividades políticas, o processo de selecção e ordenação das listas eleitorais, o sistema de partidos e o sistema eleitoral. (…)

(…)

As relações entre os homens e as mulheres estabelecidas no espaço doméstico e a precariedade da situação familiar de muitas mulheres (a problemática das mães solteiras), as desigualdades históricas relativamente à educação das mulheres e a sua condição perante o trabalho, são três principais pressupostos em que assentam as relações sociais de sexo no contexto cabo-verdiano, condicionando a própria participação das mulheres nos órgãos de poder político.”(2)

Trata-se de um estudo que apresenta uma análise aprofundada e fina da questão da participação das mulheres no poder político em Cabo Verde, no regime multipartidário.

Assim sendo, a falta de investigação histórica, na altura em que redigiu o estudo e que ainda persiste, sobre o século XX em Cabo Verde, tanto em relação ao período colonial como às primeiras décadas do pós-independência, não permitiam a qualquer autor reunir elementos para afirmar, como a autora fez, que no quadro da luta pela independência as mulheres cabo-verdianas tiveram a condição de “mulheres-esposas”(3) ou de “mulheres-esposas-mães”. Com efeito, estudos realizados posteriormente revelam que as mulheres cabo-verdianas que militaram pela independência no terreno de guerrilha do PAIGC, na Guiné-Bissau ou ainda na sede deste partido, em Conakry, não só desempenharam, todas elas, funções específicas no quadro da ampla actividade que o PAIGC levou a cabo, como ainda, as que eram casadas estiveram amiúde geograficamente afastadas dos maridos, pois que em regra não trabalharam juntos, e por vezes, até dos filhos que levaram consigo ou que nasceram durante o período do conflito armado, algumas exerceram funções de grande responsabilidade política.(4)

Também discordamos quando afirma que:

“(…) a atitude do Estado de Cabo Verde em relação às políticas de igualdade entre os sexos deve-se bastante a um processo de inspiração exógena.”(5)

Talvez possa ser o caso durante o período do regime multipartidário, contudo, há ainda uma grande falta de conhecimento dos primeiros anos do pós-independência, quando teve início o movimento feminista no país. Os arquivos da primeira organização feminista em Cabo Verde, a Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), formalmente constituída no início da década de 1980, nem sequer estão disponíveis para consulta por parte dos investigadores, de modo que considero que não há um domínio suficiente do contexto histórico do país relativamente a esta temática para se poder chegar à conclusão à qual a autora pretende chegar.

No ano de 2008, num dos três governos do PAICV durante o regime multipartidário, dirigido pelo seu presidente, José Maria Neves, Cabo Verde foi um dos primeiros países no mundo a atingir a paridade no elenco governamental, com 8 ministras, 7 ministros, um Primeiro-Ministro e 4 secretários de Estado. De referir que algumas destas ministras assumiram pastas de peso no Governo, e que não são tradicionalmente atribuídas a mulheres, como a das Finanças, da Defesa, da Reforma do Estado ou a da Presidência do Conselho de Ministros.

Assim, a autora destas linhas publicou em 2010/2011, na revista científica do CODESRIA Afrika Zamani, um artigo intitulado “Women as Ministers and the Issue of Gender Equality in the Republic of Cape Verde”(6), no qual se indaga se a paridade de género atingida a nível do Governo em 2008 reflecte, de algum modo, a realidade de outros sectores da sociedade cabo-verdiana relativamente a esta questão.

Apresentando as estatísticas disponíveis relativas a questões de género no início da década de 2000, procedeu-se a uma análise da assunção de cargos políticos a nível do poder executivo, parlamentar e local desde a independência nacional, em 1975, até 2008, tendo-se concluído que se verificou uma evolução muito paulatina da presença de mulheres a estes níveis, e um quase bloqueio no poder local, com apenas uma mulher eleita Presidente de Câmara num total de 17 autarquias, em 2004, tendo duas mulheres sido eleitas em 2008.

Portanto, em 2008 as mulheres chegaram a representar 60% dos ministros, mas apenas 18% dos parlamentares e 10% dos presidentes de câmara, concluindo-se que houve uma grande disparidade no concernente à representação de mulheres no poder político no país.

Ao comparar-se a realidade cabo-verdiana nessa época com a de outros países africanos, conclui-se que, por exemplo, no Senegal, em 2006, tinha-se atingido uma percentagem semelhante relativa à presença de mulheres no Parlamento (19,2%), tendo esse país condições sociais em princípio, menos favoráveis, se atendermos à influência do Islão, assim como à taxa de literacia e de emprego entre as mulheres, mais baixas então do que em Cabo Verde. Em Moçambique, onde também se verificavam condições menos favoráveis relativamente aos mesmos factores, em 2005 as mulheres representavam já 35% dos parlamentares. Estes resultados são explicados por especialistas pelo facto de a FRELIMO, o partido no poder, ter adoptado uma política de quotas desde 1992, o que nenhum partido tinha ainda feito em Cabo Verde, sendo que no Senegal este sistema foi igualmente adoptado por alguns partidos, desde 2002.

É também referido no artigo que num estudo realizado sobre os critérios de recrutamento ministerial em Cabo Verde, de 1975 a 2008, concluiu-se que a taxa de endogamia política entre as mulheres que integraram o executivo foi de 50%, contra 6% no caso dos homens. Quer isto dizer que um número muito maior de mulheres eram filhas, esposas ou sobrinhas em primeiro grau de homens que já tinham assumido no passado funções equivalentes ou cargos de direcção partidária. Trata-se de uma diferença significativa entre os dois géneros no concernente aos critérios de recrutamento ministerial, que importará compreender de forma mais aprofundada.

Conclui-se, enfim, nesse artigo, que a paridade a nível do governo não espelhava a realidade do país no sector político, em geral, nem na sociedade. Contudo, podia constituir um incentivo a uma política de paridade, desde que os critérios de recrutamento fossem sensivelmente os mesmos para homens e mulheres.

Resultante da tese de doutoramento em Sociologia da autora, defendida na Universidade de Havana, em Cuba, a obra Mulher e Poder – o caso de Cabo Verde, foi publicada em 2011 pelo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro e pela autora, Crispina Gomes.

Discutindo os conceitos de poder, democracia e participação, Gomes enuncia claramente os pressupostos de que parte e os objectivos que pretende atingir:

“Com a independência nacional, as mulheres cabo-verdianas melhoram a sua situação: têm mais acesso à educação e à saúde, mais qualidade de vida, são economicamente mais activas e estão a incorporar-se, gradualmente, nos órgãos de decisão do país.

No entanto, uma simples observação empírica revela que o poder continua, em grande medida, nas mãos dos homens e que o sistema democrático vigente, unido à cultura patriarcal colonial herdada e responsável por atitudes e comportamentos negativos na sociedade, não garante a paridade entre os géneros.

Em síntese: apesar dos indiscutíveis avanços, é baixa a participação política da mulher nos órgãos de poder em Cabo Verde. Tanto qualitativa como quantitativamente, a sua representação é insuficiente em todos os níveis da direcção do país.

Como se empoderou a mulher cabo-verdiana e que contradições enfrenta no exercício do seu direito à participação política? Esta é a pergunta chave que a autora procura responder ao longo da presente obra. (7)

Gomes começa por fazer um historial inédito do movimento feminista em Cabo Verde, desde a luta pela independência até à luta por direitos das mulheres no primeiros anos do pós-independência, apresentando os principais resultados alcançados e trazendo elementos que são muito pertinentes.

Também apresenta e analisa dados estatísticos de indicadores relacionados com a emancipação feminina e a presença de mulheres em diversas áreas profissionais, desde a independência até aos dias de hoje, incluindo as mudanças jurídicas verificadas. Analisa, assim, a participação de mulheres no poder político, desde 1975 até 2006, nomeadamente, nas comissões políticas e direcções nacionais dos partidos políticos e nas direcções das organizações juvenis dos mesmos, na Assembleia Nacional ou Parlamento, na sua Mesa e nos Grupos Parlamentares. Analisa ainda a presença feminina no Governo, nas Assembleias Municipais, nas vereações das Câmaras Municipais, na suas Presidências e na direcção de sindicatos, tratando-se do estudo mais completo que foi realizado sobre esta matéria. A autora discute também os principais problemas que se foram colocando à participação política de mulheres em Cabo Verde.

Numa segunda parte da tese, a autora apresenta os resultados de dois inquéritos inéditos, o primeiro realizado em 2003 em 7 das 9 ilhas habitadas, a 207 indivíduos de todas as idades, sexos e origens sociais e o segundo em 2007, a 103 indivíduos de ambos os sexos, com formação superior e considerados especialistas na matéria. A autora apresenta ainda histórias de vida de 6 mulheres que tiveram uma participação política activa e duradoura no país. Conclui, no final do estudo:

“Infere-se, pelos resultados do inquérito e pelas entrevistas e histórias de vida, que a cultura patriarcal parece ser a causa mais profunda e a mais complexa que está na origem da baixa participação da mulher no mundo da política.”(8)

Na obra Entre os Senhores das Ilhas e as Descontentes – identidade, classe e género na estruturação do Campo Político em Cabo Verde(9), que resulta da sua tese de doutoramento em Sociologia, defendida em 2013 na Universidade de Coimbra, em Portugal, a autora, Eurídice Furtado Monteiro, propõe estabelecer uma relação directa entre uma representação da identidade nacional que ela afirma ter sido construída por alguns intelectuais cabo-verdianos das décadas de 1930 a 1960 e a representação política das mulheres no arquipélago no pós-independência, nomeadamente, a nível do recrutamento ministerial na década de 2000:

“Este estudo persegue o objectivo primeiro de compreender a intensa inter-relação entre a representação da identidade nacional e a representação das mulheres no arquipélago.”(10)

O estudo em apreço, que propõe um programa de trabalhos que nos parece ser útil e estimulante, apresenta, contudo, inúmeras fragilidades que vamos passar a expor e a analisar.

3. A imagem da ilha de Santiago e de África na revista Claridade (1936-1960)

Partindo de afirmações, não justificadas, de que na revista Claridade foi construída “a identidade nacional” e de que essa construção ainda hoje é assumida pela maioria dos habitantes do arquipélago, a autora prossegue com uma série de outras declarações não fundamentadas relativas a essa revista, publicada em Cabo Verde entre 1936 e 1960. Trata-se, mais precisamente, de afirmações relativas à representação que aí se faz dos habitantes das ilhas de Santiago, de S. Vicente, e também de África. Afirma:

“Assim, o pensamento mestiço claridoso edificava-se a partir de uma dupla alteridade: no plano externo, o Outro africano, no plano interno, o Outro santiaguense.

(…)

É nesta linha de ideias que Santiago foi enunciada como a ‘ilha mais negra’ do arquipélago (Amaral, 2007:215) e, por isso, considerada como um caso à parte.”(11)

De notar que ao referir-se a Santiago como a “ilha mais negra”, a autora reproduz uma expressão de um autor angolano, que não publicou nem colaborou com a Claridade, o professor de Geografia Ilídio do Amaral.

E ainda:

“É deste modo que os sampadjudus, especialmente os da ilha de São Vicente, passariam a ocupar uma posição modelar no imaginário claridoso, em contraposição aos badius da ilha de Santiago.

(…)

Daí a violência não apenas verbalizada, mas também simbólica e generalizada, que foram transpostas sintomaticamente para o campo da exotização da imagem de badiu/badias, mormente pela via depreciativa e estereotipada da sua representação (desde a cor da pele, a textura do cabelo, a estatura ou o modo de ser, agir e falar) e da sua constante inserção em territórios racializados, como os subúrbios urbanos ou o interior profundo (quase sempre) à ilha de Santiago.”(12)

“É curioso que, com maior intensidade, em torno da revista Claridade, (…), a elite claridosa tenha transformado depreciativamente a ilha de Santiago numa ‘África interna’ imersa na obscuridade, i.e., numa espécie de antítese da ilha de S. Vicente, que era projectada como um ‘pequeno Brasil’ ou uma ‘pequena Europa’. Impunha-se uma dupla inferiorização de África e de Santiago, a par de uma dupla valoração da Europa e de S. Vicente.”(13)

Primeiramente, a autora não define o que entende por “pensamento mestiço”. Numa nota de rodapé da página 123, propõe uma definição das expressões badiu e sampadjudo, de autoria de José Luís Hopffer Almada, em 2008. Ora, tratando-se de expressões pejorativas que pretendem discriminar indivíduos, neste caso preciso, de diferentes ilhas ou regiões do arquipélago, a sua definição merece uma discussão mais ampla. Com efeito, essas categorizações remetem para representações que não são estanques, que vão mudando com o tempo, ou que não estão muito claramente definidas, como Edgar Morin mostra que sucede com a categorização de “judeu” na Europa, no seu ensaio Le monde moderne et la question juive(14). Assim, as definições que Hopffer Almada propõe em 2008 não correspondem forçosamente aos significados que eram atribuídos a estes termos 70 ou 80 anos antes, na década de 1930. É de referir, contudo, que estas expressões, utilizadas actualmente em Cabo Verde no quotidiano, não se encontram com facilidade nas páginas deClaridade, cuja análise a autora anuncia. Daí a pergunta: que pertinência tem a sua utilização para análise das ideias veiculadas nessa revista?

Relativamente à revista citada, a autora analisa textos de dois autores, João Lopes, “Apontamento”, publicado no número 1 da revista em Março de 1936, e “A originalidade humana de Cabo Verde”, de Pedro de Sousa Lobo, publicado no nº 9, em Dezembro de 1960. Contrariamente à informação veiculada(15), trata-se de dois autores cabo-verdianos, sendo o primeiro natural de S. Nicolau e o segundo de Santiago. Efectivamente, pela leitura destes dois textos, pode considerar-se que a população da ilha de Santiago é representada de uma forma depreciativa, ou no caso do segundo texto, que a sociedade e cultura desta ilha são consideradas um caso à parte em Cabo Verde.

Contudo, a partir da análise destes dois textos, a autora parece assumir que existe nesta revista uma unicidade de pensamento, coibindo-se de analisar outros textos de outros autores que se debruçaram sobre a história e cultura da ilha de Santiago e sobre África em geral. Assim, em diversas ocasiões faz uma referência ambígua a uma “elite claridosa”(16), sem contudo explicitar o que entende por tal expressão e que autores considera que estejam incluídos nela. Utiliza também expressões genéricas e pouco claras, que vão no sentido da afirmação dessa unicidade de pensamento, tais como “para a geração claridosa”(17) – pergunta-se, qual geração? Ou ainda “no imaginário claridoso”(18), assumindo que tenha havido um só, e ainda “o discurso claridoso”(19), assumindo que se trata de um discurso único, sendo que limita a sua análise a dois textos de dois autores da revista.

Contudo, como a própria autora também afirma em nota de rodapé(20), a revista Claridade, publicada de forma irregular ao longo de mais de 20 anos, contou com a colaboração de 30 autores de mais de uma geração, quase todos cabo-verdianos. Aliás, no seu número 8, de Maio de 1958, publicado 22 anos depois do 1º número, a própria direcção anuncia alguns nomes de novos colaboradores mais jovens, tais como Virgílio Pires (natural de Santiago), Terêncio Anahory (Boa Vista), Jorge Pedro (Santiago) e outros. É pertinente para a nossa análise referir o facto de que nesta revista foram publicados 101 poemas, 15 textos literários em prosa, 15 estudos e notícias e 16 textos da tradição oral no arquipélago. Partindo do princípio de que não há uma unicidade de pensamento entre autores, originários dos mais variados lugares de Cabo Verde, cada um com a sua vivência e sensibilidade, esse princípio é certamente reforçado quando se trata de pessoas de diferentes gerações, necessariamente com diferentes visões do mundo, o que certamente inclui a visão de África. Terá sido o caso de Claridade, que nos seus últimos números, em vésperas da guerra de guerrilha na Guiné pela independência política, contou tanto com a contribuição de Pedro de Sousa Lobo, como com contributos de militantes e até dirigentes do PAIGC, partido que se auto-proclamou de “Africano”, e que tinha então uma proposta de unidade política entre a Guiné-Bissau e Cabo Verde, ambas colónias de Portugal. É o caso de Corsino Fortes, Onésimo Silveira, Ovídio Martins e Abílio Duarte.(21)

A Claridade, tendo sido uma publicação de cariz fundamentalmente literário, como já foi dito acima, com publicação de poemas, contos e excertos de romances, contou também com alguns textos ensaísticos, dedicados a aspectos relativos à História e a manifestações culturais diversas no arquipélago. Um número significativo de textos literários foram publicados em crioulo, a grande maioria, de Santiago, numa atitude de contestação da ordem colonial vigente, e de resto, é o caso do primeiro texto publicado no primeiro número da revista, em 1936, justamente um texto poético popular da ilha de Santiago, normalmente performado por mulheres rurais, um finaçom.(22)

Relativamente à afirmação de que os habitantes de S. Vicente ocupariam uma “posição modelar no imaginário claridoso”, teria sido útil a autora especificar com exemplos concretos. Com efeito, tendo a sua sede na ilha de S. Vicente, onde muitos dos seus colaboradores residiram, na Claridade não é publicado nenhum estudo sobre essa ilha nem sobre os seus habitantes. São objecto privilegiado de interesse as principais ilhas agrícolas, e assim, temos estudos e recolhas da tradição oral de Santiago, Fogo, Santo Antão e S. Nicolau. Podemos até afirmar que os estudos publicados na Claridade não se interessam, ou muito pouco, pela realidade urbana do Cabo Verde de então ou pelas localidade e ilhas onde predominava uma economia de serviços – as realidades do Mindelo, da Praia e até da ilha do Sal estão ausentes destes estudos. Com efeito, a esmagadora maioria da população de Cabo Verde das décadas de 1930, 1940 e 1950 vivia no meio rural. A ilha mais estudada é Santiago, com recolhas de finaçons nos números 1, 6 e 7, com dois textos de estudo da tabanca, uma festa tradicional desta ilha, de autoria de Félix Monteiro, e um estudo intitulado “O Folclore poético da ilha de Santiago”, também no número 7, de autoria de Baltasar Lopes da Silva, que foi o autor das recolhas de finaçons. Aliás, este foi o autor que mais se interessou pelo estudo de manifestações culturais da ilha de Santiago, de entre os diversos autores da Claridade, apesar de ser natural da ilha de S. Nicolau e de residir em S. Vicente. Como a autora não explicita quem entende que esteja incluído na expressão “elite claridosa”, propomos analisar os diversos textos em que este autor, em particular, se debruça sobre aspectos da cultura ou história desta ilha, com base neste critério, ou seja, no facto de ter sido quem mais estudos publicou na revista a ela dedicados. E sobre a afirmação do santiaguense ser considerado “o Outro” e de a ilha ser considerada um caso à parte, analisemos os seguintes excertos de autoria de Baltasar Lopes da Silva no estudo “Notas para o estudo da linguagem das ilhas”, publicado no número 2 da revista:

“Língua ou dialecto?

Já foi levantado o problema – José Osório de Oliveira abordou o assunto. E sustentou, ‘por intuição’, que o crioulo de Cabo Verde é uma língua.”

(…)

O crioulo caboverdeano sofreu, no seu processo evolutivo, a acção niveladora da cultura. Mas o próprio facto de a subdialectação ser mais acentuada do que seria lícito esperar, se atendermos a que há em Cabo Verde factores de unidade de ordem política, social e até étnica, prova, a meu ver, a presença actuante das tradições linguísticas de que teriam sido portadores os núcleos colonizadores de proveniências várias trazidas pelo tráfico.”(23)

Constatamos que o autor afirma claramente que, no seu entender, existe uma unidade em Cabo Verde a vários níveis, não apresentando os santiaguenses como “o Outro”, nem a ilha de Santiago como “um caso à parte”; pelo contrário, fala de uma unidade social e étnica nas ilhas, e até mesmo política.

No texto “O Folclore Poético da Ilha de Santiago”, no número 7 de Claridade, o autor faz referência a uma manifestação da cultura popular de Santiago, relacionando-a com as outras ilhas do arquipélago:

“O terreiro de batuque é o meio que a sua herança cultural africana ainda viva lhe proporciona para definir a atitude do povo perante a vida submetida à sua observação.

É a única ilha de Cabo Verde onde ainda se celebram batuques, mas creio indubitável que outrora os terreiros existiam em todo o arquipélago. (…)”(24)

Não vemos como queira, por esta afirmação, isolar a ilha de Santiago relativamente a outras no arquipélago, quando considera que uma tradição que se supõe ter origem africana e que aí permanece terá existido em todas as outras ilhas.

“A ilha mais estudada (por Claridade) é Santiago, com recolhas de finaçons nos números 1, 6 e 7, com dois textos de estudo da tabanca, uma festa tradicional desta ilha, de autoria de Félix Monteiro, e um estudo intitulado “O Folclore poético da ilha de Santiago”, também no número 7, de autoria de Baltasar Lopes da Silva, que foi o autor das recolhas de finaçons.”

Relativamente à afirmação da autora de que a ilha de S. Vicente seria considerada pelos “claridosos” como um “pequeno Brasil”, considerando a de Santiago como uma “África interna”, na expressão da autora(25), Baltasar Lopes da Silva sustenta o seguinte, no texto “Uma experiência românica nos Trópicos”, no número 4:

“Quer dizer: essa, mesmo, reduzida margem maior de preponderância europeia em Sotavento (de formação económico-social semelhante à do nordeste brasileiro, principalmente S. Tiago) determinou maior aproximação do padrão linguístico reinol, embora em pequena escala, relativamente aos falares de Barlavento. (…)”

Vemos, assim, que não só o autor aponta um aspecto em relação ao qual ele considera que a cultura do Sotavento, incluindo a da ilha de Santiago, se aproxima mais de aspectos culturais oriundos de Portugal (o padrão linguístico reinol), como afirma que considera que Santiago é a ilha que mais se aproxima do Brasil (nordeste brasileiro), ou seja, em exacta oposição à leitura que a autora faz da imagem veiculada desta ilha e que considera como sendo única na Claridade, quando afirma que “(…) a elite claridosa tenha transformado depreciativamente a ilha de Santiago numa ‘África interna’ imersa na obscuridade, i.e., numa espécie de antítese da ilha de S. Vicente, que era projectada como um ‘pequeno Brasil’ ou uma ‘pequena Europa’.”(26)

Aliás, como já foi dito acima, nos textos de Baltasar Lopes da Silva em Claridade não se encontram os termos badiu nem sampadjudo, sendo que o autor sempre utilizou as expressões “povo da ilha de Santiago”, “o povo do interior da ilha de Santiago”, “homem crioulo”, “os falares de Sotavento”, “em Barlavento”, “o homem da ilha de Santo Antão”.

Tão-pouco se identificaram nos seus textos quaisquer descrições físicas de habitantes de Santiago, ou até de outras ilhas, pelo que são inexistentes as referências a cor de pele, textura do cabelo, estatura ou modo de ser, agir e falar. O objecto de interesse primordial e de estudo deste autor são o crioulo e as diversas expressões poéticas e literárias das ilhas, sobretudo as consideradas como expressão da cultura popular, da maioria das ilhas agrícolas.

Talvez por essa razão, a autora excusa-se da análise da imagem que é veiculada por este autor da ilha de Santiago em Claridade e opta por analisar um excerto do romance Chiquinho, que não foi publicado nessa revista. Nesse excerto, o autor descreve uma tradição popular da referida ilha, que inclui a performance de um texto poético improvisado, de música e dança e utiliza a expressão ‘badiu”, em itálico:

 

Claridade e o espírito claridoso, o que é?

“Todo o mundo gosta da dança do badiu, que se entusiasma e mete na festa um batuque. Canta Diguigui Cimbrom, e, na altura devida, amarra um pano na cintura e põe torno. Rebola a bacia, sem mexer as pernas nem o busto. Rapidamente reconstitui a apanha do cimbrão. Os braços balançam o pé de cimbrão, as mãos fazem concha para apanharem os grãos que vão caindo. Depois é um desequilíbrio do corpo todo, catando no chão. A sala está em África pura, sol na achada e paisagem de savana, com macacos cabriolando. O badiu leva todo o mundo consigo na sua viagem de regresso de séculos.”(27)

Considera a autora que este excerto contém elementos depreciativos dos habitantes de Santiago, sem explicitar quais e afirma: “Tal percepção negativa era percepcionada no romance de Baltasar Lopes”(28). Pergunta-se: a que percepção negativa se refere, se o autor afirma “Todo o mundo gosta da dança do badiu, (…)”; dando assim a entender ao leitor que os personagens presentes estavam a fazer uma apreciação positiva da tradição, que é de facto santiaguense, do batuco e do torno? Afirma ainda a autora que “Estava-se na presença de uma situação de apropriação de preconceitos rácicos que sustentavam a discriminação de um grupo social encarado como portador de uma cultura pretensamente inferior”(29). Ora, não é dito em momento algum que a cultura da ilha de Santiago seja inferior e não é feita menção a marcadores que possam ser claramente considerados como rácicos; quando muito, regionais, uma vez que é utilizada a expressão “badiu”, mas em itálico. A análise desta questão mereceria um maior esforço de desmontagem e explicitação por parte da autora.

A autora afirma ainda que “o ritmo do batuku santiaguense delineava uma ponte que ligaria ao passado, à historicidade africana e ao presumível carácter estático dessa cultura”(30). Ora, penso que seja consensual, na altura, como até aos dias de hoje, entre estudiosos, curiosos e entre os próprios praticantes desta prática expressiva, que o batuque santianguense e a sua dança, o torno, sejam considerados como tendo origem africana continental, tal como o ritual da tabanca, embora sejam necessários estudos mais aprofundados para determinar a sua origem de forma mais precisa. Com efeito, a tabanca, por exemplo, tem sido considerada uma manifestação cultural sincrética, incluindo diversos elementos de práticas culturais católicas da Europa do Sul(31). No pós-independência, o batuque santiaguense foi até apresentado como uma forma de “resistência cultural” africana dos cabo-verdianos às imposições do colonizador português, sendo que as autoridades administrativas coloniais muitas vezes proibiram esta prática. Os personagens cabo-verdianos do romance Chiquinho, redigido na década de 1930, assumem “gostar” dessa prática, numa época em que ela estava ainda sujeita a proibições e em que os seus praticantes arriscavam a prisão pelas autoridade coloniais portuguesas.

Percepção negativa parece-me ser a que emana de uma citação feita por Moacyr Rodrigues, na sua tese publicada O papel da morna na afirmação da identidade nacional em Cabo Verde, do articulista português Lancereau, quando descreve, em 1918, mulheres cabo-verdianas a dançar a morna na ilha de S. Vicente:

“[…] aqueles que dizendo-se ilustrados tinham a obrigação de procurar um meio mais civilizado e menos grosseiro para os seus prazeres e diversões elegantes. […] As mornas sucedem-se ininterruptas, no princípio silenciosas e lânguidas, ritmadas pelas contorções das ancas e seguidas de valsas e polcas […] um povo pouco civilizado que está longe de ter noção dos seus deveres e responsabilidades. Ora uma mulher boçal, como aquelas que frequentam os bailes nacionais, não pode compreender a distinção subtil […]. No meio de um povo cuja inteligência não chega a apreender mais do que as aparências exteriores das coisas é necessário […] guardarem-se as conveniências e fórmulas sociais.”(32)

Repare-se que o autor não só considera de forma inequívoca que os cabo-verdianos têm uma capacidade intelectual limitada, como classifica as mulheres que dançam a morna num contexto que, no seu entender, é grosseiro e pouco elegante com o adjectivo indubitavelmente pejorativo de “boçal”.

Voltando à questão de uma imagem do africano continental como sendo “o Outro”, é de notar que as referências a África em Claridade prendem-se quase exclusivamente com a História e a vivência da escravatura, na medida em que a maioria dos africanos continentais que aportaram às ilhas fizeram-no na condição de homens e mulheres escravizados pelo tráfico negreiro. Ora, é afirmado na revista que este é um aspecto fundamental da História, da composição humana e cultural do arquipélago, ainda por estudar. Assim, são lançados apelos à preservação dos arquivos sobre a escravidão e exorta-se os leitores a interessarem-se pela obra de Arthur Ramos e Nina Rodrigues, ambos médicos e os primeiros estudiosos brasileiros a dedicarem-se à cultura dita afro-negra no Brasil, em finais do século XIX e princípios do século XX, sendo que Arthur Ramos é também considerado como um militante contra o preconceito racial no seu país. No número 6 da revista, de Julho de 1948, afirma-se em edital:

“Para se compreender a urgência e necessidade de tal medida basta lembrar o prejuízo dificilmente reparável que representou para os estudos afro-negros no Brasil a destruição, por ordem oficial, dos arquivos da escravidão.

(…)

Parece-nos que se impõe –e com urgência – tomar uma resolução eficaz para a salvação dos arquivos espalhados pelas ilhas, (…)”(33)

Se os membros da direcção de Claridade consideraram que a perda de arquivos relativos à escravidão foi irreparável, procurando evitar que sucedesse em Cabo Verde o que aconteceu no Brasil, infere-se que, com tal afirmação, pretendiam assumir a origem e a História dos africanos continentais em Cabo Verde, e, por conseguinte, não os consideravam unicamente como um “Outro”, mas também como uma parte que se reivindicava como integrante da sua própria História, da sua Cultura e da sua identidade, como cabo-verdianos.

Para os leitores estrangeiros que não conhecem a sociedade cabo-verdiana, é necessário explicitar que não ocorreu nas ilhas uma reconstituição de comunidades deportadas do continente, nem tão-pouco se identificaram até agora tradições culturais que possam ser consideradas muito aproximadas do que se praticava no continente, como podem facilmente encontrar-se no Brasil ou em Cuba, sobretudo referentes à cultura Yoruba. Nos últimos decénios do tráfico negreiro, no século XIX, muitos africanos deste povo e de entre os povos bantus em geral foram comprados e revendidos nestes países americanos, quando a proibição do tráfico negreiro se tornou mais intensa a nível internacional. Cabo Verde foi o primeiro território extra-continental utilizado para o tráfico negreiro iniciado por europeus e a cidade da Ribeira Grande, na ilha de Santiago, foi classificada pela Unesco como património da Humanidade justamente por ter sido a primeira cidade europeia na África Ocidental edificada com esse fim e sustentada durante muito tempo pelo negócio do tráfico humano de africanos do sul do Sahara, ditos “negros”. O tráfico tornou-se claramente decadente em Santiago no século XVII, quando passou a efectuar-se muito mais intensamente na própria costa da Guiné, em Cacheu. A ilha do Fogo, povoada cerca de 30 anos mais tarde que a de Santiago, ainda recebeu muitos africanos continentais que aportaram nas ilhas na sequência deste tráfico, e as restantes, cujo povoamento deu-se sobretudo a partir dos séculos XVII e XVIII, foram maioritariamente povoadas por cabo-verdianos de diversas cores de pele e por europeus(34). Pese embora o facto de a ilha de Santiago ter sempre tido também muitos residentes europeus, a sua associação a África, aos africanos continentais que foram levados para Cabo Verde e a aspectos de culturas tradicionais africanas é inevitável e não tem sido posta em causa em Cabo Verde. A ilha do Fogo teve, contudo, um processo de povoamento semelhante relativamente a esse aspecto. Um estudo mais aprofundado da história do arquipélago permitiria revelar que a ilha da Boavista esteve também muito ligada ao continente africano, na medida em que as suas embarcações dirigiam-se regularmente a diversos portos da costa ocidental africana, e a ilha de S. Vicente, a partir do século XX, manteve uma forte ligação ao continente, na medida em que uma importante comunidade dos seus naturais constituiu-se em Dakar, tal como noutras cidades portuárias no mundo, por exemplo, na Argentina (Buenos Aires) e na Holanda (Roterdão).

Voltando à representação de África em Claridade, no número 7, em Dezembro de 1947, é noticiada a morte do professor brasileiro Arthur Ramos, nos seguintes termos:

“Chega-nos a notícia de ter falecido em Paris o professor Artur Ramos.

O autor de tantos trabalhos do mais alto valor deixa, em matéria de folklore, etnografia e antropologia, uma obra que constitui motivo de estudo, exemplo e inspiração para todos nós, que, por sermos portadores de formas de comportamento provindas do comércio entre africanos e europeus, temos necessidade de definir o que verdadeiramente somos e pesquisar as raízes em que se planta a nossa personalidade.

Esta revista tem para com Artur Ramos uma dívida de gratidão, (…)

Aos nossos leitores que queiram familiarizar-se com a doutrina e os métodos de trabalho do Artur Ramos, (…), recomendamos principalmente o estudo de: – O Negro Brasileiro; o Folclore Negro do Brasil; As Culturas Negras no Novo Mundo.”(35)

Constata-se, assim, que a África que mais está presente em Claridade é a África do tráfico de escravos, na medida em que este aspecto da História de África foi o que mais afectou a povoação de Cabo Verde, e justificou, até, o povoamento e colonização iniciais do arquipélago, que interessava à Coroa portuguesa como um espaço de entreposto do tráfico negreiro. Pelo acima exposto, não foi explicitado como a autora chegou à conclusão de que:

”(…) a elite claridosa tenha transformado depreciativamente a ilha de Santiago numa ‘África interna’ imersa na obscuridade, (…). Impunha-se uma dupla inferiorização de África e de Santiago, (…)”(36)

O facto de a maioria dos Africanos que foram para Cabo Verde terem ido na condição de homens e mulheres escravizados não me parece constituir uma inferiorização de África, senão uma constatação de factos históricos amplamente comprovados. Pelos textos publicados em Claridade, conclui-se que alguns autores procuraram assumir estes factos como parte integrante e importante da História, Cultura e identidade das ilhas. É ainda Baltasar Lopes da Silva quem afirma, no artigo “Notas para o estudo da linguagem das ilhas”, publicado no número 2 da revista, em Agosto de 1936:

“Todo o crioulo é resultante de um choque de culturas. O determinar-se a contribuição dos afro-negros pressupõe estudar a sua mentalidade, a sua alma, a sua posição perante a Vida, numa palavra, os elementos formativos da sua magia, dos seus sistemas religiosos, da sua poesia, do seu folklore, da sua força de criação mística. São justamente estes estudos subsidiários que nos faltam na análise do problema linguístico cabo-verdiano. Ignoramos o que é que o afro-negro trouxe consigo quando veio colaborar na colonização. Nem mesmo podemos afirmar com segurança quais as áreas de cultura de onde provieram os stocks africanos. Apenas, parece-me, razões de ordem administrativa e a proximidade geográfica nos permitem aventar que o afro-negro que veio para Cabo Verde procede da área-de-cultura sudanesa ocidental. Não se estudou ainda o que, com relativa pureza, sobrevive das culturas afro-negras na ilha de Sant’Iago, nem se inventariaram nos arquivos aduaneiros do tempo do tráfico os pontos-de-partida e os focos de disseminação dos escravos africanos. Há todo um programa para aqueles que queiram fazer estes estudos – que seriam magnífico subsídio para a análise da linguística cabo-verdiana.”(37)

A última frase do autor expressa claramente que, não só não considera que o africano continental seja “o Outro”, como, pelo contrário, considera que a análise dos contributos culturais africanos seria “magnífica” para a compreensão de aspectos culturais e históricos de extrema relevância para o conhecimento da sociedade cabo-verdiana, como sejam a criação e a afirmação do seu crioulo, que o autor, nas páginas de uma revista que foi sempre objecto de censura por parte do regime de extrema-direita que então vigorava na metrópole, insistiu em considerar como uma língua, contrariando a versão oficial colonialista de que se tratava de um dialecto.

A propósito da oficialização do crioulo, julgo útil partilhar um dado adicional, que surge num texto publicado já no pós-independência, em 1986. Neste texto intitulado “Na perspectiva de o crioulo ser língua literária, qual deverá ser em Cabo Verde o crioulo literário padrão”, Baltasar Lopes da Silva elege a variante santiaguense, afirmando:

“a ‘candidatura’ dos crioulos de Sotavento (principalmente do de Santiago) impõe-se (…)”(38)

Não se pretende contudo afirmar que as considerações de Baltasar Lopes da Silva representam o pensamento de todos os autores que publicaram em Claridade. Pretende-se somente chamar a atenção para o facto de que não se pode avaliar as ideias transmitidas por mais de 30 autores, durante 24 anos, analisando apenas dois textos de dois autores e, sobretudo, sem contextualizar devidamente quaisquer ideias no tempo. Claridade não estava isolada na sociedade cabo-verdiana, e nem surgiu “do nada”, pelo que é absolutamente pertinente dialogar com outras publicações que houve na época. Por exemplo, fazendo unicamente referência à imprensa periódica, é de interesse tentar perceber que ideias eram veiculadas pelo Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, que, apesar de ser um órgão de imprensa oficial, publicado na Praia, foi dirigido por um cabo-verdiano natural de Santiago, o Dr. Bento Levy, e tem inúmeros textos de autores cabo-verdianos, e de igual modo, pelo periódico privado Notícias de Cabo Verde, com sede no Mindelo, também dirigido por cabo-verdianos e mais precisamente Manuel Ribeiro de Almeida e Raúl Ribeiro, naturais de S. Vicente. O trabalho iniciado por João Nobre de Oliveira neste sentido tem sido por vezes referido, mas pouco considerado nestes estudos em que se propõe avaliar o pensamento da sociedade cabo-verdiana e a pretensa construção de uma identidade nacional através da análise de alguns textos que foram publicados na Claridade.(39)

Contudo, o grande ausente na obra de Eurídice Furtado Monteiro, como noutras obras que procuram estudar as ideias veiculadas por esta revista numa abordagem da Antropologia ou da Sociologia Históricas, é justamente a produção intelectual do colonizador na época, com a qual os autores da Claridade tinham necessariamente de dialogar. Na análise efectuada nos referidos estudos, o colonizador está totalmente ausente, como se Cabo Verde não tivesse sido à época um território colonizado. Assim, é muito pertinente considerar e analisar o facto de que, enquanto na Claridade, na década de 1940, se louvava o trabalho do professor brasileiro de Psicologia Social Arthur Ramos, que combatia o preconceito racial, a ideologia dominante na então metrópole era a do racismo científico, como ficou comprovado em obras recentemente publicadas em Portugal. Se em teses e obras anteriores, defendidas em universidades brasileiras, estes estudos não estavam ainda à disposição da comunidade académica, não se justifica que se defenda uma tese que pretende analisar a representação da “mestiçagem” e do “negro” na revista cabo-verdiana Claridade sem ter em conta os contributos destes trabalhos entretanto publicados em Portugal. Em As Cores do Império: representações raciais do “Império Colonial Português” nas primeiras décadas do Estado Novo, Patrícia Ferraz de Matos considera, efectivamente, que durante a vigência deste regime em Portugal houve um comprometimento da ciência com o campo político, nomeadamente no que à produção de um “saber colonial” dizia respeito.(40) Assim, afirma, logo na década de 1930, o poder político subscreveu e apoiou formalmente as teses do racismo científico, que preconizam a classificação e hierarquização dos seres humanos por “raças”, cada uma delas correspondendo a características biológicas que ditariam o comportamento e determinariam a capacidade intelectual.

Em Portugal, dois autores se destacaram então na defesa destas teses: os professores Eugénio Tamagnini e Mendes Correia, tendo o primeiro criado a Sociedade Portuguesa de Estudos Eugénicos, cujos estatutos tinham sido aprovados desde 1934.

Ora, seguindo esta categorização, importa referir que no recenseamento de 1940, 67% dos cabo-verdianos foram considerados “mestiços” pelas autoridades coloniais. A categoria de “mestiço” foi particularmente objecto de atenção por parte dos dois professores referidos, tendo Tamagnini afirmado no Congresso de Antropologia Colonial de 1934 que a mestiçagem deve desaconselhar-se por constituir “(…)(41) um risco para todas as sociedades humanas (…)”. O professor Mendes Correia adoptou uma linguagem mais crua e até insultuosa, comparando os mestiços a atípicos e lazarentos “cães de rua”. Patrícia Ferraz de Matos considerou ainda que os “mestiços” eram então muitas vezes associados a sangue sujo e poluído.(42)

Considero que analisar as ideias expressas na Claridade sem levar em devida conta este contexto intelectual da época, sem considerar que a revista foi sempre sujeita à censura prévia, e apoiando-se nas afirmações de apenas dois autores é empreender uma abordagem muito redutora da sociedade que se pretende estudar, que surge, aliás, como se não estivesse integrada num tempo e numa época históricas com as suas especificidades.

Mas digo mais: para finalizar, e voltando ao ponto de partida da análise, recordo que Monteiro acusa os autores da Claridade do exercício de uma violência simbólica contra uma ilha específica, em textos e declarações que não se encontram. É afirmado que há uma depreciação, uma inferiorização de Santiago, sem citar os textos nem os trechos!(43) Onde estão, afinal?

É necessário afirmar muito claramente que, quer seja no âmbito académico ou noutro, é grave, muito grave, fazer acusações públicas sem provas, de actos de violência que não são explicitamente indicados e que não se conseguem identificar! Isso merece a indignação veemente e clara por parte de qualquer cidadão.

 

4. As mulheres colonizadas não foram sujeito nas produções de autores cabo-verdianos?

Afirma Eurídice Monteiro:

“(…) no momento áureo da invenção da caboverdianidade, protagonizado pelo movimento claridoso, a violência colonial infligida, sobretudo contra as ‘mulheres colonizadas’, foi então silenciada, na medida em que estas foram excluídas como sujeitos da história, tendo sido contempladas em contrapartida como meros objectos subalternos, desprovidas de racionalidade.”(44)

Uma vez mais, não se compreende bem que momento a autora considera como sendo o “momento áureo da invenção da caboverdianidade pelo movimento claridoso”, se o tempo de duração da revista, 24 anos, se uma década específica. Convém esclarecer que os promotores desta revista não se propuseram redigir a História de Cabo Verde, na medida em que não eram historiadores, assim como não eram antropólogos nem sociólogos. Na sua maioria, eram funcionários públicos, de empresas privadas ou até estudantes, que se dedicaram a estas questões nos seus tempos livres, assumindo alguns esse “amadorismo”. Tem havido, até, um consenso entre estudiosos nacionais e estrangeiros, em considerar que se trata de cabo-verdianos que, sob a divisa “fincar os pés na terra”, procuraram e deram a conhecer diversos aspectos da realidade cabo-verdiana. Alguns tinham formação superior em Letras, Direito ou Medicina, por exemplo, e outros tinham frequentado o liceu. Como foi visto acima, a principal proposta da revista era no domínio da produção literária, embora se tenha verificado um esforço no sentido de trazer contributos vários relativos a aspectos da História e procurando recolher e analisar manifestações culturais, indicando sempre as diversas limitações enfrentadas, nomeadamente, a falta de preparação académica, a exígua bibliografia a que tinham acesso e a inexistência de estudos relativos à realidade cabo-verdiana nos quais se pudessem apoiar. Com a afirmação acima, a autora omite ou ignora as produções literárias de António Aurélio Gonçalves, as de Henrique Teixeira de Sousa, e ainda as de um autor de outra geração que publicou na Claridade, Onésimo Silveira.

O escritor natural da cidade do Mindelo, na ilha de S. Vicente, António Aurélio Gonçalves publicou em Claridade a partir da década de 1940. Trata-se de um autor conhecido, entre outros aspectos, por ter escolhido como personagens principais dos seus diversos contos e noveletas mulheres das camadas mais pobres e marginalizadas da sociedade colonial, que muitas vezes viveram experiências dramáticas. A sua produção literária foi até objecto de uma dissertação de mestrado publicada, de autoria de Maria João Gama, O universo feminino em António Aurélio Gonçalves.(45)

Teria sido útil a autora ter dado exemplos que a levaram a chegar à conclusão a que chegou, pois se um autor aborda nos seus textos literários publicados ainda no período colonial a vivência de mulheres cabo-verdianas que não viram outra alternativa senão prostituírem-se para garantir a sobrevivência, não se entende que a autora possa considerar que foi silenciada “a violência infligida contra as ‘mulheres colonizadas”, e sendo estas as personagens principais destes textos literários, não se entende como considera que possam ter sido “meros objectos subalternos”.

A produção literária de outros autores foi, contudo, igualmente ignorada pela autora. Em 1960 Henrique Teixeira de Sousa publicou no Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação um conto intitulado Raiva, no qual traça um retrato cru do contexto de angariação de mão-de-obra cabo-verdiana para S. Tomé e Príncipe e das consequências desta emigração, associando-a à fome como causa e à destruição da saúde, como consequência directa. A narrativa inicia da seguinte forma, retratando uma mulher cabo-verdiana que tinha sido contratada para trabalhar numa das roças de café e cacau do arquipélago de S. Tomé e Príncipe:

“Episódios verídicos da minha vida clínica

 Raiva

(…)

Ao partir para S. Tomé contava apenas dezassete anos, e regressava aos quarenta e três, sem nada que a recomendasse para a vida, sem mocidade, sem saúde, e sem ninguém de família que a recebesse porque todos haviam desaparecido naqueles anos de fome.

(…)(46)

Um outro escritor que a autora ignora por completo é Onésimo Silveira. Diversos são os poemas publicados no período colonial em que denuncia as duras condições de vida, a miséria e a exploração das mulheres cabo-verdianas, em diversas circunstâncias. Nos seus poemas publicados, o autor denuncia a contratação para S. Tomé e Príncipe, onde os cabo-verdianos iam trabalhar em condições semelhantes às da escravatura (Têtêia), a prostituição (Olhar, Mulher Fácil), e a desolação de uma mãe que perde o filho nas roças de S. Tomé (Mantenha), entre vários outros, incluindo contos que pela primeira vez narram as condições de vida dos cabo-verdianos nas roças de S. Tomé, onde também surgem mulheres cabo-verdianas como personagens. A publicação destes textos, aliás, valeu ao escritor uma perseguição pela polícia política do regime de extrema direita em Portugal, a temível e terrível PIDE, inicialmente formada pela Gestapo, e até a prisão por parte das autoridades coloniais em Angola, onde também viveu e trabalhou.(47)

Na realidade, a produção literária dessas décadas, e referindo apenas os considerados “clássicos” como Chuva Braba e Os Flagelados do Vento Leste, de Manuel Lopes, e ainda Chiquinho, ou o conto “A Caderneta”, de Baltasar Lopes da Silva, também mostram o contrário daquilo que a autora indica. É bom afirmar claramente que na produção poética de alguns dos autores mais reconhecidos da Claridade, e que são também dos que mais publicaram na revista, os santiaguenses Jorge Barbosa e Arnaldo França, as mulheres estão muitas vezes presentes, denunciando também o sofrimento decorrente da situação vivida, de colonizadas.

Aliás, a autora ignora até o poema Mamãe Velha, de Amílcar Cabral, assim como o contributo de diversas mulheres cabo-verdianas que publicaram, ainda no período colonial, na mesma época, no Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, com sede na cidade da Praia entre 1950 e 1963. Teria sido de interesse analisar a produção destas mulheres cabo-verdianas que ousaram publicar textos numa época em que a legislação em vigor não lhes permitia fazê-lo sem a autorização expressa dos homens sob cuja tutela jurídica estivessem, fossem seus maridos, pais, irmãos ou outros.(48) A autora faz apenas menção a Maria Helena Spencer, quando, entre elas, se encontram Maria Madalena de Sousa Monteiro Almeida, Maria da Luz Monteiro de Macedo Martins, Irene Noémia Vasconcelos Vicente Barbosa, Ália Sousa Monteiro, Yolanda Morazzo (no Suplemento Cultural), Maria Margarida Mascarenhas, Felícia de Monte-Falco Silva Almeida e Maria Luiza Ferro Ribeiro, assinando poemas, crónicas, entrevistas a responsáveis de diversos sectores, contos e textos de divulgação científica, sobretudo no domínio da Educação.(49) Estas escritoras terão retomado então a ousadia de escrever e publicar, iniciada em finais do século XIX por muitas cabo-verdianas, entre as quais se destacam Gertrudes Ferreira Lima, a célebre Humilde Camponesa e Antónia Pusich.

 

5. Amílcar Cabral descartado da análise da questão racial em Cabo Verde

Um outro autor cabo-verdiano, e neste caso, também guineense, que a autora descarta da sua análise, sem justificação, é Amílcar Cabral. Tendo sido dedicadas três páginas da tese ao pensamento de Cabral(50), e mais precisamente à questão que este coloca relativamente ao papel da cultura na libertação nacional, não é proposta a análise das suas afirmações sobre a questão racial na sociedade cabo-verdiana, questão da qual Amílcar Cabral não se esquivou, tendo afirmado clara e categoricamente:

“Porque é que os caboverdeanos são africanos

(…)

Esta é, evidentemente, uma pergunta sem pés nem cabeça. Mas só a incluí aqui, porque, quando se esclarece qualquer problema, é bom esclarecer todos os aspectos desse problema, em particular os aspectos que constituem o fundo da questão.

Claro que este é o fundo da questão, porque, se o caboverdiano não fosse africano, não estaríamos aqui a dirigir-lhes estas palavras, o nosso Partido nem se preocuparia com eles, como não se preocupa com os portugueses residentes em Portugal, com os franceses, os argentinos ou os japoneses. Seriam europeus, americanos ou asiáticos, e a nossa Organização é um partido africano. Seriam, por certo, cidadãos de um país independente e soberano, e o nosso partido luta pela independência e pela soberania nacional na Guiné e em Cabo Verde.

Deixemo-nos de histórias: toda a gente sabe que os caboverdianos, negros, mestiços ou de pele branca, são africanos de uma colónia africana de Portugal. (…)

Alguns, esquecendo ou ignorando como foi formado o povo de Cabo Verde, acham que Cabo Verde não é África porque tem muitos mestiços. Esses não sabem, por exemplo, que na África do Sul há muitos mais mestiços que em Cabo Verde e que Angola e Moçambique juntos têm tantos mestiços como Cabo Verde – e nem por isso esses países deixam de ser africanos. É bom afirmar sem rodeios que, mesmo que em Cabo Verde houvesse uma população nativa cuja maioria tivesse pele branca, como acontece nos países da África do Norte (Argélia, Marrocos, Tunísia, etc.) os caboverdianos não deixariam de ser africanos.”(52)

Tratando-se de um texto publicado em 1961, dirigido à comunidade cabo-verdiana no Senegal, onde o movimento independentista que dirigia também se apoiou e recrutou militantes, Amílcar Cabral põe em causa o conceito de “africano” que alguns, quiçá, muitos cabo-verdianos teriam na altura, baseado justamente num critério racial. Ora, constata-se pela leitura deste excerto que Amílcar Cabral desvaloriza clara e inequivocamente o peso que possa ter a categorização racial ou até mesmo a origem étnica na definição do que ele considera ser um futuro cidadão nacional de Cabo Verde, e o facto de este poder ser considerado africano ou não.

Tratando-se certamente de um dos autores mais influentes na sociedade cabo-verdiana do pós-independência, senão o mais influente, nomeadamente nos primeiros anos, não se compreende porque motivo a autora omite o pensamento de Cabral relativamente a esta questão, descartando-o do debate que é objecto da sua tese. Aliás, na tese são também omitidas todas as intervenções publicadas de Cabral e as acções concretas da direcção do PAIGC no período da luta pela independência no sentido de promover e facilitar a participação de mulheres no movimento independentista e a sua assunção de cargos de responsabilidade, tendo-se inclusive decidido instituir uma política de quotas ainda no âmbito do movimento.(52)

 

6. Santiaguenses ausentes do poder no pós-independência?

Relativamente ao período do pós-independência, na análise dos critérios de recrutamento político, e mais precisamente, a nível ministerial, uma vez mais, a autora começa por fazer afirmações não totalmente claras, que podem prestar-se a equívocos e até surgir como falsas, quando faz referência a uma exclusão do que ela denomina de “elite santiaguense” da estrutura de poder durante o regime de partido único:

“A elite barlaventista teve uma forte predominância durante a I República, entre 1975 e 1991, e isto porque o Barlavento teria sido beneficiado pelo Sistema de Ensino colonial (…). Assim, foi com a abertura política na década de noventa e o advento da II República que se assistiria a uma recomposição da classe política e a uma progressiva reemergência sobretudo da elite santiaguense, anteriormente excluída da estrutura do poder.”(53)

Importa, desde já, esclarecer o que se entende por “elite barlaventista” e “elite santiaguense”: trata-se de uma referência à elite económica colonial? A quadros superiores em geral que trabalharam no país no pós-independência ou aos indivíduos que efectivamente assumiram cargos governativos? Quanto à composição geográfica da elite ministerial, esta questão foi já tratada num estudo publicado, intitulado “O recrutamento ministerial em Cabo Verde (1975 – 2006)”, e que a autora parece ignorar. Aí conclui-se que Santiago foi a ilha mais representada a nível de recrutamento geográfico durante o regime de partido único (1975-1991), embora a região do Barlavento tivesse sido a que teve um maior número de indivíduos detentores de pastas ministeriais.(54)

Curiosamente, no período multipartidário, a situação inverteu-se totalmente a nível do recrutamento geográfico ministerial: a região do Sotavento passou a ser a mais representada, com uma forte ascensão do interior da ilha de Santiago, e, em particular no período de 2001 – 2006, verificou-se uma forte queda dos nascidos no meio urbano, e sobretudo, dos nascidos na capital da ilha e do arquipélago, a cidade da Praia.(55)

7. Operacionalização da categoria ‘raça’

Na sua tese, a autora atribui uma cor de pele a indivíduos, sem explicitar que critérios adopta para proceder à classificação de uma tez como ‘muito clara’ ou ‘mais escura’. Muito clara ou mais escura em relação a que padrão e a que olhar?(56)

Nem sequer é líquido que a categoria ‘raça’, na sociedade cabo-verdiana, seja sempre operacionalizada tendo como critério a cor da pele dos indivíduos.

Justamente, há um artigo científico dedicado a esta questão, de autoria do sociólogo Cláudio Alves Furtado, que na obra é citado apenas numa nota de rodapé, e que penso que deveria ter merecido muito mais atenção, na medida em que os contributos que traz são extremamente pertinentes e úteis para a análise que se pretende fazer na tese. Neste artigo, Furtado analisa o contributo de diversos autores, e começa por enunciar:

“(…) existe a percepção, a partir de uma leitura longitudinal e transversal, de que os estudos sobre Cabo Verde, produzidos essencialmente por pesquisadores locais, têm, em regra, sido omissos relativamente às dimensões da raça e da etnia na explicação da constituição e da transformação social da comunidade insular.

(…)

O presente texto pretende fazer emergir, a partir de uma reflexão ainda em construção, eventuais pistas que possam ajudar a explicar o silêncio e/ou a relativa ausência de produções em Ciências Sociais que esbocem ou tenham como referencial explicativo os conceitos de classes sociais, raça e etnia.”(57)

Furtado debate a questão da dificuldade que os cientistas sociais encontram em operacionalizar a categoria “raça” em tratando-se do estudo da sociedade cabo-verdiana, afirmando:

“Alguns problemas, como referido anteriormente, se colocam, em primeiro, as estatísticas demográficas deixaram, ainda no período colonial, de classificar a população segundo a raça. Em segundo lugar, a taxonomia proposta não se encontra fundamentada, assim a diferenciação dos mestiços em subgrupos, nomeadamente os mulatos, não é alicerçada nem do ponto de vista da categoria, nem da sua base empírica.”(58)

Comparando com o caso brasileiro, constata a ausência da categorização de “raça” nas práticas do quotidiano no arquipélago, para além da sua já referida ausência nos trabalhos de Ciências Sociais:

“Afirma Sansone estar ‘mais cético do que nunca a respeito de qualquer possibilidade libertária e emancipatória intrínseca da mobilização política em torno da identidade étnica e da ‘raça’. No contexto cabo-verdiano, essa possibilidade sequer se coloca, pela absoluta ausência dessas categorias de análise nos estudos e nas práticas discursivas quotidianas.”(59)

Estas conclusões de Furtado parecem ser extremamente pertinentes e a sua discussão na tese teria sido de grande utilidade. Com efeito, numa sociedade em que não se categorizam os indivíduos pela “raça”, nem na documentação oficial, nem nas práticas discursivas do quotidiano, que metodologia é que o ou a cientista social adopta para construir esta categoria, tornando-a operacional para a análise científica? Esta é uma questão crucial à qual é imperativo dar uma resposta. Indaga os entrevistados se se sentiram categorizados desta forma na sociedade em apreço, em que momentos e com que significado? Se eles próprios se auto-categorizam dessa forma? Se se trata de uma questão, como afirma Furtado, que está ausente, omissa, que é negada ou sublimada na sociedade cabo-verdiana, que critérios pode adoptar o cientista social para proceder ele próprio a uma operacionalização desta categoria, de modo a poder classificar certas peles como sendo “mais claras” ou “mais escuras”? De acordo com a subjectividade do seu olhar? Que peso tem o seu olhar subjectivo na categorização que levaria ao recrutamento ou exclusão de indivíduos para cargos governativos? E que pertinência tem o seu olhar subjectivo para a construção de um discurso científico? É uma questão difícil, que não foi resolvida pela autora, e que a meu ver constitui a principal fragilidade, ou falha, do estudo apresentado. Nos ricos excertos publicados das dezenas de entrevistas que realizou, esta questão não é aflorada sequer. Contudo, a autora não se coíbe de afirmar:

“Entretanto, uma questão que permanece no silêncio do discurso político tanto de homens como de mulheres prende-se com as próprias nuances de cor das mulheres, em comparação com os homens. A título meramente ilustrativo, pelo retrato do poder executivo, nota-se tal diferença, o que indicia uma exclusão de mulheres com base nos atributos físicos. (…) Se hoje os ‘homens mais negros’ encontram-se representados no campo político, por que razão isso não sucede, em mesma proporção, com as ‘mulheres mais negras’?”(60)

Pergunto: “nota-se” como? Quem determina e como quem tem a pele mais escura ou mais clara?

Afirma ainda:

“Pelo retrato do poder executivo, a título de exemplo, constata-se a exclusão de mulheres mais escuras de todo o arquipélago e, em particular, da propalada ‘ilha mais negra’ (Santiago).”(61)

A autora retoma uma expressão de Ilídio do Amaral, referida acima, sem explicar que pertinência isso tem no contexto em análise. Quer pela sua afirmação significar que houve governantes mulheres “mais escuras” de outras ilhas, e que estas mulheres eram mais escuras do que as consideradas como “escuras” nativas de Santiago? Dito de outra forma, de acordo com a autora, as governantes santiaguenses seriam “menos escuras” do que as que ela própria categorizou como sendo as “mais escuras” nascidas noutras ilhas? Para quem não conheça Cabo Verde, é necessário esclarecer que existem pessoas com diversos tons de pele em todas as ilhas, sendo que na sua maioria parecem ter diversas tonalidades de castanho. Para algumas pessoas, esta tonalidade pode variar muito conforme apanhem mais ou menos sol. É uma frase que seria necessário explicitar. Antes de mais, “mais escuras” do que o quê e “escuras” em relação a que padrão?

Com efeito, volto a frisar, sendo tanto a “raça” como a “cor da pele” categorias socialmente construídas, seria absolutamente pertinente, para o estudo em apreço, procurar perceber se e como estas categorias foram construídas e de que forma actuaram como critério de recrutamento político. Sendo que a autora se debruça mais sobre o caso do recrutamento ministerial de mulheres na década de 2000, e em especial no período em que o país foi dos primeiros no mundo a atingir a paridade de género a esse nível de funções, e ainda, uma vez que o elenco governamental é constituído por proposta do Primeiro-Ministro, teria sido pertinente indagá-lo sobre os seus critérios e o processo de recrutamento de mulheres para estes cargos.

Nascido em 1960 justamente no interior da ilha de Santiago, no concelho de Santa Catarina, onde também cresceu, assim como na cidade da Praia, sempre na mesma ilha, José Maria Neves confessa-se muito influenciado na sua infância pela Igreja Católica, e pelo movimento revolucionário que se seguiu à independência, quando era ainda adolescente, não fazendo qualquer menção a uma eventual influência por parte de autores da Claridade, da década de 1930 ou da de ’60:

“Sempre quis partilhar com as pessoas os valores nobres do cristianismo, que ia aprendendo na Igreja, (…)

(…) sempre ajudei à missa.

O padre Moniz emprestou-me os primeiros livros sobre a Igreja e a literatura portuguesa, enfim, um professor. Participei em grupos de teatro da Igreja – (…). Fui catequista, ainda muito jovem, (…).”(62)

“É claro que pelo meio tivemos o 25 de Abril, a Revolução dos Cravos eclodindo em Portugal, tinha 14 anos na altura, e a revolução da Independência. (…)

Participei em todos os comícios, em todas as manifestações, em Assomada e na Praia. (…)”(63)

A Igreja Católica, que parece ter tido uma influência crucial na formação do futuro Primeiro-Ministro, que confessa ter pensado em ser padre(64), e que pela primeira vez constituiu um governo paritário em Cabo Verde, e em África, é a grande ausente na análise que se faz de todo este processo na sociedade cabo-verdiana. Com efeito, num país constituído maioritariamente por católicos, a representação que se faz nessa Igreja do papel da mulher no espaço público parece ser uma questão muito pertinente. Tendo a Igreja Católica começado a actuar desde a fase inicial de colonização, no século XV, tudo indica que este ideário poderá ter sido mais influente do que qualquer texto publicado em revistas literárias no arquipélago, numa época em que a esmagadora maioria da população era analfabeta. Aliás, essa questão tem vindo a ser objecto de reflexão por parte de diversos estudiosos e autores, na área das Ciências Sociais e Humanas e não só, como Senna Barcellos, António Carreira, Juvenal Cabral, Baltasar Lopes da Silva, entre vários outros.(65) A autora aflora esta questão, sem a analisar. É a própria quem afirma, por exemplo:

“Em relação à experiência das mulheres, é necessário considerar as desigualdades estruturais e os valores sociais que lhes foram impostas, sobretudo em termos da moral e religiosidade cristã dominante, (…).”(66)

Esta questão não é devidamente debatida na tese com a profundidade que mereceria. Assim como teria sido pertinente analisar o facto de que nenhuma mulher foi eleita nos círculos eleitorais rurais da ilha de Santiago, durante os primeiros 20 anos do regime multipartidário, entre 1991 e 2011 (67). Contudo, durante o regime de partido único foram eleitas algumas mulheres por estes círculos. Foi o caso de Joana Lopes Cabral, em 1980 e em 1985, e nesta última legislatura, também Maria Leonor dos Reis Santos e Maria da Luz Freire de Andrade de Boal(68). Não parece ser plausível considerar que essa total ausência de representação política das mulheres do hinterland de Santiago a nível parlamentar nos primeiros 20 anos do regime democrático, fossem elas “mais claras” ou “mais escuras” seja devido a uma influência de qualquer artigo numa revista literária. Não ocorreu o mesmo fenómeno noutra ilha agrícola vizinha, da região do Sotavento, a ilha do Fogo. Esta questão torna-se ainda mais pertinente quando se constata que, no período que a autora estuda, a década de 2000, muitas mulheres cabo-verdianas foram ocupando e conquistando espaço em diversos sectores de poder na sociedade. Assim, entre 2001 e 2006, 33% dos directores-gerais de ministérios foram mulheres; de entre os que seguiam carreira diplomática, 32,5% eram mulheres em 2005; no sector judiciário, um quarto dos procuradores e 47% dos juízes eram mulheres em 2008, incluindo 1 dos 4 magistrados do Supremo Tribunal de Justiça. Em 2006, 18% dos parlamentares eram mulheres(69). Portanto, não se pode afirmar que as mulheres em Cabo Verde estão “relagadas aos sectores informais”, como a autora faz:

“Por que razão as ‘mulheres mais negras’ são relegadas sistematicamente ao sector informal da sociedade, da economia e da política?”(70)

(…) sendo tanto a “raça” como a “cor da pele” categorias socialmente construídas, seria absolutamente pertinente, para o estudo em apreço, procurar perceber se e como estas categorias foram construídas e de que forma actuaram como critério de recrutamento político.

Para saber se são as “mais claras” ou as “mais escuras” que vão conquistando esse cargos de poder, num país que não tem um registo administrativo de cor de pele, é necessário definir a metodologia através da qual se processa a observação e a recolha de dados de modo a chegar a uma conclusão.

Enfim, concordando fundamentalmente com Cláudio Alves Furtado, quando aponta para a necessidade de se trabalhar a categoria “raça” nos estudos sociais sobre a sociedade cabo-verdiana, penso que outra categoria que tem sido ignorada e que poderia ser pertinente para a análise desta sociedade e também para os estudos comparados com outras sociedades africanas é a categoria “religião”. Talvez também por influência de uma representação da sociedade cabo-verdiana como sendo católica, tem-se ignorado o peso ou o papel que possam ter tido nalguns sectores ou processos históricos os cabo-verdianos que professam a religião protestante(71), um grupo religioso que surgiu a partir do século XX no arquipélago, assim como os racionalistas cristãos, que não professando uma religião, no período colonial eram anticlericais(72). É de conhecimento geral que o Protestantismo admite mulheres no exercício do sacerdócio. Quanto ao Racionalismo Cristão, de acordo com João Vasconcelos, foi instituído em 1919 em S. Vicente, tendo o Sr. Henrique Morazzo como presidente, e a sua irmã Catarina como médium principal, e o seu braço direito, assumindo, portanto, o segundo lugar na hierarquia de poder(73). Vasconcelos afirma ainda que no âmbito da prática do Racionalismo Cristão, ou da doutrina espírita, “Não havia efectivamente distinção de sexo nem de cor. Trabalhavam como médiums, esteios e auxiliares mulheres e homens, claros e escuros.”(74)

Concluímos esta longa análise de um tema tão complexo voltando à pergunta inicial: a (ainda) frágil representação das mulheres no espaço político dever-se-á a uma “racialização” da sociedade cabo-verdiana? Para responder a uma pergunta tão ambiciosa seria necessário deitar mãos a um vasto programa de investigação. Para começar, porque não perguntar às mulheres que assumiram cargos políticos nos últimos 30 anos se se categorizam racialmente, e como, se se sentem racialmente categorizadas em Cabo Verde, e como?

 

[1] Monteiro, Eurídice Furtado, Mulheres, democracia e desafios pós-coloniais – uma análise da participação política das mulheres em Cabo Verde, Praia, UniCV, 2009, p. 169

[2] Monteiro, op. cit., p. 170

[3] Monteiro, op. cit., p. 76

[4] Ver Benoliel Coutinho, Ângela Sofia, “The participation of capeverdean women in the national liberation movement of Cape Verde and Guinea-Bissau (1956 – 1974): the pioneers”, Africa in the World 02/2017, Dakar, Rosa Luxembourg Stiftung West Africa

[5] Monteiro, op. cit., p. 99

[6] BENOLIEL COUTINHO, Ângela Sofia, “Women as Ministers and the Issue of Gender Equality in the Republic of Cape Verde”, Afrika Zamani, Dakar, CODESRIA, Nºs 18 – 19, 2010 – 2011, pp. 149 – 158

[7] Gomes, Crispina Almeida, Mulher e Poder – o caso de Cabo Verde, Praia, IBNL/ Autora, 2011, p. 30

[8] Gomes, op. cit., p. 167

[9] Monteiro, Eurídice Furtado, Entre os Senhores das Ilhas e as Descontentes – Identidade, Classe e Género na Estruturação do Campo Político em Cabo Verde, Praia, UniCV, 2015

[10] Monteiro, op. cit., p. 22

[11] Monteiro, op. cit., p. 16

[12] Monteiro, op. cit., p. 18

[13] Monteiro, op. cit., p. 123

[14] Morin, Edgar, Le monde modern et la question juive, Paris, Seuil, 2006, p. 70: “Le mot ‘juif’ n’a pas le même sens pour le juif ancien, défini par sa religion, son peuple, sa nation, et pour le juif moderne, participant à une culture de gentils, nationale, européenne, universaliste.” Morin, op. cit., p. 95: “Pour l’antisémitisme, le judéo—gentil est uniquement juif; ses apparences gentilles sont des déguisements. Le juif de l’antisémitisme est par nature inhumain, servile, arrogant, ambitieux, hypocrite (cette réduction à l’inhumanité témoigne de l’inhumanité du réducteur). Il n’est jamais perçu comme un citoyen ordinaire. (…)” Morin, op. cit., p. 70: “A palavra ‘judeu’ não tem o mesmo significado para o judeu antigo, definido pela sua religião, o seu povo, a sua nação, e para o judeu moderno, que participa numa cultura de gentios, nacional, europeia, universalista.” Morin, op. cit., p. 95: “Para o antissemitismo, o judeu-gentio é apenas judeu; a sua aparência gentia é um disfarce. O judeu do antissemitismo é por natureza desumano, servil, arrogante, ambicioso, hipócrita (esta redução à desumanidade é testemunha da desumanidade do redutor). Ele nunca é visto como um cidadão comum.” (minha tradução)

[15] Monteiro, op. cit., p. 148, a autora refere-se a Pedro de Sousa Lobo como “metropolitano”.

[16] Monteiro, op. cit., p. 123

[17] Monteiro, op. cit., p. 125

[18] Monteiro, op. cit., p. 126

[19] Monteiro, op. cit., p. 128, 129

[20] Monteiro, op. cit., p. 134

[21] Ver o linóleo de autoria de Abílio Duarte na capa do número 9 da revista Claridade, de Dezembro de 1960.

[22] “Lantuna & 2motivos de ‘finaçom’ (batuques da ilha de Sant’Iago)”, in Claridade – revista de artes e letras, S. Vicente, nº de Março de 1936

[23] Claridade – revista de Artes e Letras, Linda-A-Velha, ALAC, 1986, nº 2, p. 10

[24] Claridade– revista de Artes e Letras, op. cit, nº 4, p. 43

[25] Monteiro, op. cit., p. 123

[26] Monteiro, idem, ibidem

[27] Citado por Monteiro, op. cit., p. 124

[28] Monteiro, op. cit., p. 125

[29] Monteiro, op. cit., p. 124

[30] Monteiro, idem, ibidem

[31] Ver Semedo, José Maria, Turano, Maria R., Cabo Verde – o ciclo ritual das festividades da tabanca, Praia, Spleen, 1997

[32] Rodrigues, Moacyr, O papel da morna na construção da identidade nacional de Cabo Verde, Lousã, Autor, 2017, p. 165 cita Laucereau, F., “Carta de Longe”, Revista Colonial, Julho de 1918, pp. 114-115

[33] Claridade – revista de Artes e Letras, op. cit., nº 6, p. 40

[34] Madeira Santos, Maria Emília, Torrão, Maria Manuel Ferraz, Soares, Maria João, História Concisa de Cabo Verde, Lisboa, Praia, IICT/IPC, 2007, p. 74

[35] Claridade – revista de Artes e Letras, op. cit., nº 7, p. 52

[36] Monteiro, op. cit., p. 123

[37] Claridade – revista de Artes e Letras, op. cit., nº 2, p.10

[38] In França, Arnaldo, Escritos filológicos e outros ensaios, IBNL, 2010, p. 45

[39] Ver Nobre de Oliveira, João, A imprensa em Cabo Verde de 1870 a 1975, Macau, Fundação Macau, 1998

[40] Matos, Patrícia Ferraz, As Cores do Império: representações raciais do “Império Colonial Português” nas primeiras décadas do Estado Novo, Lisboa, ICS, 2006, p. 55

[41] Citado por Matos, op. cit., p. 149

[42] Matos, op. cit., p. 132

[43] Ver Monteiro, op. cit., p. 18, p. 123

[44] Monteiro, op. cit., p. 155

[45] Gama, Maria João, O universo feminino em António Aurélio Gonçalves, Praia-Mindelo, CCP/Instituto Camões, 2009

[46] Teixeira de Sousa, Henrique, “Raiva”, Cabo Verde – Boletim de Propaganda e Informação, Praia, Ano XI, nº 124, Janeiro de 1960

[47] Ver Silveira, Onésimo, Hora Grande, Nova Lisboa, Publicações Bailundo, 1962

[48] Benoliel Coutinho, Ângela Sofia, “The participation of capeverdean women in the national liberation movement of Cape Verde and Guinea-Bissau (1956 – 1974): the pioneers”, Africa in the World 02/2017, Dakar, Rosa Luxembourg Stiftung West Africa, p. 5, cita Pimentel, Irene Flunser, A cada um o seu lugar – a política feminina do Estado Novo, s.l., Círculo de Leitores/ Temas e Debates, 2011, p. 40

[49] Benoliel Coutinho, Ângela “As mulheres na imprensa colonial privada cabo-verdiana (1877 – 1975)” comunicação no Congresso Internacional Política e Cultura na Imprensa Periódica Colonial, Lisboa, 22 – 24 de Maio 2017, CHAM, Universidade Nova de Lisboa, Universidade dos Açores, CEI- ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, CEC, Universidade de Lisboa

[50] Monteiro, op. cit., p. 130 – 132

[51] Cabral, Amílcar, “Manifesto Aos Caboverdianos residentes na República do Senegal, 1961”, in Cabral, Amílcar, Sou um simples africano…Lisboa, Fundação Mário Soares, 2000, p. 31

[52] Benoliel Coutinho, Ângela Sofia, “The participation of capeverdean women in the national liberation movement of Cape Verde and Guinea-Bissau (1956 – 1974): the pioneers”, Africa in the World 02/2017, Dakar, Rosa Luxembourg Stiftung West Africa, p. 11-12

[53] Monteiro, op. cit., p. 186, 187

[54] Benoliel Coutinho, Ângela Sofia, ‘’O Recrutamento Ministerial em Cabo Verde (1975 – 2006)”, In Montalvão Sarmento, Cristina, Costa, Suzano (orgs.), Entre África e a Europa – Nação, Estado e Democracia em Cabo Verde, Coimbra, Almedina, 2013, p. 380, 381

[55] Benoliel Coutinho, op cit., p. 382

[56] Monteiro, op. cit., p.18, 118

[57] Furtado, Cláudio Alves, “Raça, classe e etnia nos estudos sobre e em Cabo Verde: as marcas do silêncio”, Afro-Ásia, 45, (2012), 143- 171, p. 143- 144

[58] Furtado, op. cit., p. 163

[59] Furtado, op. cit., p. 148

[60] Monteiro, op. cit., p. 209, 210

[61]Monteiro, op. cit., p. 270

[62] Neves, José Maria, Cabo Verde – gestão das impossibilidades, Lisboa, Autor & Rosa de Porcelana, 2015, p. 54

[63] Neves, op. cit., p. 55

[64] Neves, op. cit., p. 54

[65] Ver os vários capítulos que a História Geral de Cabo Verde dedica ao papel da Igreja Católica na formação da sociedade cabo-verdiana.

[66] Monteiro, op. cit., p. 191

[67] Suplemento ao Boletim Oficial de Cabo Verde, nº 3, 25 de Janeiro de 1991, Suplemento ao Boletim Oficial da República de Cabo Verde, Iª série, nº 2, 22 de Janeiro de 2001, Suplemento ao Boletim Oficial da República de Cabo Verde, Iª série, nº10, 7 de Março de 2006

[68] Suplemento ao Boletim Oficial de Cabo Verde nº50 – 16 de Dezembro de 1980, Boletim Oficial de Cabo Verde nº 50, 14 de Dezembro de 1985

[69] Benoliel Coutinho, Ângela Sofia‚ “Women as Ministers and the Issue of Gender Equality in the Republic of Cape Verde”, Afrika Zamani, Dakar, CODESRIA, Nºs 18 – 19, 2010 – 2011, pp. 149 – 158, p. 154-155

[70] Monteiro, op. cit., p. 210

[71] Ramos, Max Ruben Tavares de Pina, Missionários do Sul: evangelização, globalização e mobilidade dos pastores cabo-verdianos da Igreja do Nazareno, tese de doutoramento em Antropologia, Lisboa, ICS, 2015

[72] Vasconcelos, João, Histórias do Racionalismo Cristão em S. Vicente, de 1911 a 1940, S. Vicente, Autor e Comissão Organizadora da Comemoração do 1º Centenário do Racionalismo Cristão em Cabo Verde, 2012

[73] Vasconcelos, op. cit., p. 149

[74] Vasconcelos, op. cit., p. 160

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