Por: Alexandre Gomes
Em tempos, o aglomerar de pessoas, os beijos, abraços e apertos de mãos, bem assim como a participação em atividades de caris sociocultural, fazia parte da praxe e da morabeza do cabo-verdiano. Agir em sentido contrário constituía um forte desvio às normas de trato social vigentes na relação interpessoal.
Hoje, tudo mudou, e aquilo que era mera regra de conduta, passou a consubstanciar disposições com caráter de lei, geral e abstrata, fazendo legitimar a intervenção do Estado, através do seu ius imperii e ius puniendi. Pergunta-se!?
O que se passou de facto, para que houvesse mudanças substanciais em tão curto espaço de tempo e qual a solução que vislumbra subjacente?
Em causa está, efetivamente, a situação sócio-sanitária vivida no país e no resto do mundo face à pandemia do vírus SARS-COV-2, responsável pela transmissão da doença do Covid 19 que em março de 2020, como já era de se esperar, chegou até nós com a manifestação do primeiro caso positivo ocorrido na ilha da Boa Vista. Assim, e por efeito contágio, se alastrou às restantes ilhas.
Realidade essa que fez o país passar por estado de contingência com medidas de caráter excecional e restritivas a certos catálogos de direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados.
Com efeito, orientações emitidas pelas autoridades sanitárias levaram a concluir que a melhor via para fazer face à propagação e contágio do vírus, é a prevenção.
A prevenção, na verdade, implica um novo olhar e uma nova visão. Um olhar veementemente intrínseco, porém, totalmente holística. Neste sentido, um olhar intrínseco que permita a adoção de atitude e comportamentos para não só manter intacto à contaminação, mas, acima de tudo, impedir a propagação do vírus. Olhar este que possibilite avaliar a responsabilidade individual, sem prejuízo da responsabilidade coletiva e o papel que cabe ao Estado. Por seu turno, as autoridades, a par destas, devem, ainda, alinhar as medidas de contenção às melhores práticas e orientações emanadas pela comunidade internacional e demais protocolos, existindo. Ali reside a diferença e a responsabilidade pública e privada nesta matéria.
Tal olhar leva o homem a reconhecer a sua natureza, limitada e finita; incapaz de compreender e ter respostas a todas as questões que lhe aflige. Deve o homem, assim, reconhecer a sua condição de criatura. Ademais, assistiu-se o mundo, governado pelas grandes potências, parar perante esta pandemia e demonstrar inábil a apresentar uma solução alternativa que fizesse face ao vírus, a tão almejada e propalada vacina. Vaticinemos que chegue em breve para bem de todos nós.
O reconhecimento e a crença do ser humano num ser onipotente, onipresente e onisciente, demonstra hoje uma necessidade premente, entretanto o orgulho e a leges artis que chegou a ciência, lho impeçam tal reconhecimento.
É este olhar que nos permita compreender que na vida deve-se priorizar assuntos importantes em detrimento dos menos relevantes. A saúde é, e sempre foi, a prioridade das prioridades… Porém, inobstante outras necessidades, parece hoje, que a grande fatia do orçamento familiar deve dar primazia à aquisição de medicamentos, uma alimentação equilibrada e que reforça o sistema imunológico e, uma reserva mensal, a responder a casos de doença, demostra imprescindível na economia familiar, bem assim como demais orçamentos mutatis mutandis.
Este mesmo olhar permita aceitar que a vida deve ser norteada por procedimentos e normas que permita não só garantir a existência do mínimo ético, mas, sobretudo, uma sã convivência entre o homem.
Por fim, este olhar para dentro nos permite concluir que um Estado-Social precisa-se. Cabo Verde pela sua natureza arquipelágica, insular e em desenvolvimento, vulnerável aos choques externos, deve se fundar a sua intervenção num estado social forte e robusto capaz de fazer face a tais choques e responder, em tempo record, a necessidade de suas gentes. Não estou a defender um estado social per si, muito pelo contrário, um reforço de políticas públicas de caris social, bem delineadas e assentes em recursos endógenos para, em paralelo, fortificar o sistema económico do país e servir de alternativa credível, ao turismo como motor da nossa economia.
Portanto, é este olhar que devemos cultivar e que nos permita construir um país melhor e com oportunidades para todos, sem olvidar que a construção intrínseca do ser humano é conditio sine qua nom para atingir tal desiderato.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 671, de 09 de Julho de 2020