PUB

Colunistas

O que, realmente, queremos ser?

Por: Natacha Magalhães

Daqui a pouco mais de uma semana, Cabo Verde comemora o seu 45º aniversário enquanto país independente. Há 45 anos, escolhemos caminhar com os nossos próprios pés, ainda que nada. Nesse quase meio século de caminhada a solo, é inegável que houve progressos assinaláveis. Todos que governaram e governam o país, têm sonhos e uma ambição para esse país que almejamos que seja desenvolvido, moderno, competitivo, capaz de estar à altura dos desafios globais. Cada um que assumiu a governação do país definiu a sua agenda transformadora, na boa fé de que estaria a fazer as melhores escolhas para fazer desse pequeno país um torrão próspero e uma referência mundial, continental e sub regional. Porém, volvidos todos esses anos, por causa dos desafios globais e atuais, e porque temos uma grande responsabilidade para com as próximas gerações, onde estamos e o que somos, atualmente, já não basta.

1.Onde estamos, nos conforta?  São quase cinco décadas de Estado independente, que já não se compadece com avanços lentos, muito menos com contentamentos derivados de índices internacionais que nos colocam ora aqui ora acolá, mais para cima ou mais para baixo, mas que pouco estão a trazer de retornos significativos, traduzidos em prosperidade e ganhos económicos e sociais nem muito menos fazem de Cabo Verde uma referência na sua sub região, como é a ambição dos sucessivos governos. O que pretendo ressalvar é que sermos bem avaliados lá fora só terá impacto se conseguirmos fazer com que olhem para nós como uma nação competitiva e atrativa a investimentos que, por sua vez, promovam o desenvolvimento sustentável e inclusivo. Volvidos 45 anos, é imperioso que todos, principalmente aqueles que se propõem a abraçar a missão de gerir o país, seja no governo, na gestão autárquica ou à frente dum serviço público, façam um exercício sereno e honesto de olhar para dentro e para o interior da nossa casa comum, as ilhas, e nos perguntarmos que país somos hoje, o queremos ser e onde queremos chegar. Depois, cada um deverá voltar-se para si e questionar-se sobre o que estará a fazer (ou não) para que o barco chegue ao bom porto.

2.Onde está o problema? Tenho que trazer para aqui o caso do Ruanda.  Não é relevante vir dizer que o atual chefe do governo ruandense não passa de um ditador, que restringe direitos e liberdades, como já li algures. Mas quantas democracias consolidadas têm como líderes políticos que se socorrem do populismo e do nacionalismo exacerbado para se elegerem e se manterem no poder? Que dizer dessas lideranças que não se compadecem com opiniões contrárias nem com as dificuldades de boa parte dos seus cidadãos, que não os ouvem e ainda semeiam desconfiança e divisão? Quantos democratas já não se renderam à tentação de tentar condicionar liberdades e direitos? Paul Kagame pode até ser taxado de ditador, porém não se lhe pode negar visão, ambição, assertividade, ousadia e espirito de liderança nem que conseguiu realizar a sua ambição.  Quase três décadas depois do genocídio, Ruanda se reinventa e escreve uma nova pagina na sua História; investiu no crescimento económico, apostando em áreas que elegeu como estratégicas, com a firme ambição de se tornar numa referência em África. E está a consegui-lo. Por outro lado, apostou no desenvolvimento urbano sustentável como uma alavanca para reduzir a pobreza e as disparidades sociais e de género e melhorar a saúde, tornando Kigali numa capital de referenciada em termos de desenvolvimento sustentável. Não há como olhar para o Ruanda miracle, como muitos já lhe chamam e não fazer a pergunta “porque conseguem uns e não conseguem outros? Assim, o quê, no nosso caso, com a nossa posição, estabilidade e tendo a boa governação como um dos nossos maiores trunfos, não está a resultar? Porque décadas e décadas de discursos de transformação, Cabo Verde, com excelentes recursos humanos, não se tornou, ainda, na tão ambicionada referência?

“Cabo Verde terá que correr contra o relógio e recentrar a bússola num contexto atual desfavorável, sob pena de perder o comboio, ser ultrapassado por outros, que tendo as mesmas vantagens, souberam ultrapassar quezílias internas para prosperar”

3.Nós e as nossas escolhas. Diz-se, e é verdade, que as nossas escolhas ditam o nosso futuro. Volto a pegar no Ruanda case. Pesquisas mostram que essa nação é um dos principais países africanos em crescimento económico. O país, desde que Kagame assumiu o poder, definiu a sua meta de desenvolvimento, os caminhos para lá chegar, apostando as suas fichas nos setores da agricultura, energia, infraestruturas, mineração e turismo, conseguindo tirar mais um milhão de ruandeses da pobreza; modernizou-se e atraiu grandes empresas – a Volkswagen e a Siemens são duas delas – que instalaram ali linhas de montagem, contribuindo para gerar milhares de postos de trabalho. Por outro lado, foi o primeiro país africano a colocar as mulheres em primeiro plano da vida pública, aprovando e efetivando, na prática, leis que asseguraram a plena delas na vida política e social. Trinta por cento dos cargos são exercidos por mulheres em todos os órgãos estatais, e em 2017, 67% dos assentos do Parlamento eram ocupados por mulheres, colocando o país lado a lado de nações desenvolvidas como Finlândia, Noruega e Suécia. Logicamente será correto deduzir que se estão em maioria ou em grande número nos centros de decisão, o sucesso do país também se deve a elas, a sua visão de desenvolvimento e a uma outra forma de exercer a politica. Ruanda fez as suas escolhas, claras, e hoje granjeia do sucesso delas inerentes.  E mais uma vez, e nós, que escolhas estamos a fazer? O que queremos ser enquanto país, para o mundo?

4. Um passo para frente, dois para atrás. Quarenta e cinco anos depois, após sucessivas lideranças, o cidadão interessado e informado fica com a perceção – ou já será certeza? –de que cada vez que um partido assume a governação, o barco volta ao porto de partida. Nada que tenha sido feito antes presta, tudo se romba, se apouca, toda a travessia foi má, o barco andou a navegar contra a maré. Cada um que chega, vem com as suas prioridades, mas que bem vistas, não passam do mesmo, só que mais ou menos embelezada.  Até porque nesse país, de sol e mar, de homens da terra, de gente criativa e ousada, não há muito por onde ir. As áreas que nos servem há muito que estão definidas. Onde queremos e podemos ser competitivos e atrativos, sabemo-lo de cor.  O maior problema é aceitar que todos somos válidos nessa navegação. Que todas as boas ideias devem ser tidas em boa conta. Mas é hora de mudarmos. Como disse e bem o vice-primeiro ministro, ninguém sozinho tem nem terá todas as repostas para os novos desafios. Aliás, o governante foi assertivo quando disse que governar é motivar e empoderar pessoas, e para tal, é preciso ouvi-las. A hora é de escutar e aceitar que todos são válidos. A falta de consensos, a confrontação permanente e a busca pelo protagonismo impedem o país de colocar toda a energia dos seus cérebros e, por consequência, a tornar Cabo Verde num país interessante e atrativo aos grandes investimentos que é o que interessa.

5. Correr contra o tempo. Não há muito mais tempo. Cabo Verde terá que correr contra o relógio e recentrar a bússola num contexto atual desfavorável, sob pena de perder o comboio, ser ultrapassado por outros, que tendo as mesmas vantagens, souberam ultrapassar quezílias internas para prosperar; terá que identificar o seu norte e tudo fazer o para lá chegar. Se for no turismo, na agricultura, nas novas tecnologias, na economia azul ou verde que seja, mas é preciso escolher e seguir em frente, porque como diz o ditado gato que corre atrás de muito ratos corre o risco de não pegar nenhum. É hora de escolher e focar nas verdadeiras prioridades sociais e económicas, com metas de médio e longo prazo, ouvindo todos, contando com todos. Dessa forma, seguramente haverá mais oportunidades para os empresários, para investidores, para visitantes e até mesmo para os nossos jovens.

E então, que país queremos ser? Daqui a cinco anos, no 50º aniversario, faremos o balanço.

PUB

PUB

PUB

To Top