Por: Mónica S. Vieira Rodrigues
Apesar dos grandes esforços das autoridades nacionais e dos profissionais da saúde na gestão epidemiológica, a comunicação da crise tem negligenciado a aplicação de uma linguagem inclusiva, honesta e responsável, a começar pelo idioma escolhido para a produção dos conteúdos e as suas divulgações para diferentes públicos, incluindo as pessoas com diferentes necessidades especiais, nos meios de comunicação de massa, redes sociais e plataformas de comunicação do Governo e outros canais offlines.
Reações no Facebook
No início da gestão desta crise pandémica, a legitimação da comunicação pelo Governo e medias durante o período de Estado de Emergência têm demonstrado ser eficaz por um lado, e com melhorias significativas até este momento. Ora, as reações dos internautas da rede social mais usada em Cabo Verde, o Facebook, transmitiu as dificuldades do Governo em gerir as expectativas, medos e ansiedades das pessoas com possibilidades e condições de ficar a trabalhar em casa. Pois, registra-se não poucas vezes, exigência de mudanças de comportamentos que se quer repentinas das pessoas com pouca resiliência económica e financeira em seguir religiosamente as medidas de confinamento.
Contrariamente, entende-se o medo da propagação do vírus numa cidade como a nossa, contudo, é necessário uma comunicação integrada, honesta e responsável que não tornasse as pessoas de baixa renda como bodes expiatório por motivo da sua origem ou raça na gestão do confinamento. O que aconteceu, na prática, foi o distanciamento das responsabilidades dos governantes e a culpabilização dos “badius”- sujeitos incógnitos dentro da diversidade da população residente na Cidade da Praia.
Com a massificação do uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação não é mais aceitável que a nossa insularidade geográfica continue a distanciar-nos, perpetuando dessa forma discursos preconceituosos e discriminatórios contra as pessoas de uma ilha em relação à outra. Nesse aspecto, é preciso reconhecer a importância da comunicação social como uma ferramenta estratégica na veiculação de conteúdos que promovam a igualdade de género e a participação equilibrada de homens e mulheres de todas as ilhas. No contexto social, como afirmam várias literaturas, os medias desempenham uma função fundamental na mudança de comportamentos e atitudes.
Comportamentos e discursos bairristas
Porém, a consciencialização destes fenómenos sociais em Cabo Verde, incluindo comportamentos e discursos bairristas, passa, primeiramente, pela própria desconstrução social dos que encontram-se em posições de tomadas de decisões, em particular, os decisores políticos, legisladores, pessoas com responsabilidades na implementação das políticas públicas a nível nacional, etc. É verdade que os e as profissionais dos media têm um papel crucial na reconstrução identitária de uma sociedade, porém, não se concretizará sem a vontade política e a colaboração de todos e todas.
Em relação ao conteúdo, a sua forma de transmissão não comporta ações isoladas. Ainda que se quer comunicar e consciencializar a população sobre os riscos e os impactos da corrente situação, faltaram nas comunicações oficiais do Governo uma análise clara dos vários aspectos sutis, não obstante sensíveis que terão grandes repercussões sociais advenientes do processo de adaptação ao Estado de Emergência.
Limita-se a falar apenas sobre medidas definidas pela OMS e as suas implicações a nível local, e não foram tidas em conta, como por exemplo, características sociais e culturais de um povo – neste caso concreto Cabo Verde-, com mais da metade da população a depender do sector informal, portanto, sem uma renda fixa e nem acesso ou garantia de serviços de proteção social.
Este artigo centra-se naquilo que chamamos “consentimento da linguagem sexista, bairrista e discriminatória” por parte das instituições públicas, dos grupo de elites, dirigentes governamentais e parlamentares, no âmbito da gestão epidemiológica em Cabo Verde.
Para além das desigualdades de género, essas atitudes divisionistas fomentadas pelos internautas contribuem para aumentar ainda mais as vulnerabilidades dos cidadãos e, consequentemente, comprometendo os seus direitos.
Esta crise sanitária em momento algum deveria ser usada como um instrumento para promover a estigmatização da população de uma ilha em relação à outra, muito menos para discriminar com discursos de ódios e pôr em causa os direitos humanos e os seus princípios.
A ONU estabelece uma lista de princípios dos direitos humanos que definem as suas qualidades, onde enfatiza-se a universalidade e inalienabilidade, entre outros, como a não revogação e responsabilidades, a liberdade de expressão, a igualdade no tratamento dos cidadãos. Ainda, esta crise não deve ser utilizada como um meio para a usurpação do poder ou prejudicar o exercício de outros direitos, como os sexuais e reprodutivos. Pelo contrário, esses princípios deveriam nortear todas as ações de resposta ao vírus SARS-CoV-2gi – sem deixar ninguém para trás, nesta atualconjuntura.
Linguagem e conteúdos
Consequentemente, diante desse facto, a situação nos remete a uma análise com uma perspectiva sociológica da construção da linguagem à nível do jornalismo e comunicação social, assim como os conteúdos das notícias veiculadas nos meios de comunicação de massa.
Por um lado, é necessário o entendimento das relações das fontes do poder social dentro de uma sociedade arquipelágica e economia globalizada. De uma forma geral, o desequilíbrio claro de participação entre homens e mulheres, tanto na esfera pública, como na privada decorre de uma construção social, assim como o processo da construção da linguagem sexista evidentes nas várias comunicações do Governo, comunicação social e sociedade civil.
Naturalmente, como já foi referida acima, a construção da linguagem é formada por uma grande variedades de forças e fatores, das quais económica, política, cultural, organizacional, etecnológica que se resumena sua coletividade comosociológica.
Daí a importância da responsabilidade política e a afirmação do respeito pela igualdade e diversidade. Para além disso, a vontade política em revisar os manuais de linguagem administrativa e institucional, inclusive dos medias se existirem, caso contrário a sua criação com abordagem de linguagem inclusiva é recomendável.
Mais precisamente, a abordagem sociológica das notícias e do jornalismo em si, tanto a nível da assessoria de comunicação institucional, como também do jornalismo para a comunicação de massa nos permite sintetizar e elencar de forma empírica os quadros dos princípios e ideologias, baseados nos títulos de notícias e comunicados oficiais do Governo, números de artigos que retratam os mesmos tópicos e a percentagem da aparição dos artigos que abordam os mesmos assuntos.
Outros aspetos importantes a ressaltar nesta análise são os processos de produção e divulgação dos conteúdos, canais de divulgação e seu alcance, quer onlines e offlines, bem como a avaliação dos impactos dos conteúdos no receptor final depois da efetivação de uma determinada comunicação.
Falhas na comunicação
Por esta razão, a utilização de uma linguagem inclusiva e responsável na gestão epidemiológica é uma ação que vai para além da coerência política e governamental. Por conseguinte, uma questão da responsabilidade social e política dos governantes, medias e sociedade civil. Acredita-se que o uso dessa linguagem, mesmo que de forma gradual, serviria como estímulo para eliminar o antagonismo entre ilhas e a participação de mais mulheres na esfera pública e em posições de liderança, assim como a criação de um ambiente cordial onde todos e todas tenham acesso igual para se expressarem.
De uma forma geral, sentiu-se a necessidade de uma comunicação com informações claras e honestas e a assunção dos erros cometidos desde o início da criação e implementação de planos de contingência. Uma comunicação integrada que não se limitasse às conferências de imprensas e divulgação dos relatórios epidemiológicos e medidas de prevenção, mas também a sincronização das motivações e o atraso do Governo em chegar às camadas menos favorecidas, com poucos recursos e poder econômico, para evitar a incitação do discurso de ódio e linguagem discriminatória.
No entanto, essa incapacidade ou a morosidade do Estado em se posicionar diante dessas atitudes divisionistas evidencia a permissão da sua perpetuação. Esse antagonismo entrePraia e S. Vicente, Barlavento e Sotavento ou ainda, politicamente falando, entre badiu e sampadjudo requer uma análise estrutural para além das análises simplistas sobre estigmas e/ou auto-estimas por detrás dos complexos de inferioridades, do xenofobismo, do bairrismo acentuado tanto de um lado como de outro.
Intensificação de comentários xenófobos
Em consequência, a intensificação dos discursos de ódios e comentários xenófobos nas redes sociais suscitam uma intervenção séria por parte do Governo em fazer valer a Constituição da República de Cabo Verde.
Assim, o enquadramento e o fortalecimento do quadro legal da cibersegurança, assim como a aplicação dos mecanismos do código penal é fundamental no combate aos crimes virtuais e ataques contra a integridade moral das pessoas nas redes sociais de forma a salvaguardar a sua dignidade.
Porquanto, dos e das dirigentes desta pequena NAÇÃO não se espera apenas que detenham um título nas universidades de renomes no estrangeiro e estar nessa terra vulcânica e fértil a ocuparem lugares de decisores, como também exige-se a capacidade de reconhecer os pontos menos fortes na gestão do país tanto nos tempos considerados normais, como nos tempos de crises, assim como assumir as suas responsabilidades na eliminação de todo e qualquer tipo de discriminação, da redução da injustiça social, do uso da linguagem pejorativa, sexista e não inclusiva, e igualmente o bairrismo que tem intensificado ultimamente com a massificação do uso das redes sociais e agudizando ainda mais com propagação do vírus na Cidade da Praia.
De outra sorte, não há nenhuma dúvida de que a ignorância e o desconhecimento da história nacional pelos mais jovens e a estratégia da propaganda de controlo do poder pelas elites têm contribuído para perpetuação desta normalidade com o apoio das instituições do Estado, uns mais visíveis que outros, e os medias nacionais, quer públicos ou privados.
Portanto, a desconstrução dessas narrativas bairristas e baseadas em preconceitos passariam por um estudo mais aprofundado da história política para se entender os fatores implícitos na afirmação da classe política e elitista nacional para que possamos entender quem está usufruindo dessa luta virtual e ilusória visto que é desvantajosa para a maioria, sem nenhuma ligação com o poder.
Outras questões-chave
Outras questões-chave que precisam ser trazidas à luz são as seguintes: quais são os interesses por detrás dessa rivalidade, quem são os principais atores da sua amplificação, quem controla e quer continuar nesse poder, assim como os interesses mútuos e relacionamentos entre as mídias (públicas e privadas) e entre aqueles que fazem notícias e têm o poder de definir e explicar o que os conteúdos significam.
Fatores esses que, infelizmente, vem deturpando a visão e o posicionamento estratégico do país no mercado regional e global e atrasar igualmente o desenvolvimento integrado e inclusivo da Nação já fragmentada pela sua própria insularidade geográfica.
Para concluir, a linguagem inclusiva e responsável tem que ir para além das trilogias de Castells sobre a era da informação, sobretudo focar nas fontes de poderes sociais e em como as relações entre os poderes-cultural, económico e, particularmente, político são constituídos e mantidos através dos fluxos da comunicação sistemática, dentro de um determinado contexto social.