Está na forja a criação de um cineclube na cidade de São Filipe, Fogo. A sua institucionalização deverá acontecer a partir de Novembro próximo, após o levantamento das restrições motivadas pela pandemia da covid-19.
Para levar a ideia adiante, uma dezena de pessoas esteve reunida, no fim de semana passado, na sala António Mascarenhas Monteiro, um dos espaços do auditório Padre Pio Gottin, em São Filipe, para a visualização do filme “Meu amigo Fela” do realizador brasileiro, Joel Zito Araújo, e amadurecer a ideia sobre a criação do cineclube.
A promotora da iniciativa, Maria da Graça, justificou a criação do cineclube com o facto da ilha do Fogo não dispor, neste momento, de nenhuma sala de cinema, mas também com a necessidade de se revitalizar aquilo que outrora existia no município, a projecção de filmes.
O cineclube, além de ser um espaço para exibição de filmes, servirá para o convívio entre pessoas, dialogando, debatendo ideias e desenvolvendo o próprio intelecto.
Neste momento a ideia é ter um cineclube aberto a todos os interessados, mas com um grupo de associados, que pagam uma quantia mensal para ter dois ou três filmes por mês, assim como momentos de encontro e de partilha de conhecimento.
Para marcar o começo da iniciativa, foi exibido o filme, Meu Amigo Fela, prevendo para as próximas sessões a exibição do filme Ilhéu de Contenda, do realizador cabo-verdiano, Leão Lopes. Isto porque o cineclube vai ser um veículo de cultura muito forte e de expressão de sentimento, além de aproximação das pessoas.
Meu amigo Fela
O realizador do “Meu Amigo Fela”, Joel Zito Araújo, disse que a película remete para uma biografia de Fela Kuti, um “génio africano” e “um grande africanista”, que criou o afrobeat e que teve uma vida trágica. “É um típico herói africano”.
Fela Kuti foi um multi-instrumentista nigeriano, músico, compositor, pioneiro do género musical afrobeat, activista politico e dos direitos humanos, de entre outros, e o filme aborda questões actuais, sobretudo agora com a questão do racismo que está a incendiar os Estados Unidos da América e não só com as manifestações, fazendo-se, mais do que nunca, pertinente, a sua visualização.
“Tentei fazer uma biografia mais honesta possível, não só mostrando toda a relevância, importância, beleza do trabalho dele (Fela Kuti), mas também o lado sombra, o momento em que começou a enlouquecer e começou a fazer uma série de bobagem”, disse o realizador, confessando que que não gosta de fazer filme, sobretudo quando se trata de biografia, celebrativo, enaltecendo apenas o lado positivo, como aconteceu com outros filmes sobre esta figura nigeriana.
A ideia, surgiu após conhecer o biografo dele (Fela Kuti) que morou no Brasil um tempo, Carlos Moore, que lhe ofereceu um exemplar do livro de Fela, e foi impactante.
Este conhecia a música de Fela, mas não sabia da sua história e decidiu fazer o filme depois de a conhecer.
Entre a ideia e a concretização, passaram 10 anos, período do tempo que levou para mobilizar os recursos, sublinhado que foi um filme caro, rodado na Nigéria, França, Estados Unidos da América, com muito material de arquivo, que segundo o mesmo, está cada vez mais caro. E a título de exemplo apontou que para o material relativo ao show de Berlim, pagou quatro mil euros por minuto.
Depois de ter mobilizado o financiamento para rodar o filme e quando preparava a viagem para a Nigéria teve conhecimento de que um outro americano tinha lançado um filme sobre a Fela e só decidiu avançar depois de visualizar o filme e de concluir de não era esse o filme que queria fazer.
Joel Zito Araújo salientou que “felizmente o outro não matou o seu filme”, que foi lançado no ano passado com estreia no festival de Roterdão (Holanda), passando depois pelos festivais mais importantes do mundo. Ganhou prémios importantes como o de melhor filme da diáspora africana, melhor documentário no festival de Camarões.
Participou nos festivais mais importantes do continente africano e na Europa e já foi vendido para cadeia de televisão norte-americana, na França e em alguns países de África.
“É um bom jeito das pessoas tomarem gosto pelo cinema, ter uma coisa que impacte” para iniciar o projecto da criação deste cineclube, concluiu.
Agora aguarda-se com expectativa a criação deste cineclube que irá certamente trazer mais valias à cultura da ilha do Fogo.