Esta é a terceira e última etapa da nossa viagem pelos concelhos de Santiago Norte num dia de estado de emergência. Desta feita, o nosso deambular levou-nos ao concelho de Santa Cruz, terra de música e agricultura. Melhor dizendo, depois de uma jornada, sem sobressaltos, do Tarrafal até à cidade de Calheta de São Miguel, resolvemos parar um pouco no alto da Calhetona para tomar um pouco de ar fresco, recarregar energia e seguir em frente. Eram 13h30 quando partimos do entroncamento do alto da Calhetona rumo à Perda Badejo.
A nossa primeira atracção foi a pequena praia de areia branca, carinhosamente conhecida por “Praia dos Amores”. Um nome bastante sugestivo em dias normais. E logo, na nossa imaginação, contávamos ver casais de namorados, amigos ou famílias a desfrutarem daquela bela praia aconchegante, naquela tarde de sol quente, como é de costume. Mas, desta feita, a praia estava também ela deserta, por força do estado de emergência, que até o amor colocou “em quarentena”.
Ponta Salto é um dos primeiros povoados do concelho de Santa Cruz que atravessámos nesta viagem por estradas e lugares quase fantasmas. Finalmente, na estrada junto ao perímetro agrícola Justino Lopes, cruzámos com alguns trabalhadores acabados de sair das suas fainas. Afinal, sem os meios de sobrevivência, e sobretudo sem as manhas de quem vive nas cidades, também esses lavradores, à semelhança de muitas outras categorias profissionais, não podem parar de trabalhar; caso contrário, vai faltar pão na mesa dos que estão em quarentena em casa. Os agricultores estavam com ar de apressados depois mais um dia de trabalho debaixo de sol abrasador.
Para trás deixámos Justino Lopes e subimos em direcção à Santa Cruz, localidade que dá nome ao concelho; minutos depois, já estávamos no alto da Bela Vista, nas imediações do complexo Casa para Todos. Lá do alto aproveitámos para lançar um olhar sobre Pedra Badejo, que parecia descansar tranquilamente, num dia de pouca movimentação de viaturas e gente nas ruas.
Descemos para constatar de perto como que as pessoas se estavam a adaptar ao estado de emergência e logo à entrada fomos visitar as Tendas El Shaddai. À nossa chegada fomos recebidos pelo “Tio Honório Fragata” como carinhosamente é chamado pelos residentes nas Tendas. E, em breves minutos de conversa, confessou-nos que estão a passar por momentos difíceis:
“Esta pandemia apanhou-nos quase que desprevenidos. Estamos um bocadinho expostos, há pessoas que entendem, mas há aqueles que não querem entender a questão da quarentena. Neste momento estamos com 38 jovens residentes distribuídos por oito tendas. Estamos a falar de pessoas de risco, dado que estão com fraca imunidade devido ao consumo de drogas”.
E para atravessar este momento difícil e sensível, Honório diz que está a contar com a solidariedade das autoridades, nomeadamente da Câmara Municipal, da Delegacia de Saúde, dos agricultores e jovens do concelho, amigos, que lhes tem oferecido géneros alimentícios e produtos de higiene. Em suma, diz que é tempo de todos manterem vigilantes, solidários uns com os outros e obedecer as recomendações das autoridades, nacionais e internacionais.
Cais às “moscas”
Depois de conhecer as preocupações do responsável das Tendas El Shaddai, seguimos a nossa viagem, agora pelo centro de Pedra Badejo, onde havia poucas pessoas a circular nas ruas e fomos parar no cais. Em tempos normais, este é um lugar animado pela azáfama das peixeiras, à espera de peixe, dos pescadores a chegar da faina ou a preparar-se para saírem, e até dos agricultores e comerciantes a organizarem as suas cargas para mandar de botes ou barcos de pescas para as ilhas da Boa Vista e do Maio. Mas, naquele dia, o cais estava praticamente vazio, sem vida, apenas um grupo de jovens dispersos numa “carraca”, à espera pela chegada de um navio que estava no fundo do horizonte e que sem pressas vinha a caminho de Santa Cruz. Os jovens, estes, dizem-nos que não havia nada para fazer, portanto, estavam ali à espera do navio, na expectativa de auxiliar na atracagem, em troca de algum peixe fresco para levar para casa.
Nós também, bem que gostaríamos de levar peixe fresco para o jantar, mas o nosso tempo era outro, tínhamos muitos quilómetros de estrada pela frente, por isso lá seguimos a nossa viagem, agora em direção à Rocha Lama, zona agrícola onde há muita produção de banana e, inclusive, faz a embalagem desse produto para enviar para as ilhas turísticas, nomeadamente Boa Vista. Também aqui, nestes dias de estado de emergência, de quarentema obrigatória, a interdição de circulação de botes entre ilhas e o encerramento dos hotéis na Boa Vista, por causa da Covid-19, já não há aquela lufa-lufa de embalagem de bananas para ilha das dunas.
Nesta nossa viagem por Santiago Norte deu para perceber que a vida e a economia na Região praticamente pararam por causa da COVID-19. E a retoma, no momento em que esta crónica é escrita, continua a ser uma incógnita. Aliás, nestes dias, ninguém sabe ainda ao que certo o que nos espera a todos amanhã. Conformados, resta esperar por dias melhores, em que as estradas, os povoados, as cidades e as gentes de Santiago estarão de novo, todos, envolvidos na sua rotina quotidiana, de luta e labuta, pelo pão de cada dia.