Por: Natacha Magalhães
“A resistência à mudança corresponde a um comportamento natural dos seres humanos como qualquer conduta que objectiva manter o status quo em face da pressão para modificá-lo” – Zaltman e Duncan, Strategies for Planned Changes (1977)
Sendo o principal centro económico do país, a Cidade da Praia e seus habitantes se encontram numa encruzilhada. Ou se continua no confinamento e assiste-se o país a caminhar para uma indesejada e perigosa curva descendente ou enfrentamos a realidade de termos que conviver com o vírus e mudamos completamente estilos e práticas de vida. Mas mudar, para muitos, não é fácil, porque há construções enraizadas difíceis de se demolir. Não sendo, porem, impossível, mais do que nunca, é imperioso que se incite a essa mudança. Para tal, uma outra abordagem comunicativa é fundamental para que seja possível aos resistentes se sentirem parte da solução, acolhendo e adotando boas práticas de prevenção ao covid19. Caso se continuar com a atual estratégia, será uma espécie deitar água para um coador.
Há dias, ao ver e ouvir pela TV os apelos tanto do embaixador bissau-guineense como do representante da comunidade islâmica guineense no país, que se dirigiam aos seus compatriotas, relativamente ao contexto da pandemia que enfrentamos, pensei para comigo que aquele é sim, o exemplo de uma comunicação que faz falta e afigura-se como muito necessária para o momento que atravessamos. Uma comunicação simples e direta, objetiva, elucidativa, como se diz na gíria, olhos nos olhos, dita na voz de quem sabe que será ouvido porque é tido em conta e porque granjeia de aceitação e respeito dos seus interlocutores, que, por sua vez, se sentem por estes representados. E mais, dita no crioulo da Guiné Bissau, para facilitar ainda mais o entendimento.
Venho acompanhando desse o inicio da pandemia, as mensagens, vídeo e áudio, que enformam a campanha de comunicação para a prevenção do covid19 bem como o propagar, à torto e a direito, da expressão que a Europa adotou como principal na sensibilização para a prevenção da pandemia; venho observando as mensagens na forma e no conteúdo e quer parecer que faltou aqui um aspeto extremamente importante que nenhum estratega de comunicação pode descurar: ose cuidado em fragmentar os alvos da comunicação. Não somos todos iguais, não tivemos o mesmo nível de instrução, não vivemos todos a mesma realidade, não percecionamos um problema da mesma forma. A máxima fikanakaza, está claro que, aqui na capital, e não só, não está tendo efeito e é agora desajustada, inoportuna e ineficaz. Se há cidadãos que vêm levando muito à serio as medidas de confinamento e distanciamento social, há as que são naturalmente propensas ao incumprimento; há as que, ainda que queiram, por diversas razoes, não podem cumprir o fikanakaza; há ainda aquelas que por desinformação, passam ao lado da problemática da pandemia e seus nefastos efeitos, logo, encaram-na como algo que não lhes diz respeito nem as afeta, dai que não sentem que tenham que ser parte da solução. Para estas, mais do que comunicar, é preciso um trabalho mais básico, uma outra abordagem de comunicação, que passa pela Educação, um dos pilares de qualquer estratégia de IEC.
Comunicação vs Representatividade
Um dos aspetos básicos de qualquer estratégia de comunicação e sensibilização é a chamada comunicação de representatividade. Trata-se de um conceito que não pode e nem deve ser ignorado. É imprescindível se conhecer e se levar em conta a realidade dos alvos que se pretende atingir sob pena se estar a gastar recursos sem se obter os efeitos desejados. Comunicar é conversa. E ninguém conversa eficiente e eficazmente com alguém que previamente não conhece. Só estando a par da realidade do seu interlocutor será possível transformar uma mensagem em algo prático, capaz de engajar e conectar.
O fikanakaza, dito nos media, por meia dúzia de pessoas que vivem uma realidade bem distante do alvo, quase sempre indivíduos rodeados pelo conforto que possibilita o cumprimento da máxima, não gera conexão, logo a propensão para ignorar ou nem sequer ouvir será a ação imediata. Quem ouve ou vê precisa, antes de mais, de se identificar com o interlocutor da mensagem; precisa saber que essa pessoa está a par da sua realidade e, no caso concreto do novo coronavírus, é preciso que o cidadão entenda o que deve fazer para impedir o vírus de circular. Aqueles cidadãos, para quem casa e rua se confundem, tal como cozinha e quintal, não vão poder ficar todo o tempo em casa; as que precisam sair para conseguir o pão para a boca não vão sequer ligar ao fikanakaza. Logo, para elas, que acredito serem a maioria, não deve ser esse o foco da mensagem. Mormente agora que vamos todos sair do estado de emergência, essa mensagem deve imediatamente mudar. O momento é para educar. As pessoas precisam de ser ensinadas sobre como circular sem fazer o vírus propagar-se, sem infetarem outras e sem se infetarem; precisam é de aprender como se processa o ciclo da transmissão; precisam que alguém lhes diga saiam à rua, porém façam-no em segurança, seguindo as medidas. E agora, que o uso das máscaras passa a ser obrigatório, é imperioso uma campanha massiva nos media, que ensine as pessoas como usa-las de forma segura ou como fazê-las em casa; que mostre as que não têm uma casa de banho ou um lavatório, ou toalhitas de papel, como lavar e secar as mãos; que ensine a pessoas como doravante andar de autocarro; como higienizar a casa; como entrar num serviço de atendimento publico ou um estabelecimento comercial. Todas têm que se sentir representadas nas mensagens.
Ver e ouvir, conectar, agir
E nesse processo, seguramente resultará melhor se as pessoas que derem a cara nessas campanhas, forem as que o povo se identifique e por elas se sinta representado. Só assim surgira a conexão. O recurso a vozes e rostos conhecidos, respeitados e tidos em conta pelas comunidades locais –lideres nas diversas áreas – gerará essa conexão imediata e logo, maior propensão ao cumprimento dos apelos. Por outro lado, são precisas mensagens mais explicativas sobre que tipo de vírus enfrentamos, o que faz, que consequências traz, com incidência num país como Cabo Verde onde um colapso no sistema de saúde poderá ser catastrófico. Talvez se tenha que ir mais longe, chocar alguns mais incautos e desobedientes, para que percebam a dimensão dessa pandemia.
Não educar nem comunicar nesses moldes parte desse povo, que mal a polícia vira as costas, se mete em bares e botequins, se ajunta em esquinas, em descontraída cavaqueira ou em passeios amigáveis às praias deitará por terra todos os esforços que esgotam recursos humanos e financeiros. Que se comece pela conexão. É o que fara o cidadão parar, escutar, compreender e agir.