Por: Natacha Magalhães
Juro que estava certa de que depois do sucedido na Cidade da Praia, onde houve indícios claros de que várias pessoas chegadas do estrangeiro não estavam a cumprir a quarentena domiciliária, e do caso de negligência e falhas graves nos protolocos de atendimento e segurança a uma ciente com covid19, no Hospital Batista de Sousa, ficaria tudo bem e mais erros não seriam cometidos. Ledo engano. Só que este tem particularidades. Por um lado, evidencia que afinal, em estado de emergência, ainda há lugar para manifestações irresponsáveis, com laivos de falta de respeito para com autoridades. Por outro, que houve cedências quando era o momento demanda e exige autoridade e firmeza.
Das coisas que custa entender
Quando em março foi anunciado o primeiro caso positivo de infeção por covid19, tinha feito a mim mesma a promessa de não deixar que a serenidade se me escapasse, que não iria deixar-me abalar pela crise pandémica que afeta a Humanidade, ainda que volta e meia seja invadida por preocupações próprias de cidadã, profissional e mãe. Aplaudi o governo quando este anunciou, sem demoras, as medidas constantes do plano de contingência, reconheci os esforços e o compromisso dos governos central e locais, a nível da prevenção e apoio aos mais vulneráveis, apoiei a decisão de se decretar o estado de emergência porque entendi que não bastaria apenas pedir as pessoas que ficassem em casa e lavassem as mãos.
Sim, estive ao lado do governo, porque sei que está a fazer tudo que pode, com os meios que tem, ainda que reconheça que nem tudo esteja a correr bem e que ainda vamos a tempo de mudar algumas decisões tomadas no afã de se fazer, algumas delas que irão, sem dúvidas, deixar muitos para trás. Dizia que tinha feito a promessa de manter-me serena. Mesmo quando veio a público o caso de São Vicente que evidenciou falhas graves nos protocolos de segurança e atendimento à paciente chinesa, infetada com o covid19, mesmo assim, continuei firme no meu propósito de não me angustiar, ainda que várias interrogações tenham aflorado à mente.
Em tempos de covid19 não se pode afrouxar, é inadmissível ligeirezas em atendimentos a pacientes que chegam as estruturas de saúde com sintomas de dificuldades respiratórias, tosse e febre. Sim, só quem não faz não falha, mas há falhas que não se aceitam nesse contexto, pois podem custar o que de mais precioso temos, vidas humanas.
E agora, Boa Vista?
Porém, eis que chega a notícia que deita por terra a serenidade. Mais casos positivos dos 70 testes feitos de um universo de 181 trabalhadores que deixaram o hotel no domingo, 12, sem que os resultados dos testes estivessem prontos. A prova de que o processo da Boa Vista não foi bem gerido. Houve hesitações, houve demoras na aplicação dos testes, e quando a situação se tornou insustentável o mais fácil foi mandar as pessoas embora, na crença de que estas iriam obedecer e ficar confinadas nas suas casas. Sinto um misto de emoções.
Tenho vários familiares e amigos na ilha. Tenho uma profunda ligação à ilha. Conheço a Boa Vista e as suas fragilidades, mormente a nível da Saúde. Pode-se dizer o que se quiser, mas é inegável que a ilha não esta preparada para lidar com uma semelhante pandemia. Quem vive ou já visitou a ilha e precisou de ir a estrutura de Saúde de Sal Rei sabe de não estou em divagações. Por ora, várias perguntas não querem calar.
Como foi possível alguém autorizar que as pessoas deixassem o hotel Riu Karamboa sem que os resultados dos testes estivessem prontos? Como se admite que num estado de emergência, decretado pelo PR, suportado pelo Parlamento, se ceda a pressões de um grupo que talvez ainda não tenha entendido a gravidade do problema, que não entendeu que há sacrifícios a serem consentidos por todos para que, de facto, tudo fique bem e para que possamos dizer que todas as provações que famílias e empresas de Barlavento a Sotavento estão agora a passar têm valido a pena? Então nenhuma lição foi aprendida com o caso do Batista de Sousa? Para quem não ficou claro que o ponto iii do artigo 3º do Decreto Presidencial nº6/2020 dá força legal ao governo de não se deixa pressionar por ninguém quando a prioridade é assegurar a segurança dos cidadãos? E a ideia de mandar pessoas para a quarentena domiciliaria, não se aprendeu nada com o caso da Praia? E dizer que mandar pessoas para a casa não é crime?
Pois pode até não ser. Crime é infetar outras pessoas por comportamentos irresponsáveis e egoístas.
Emergência e não só
Agora não há mais tempo para se perder, nem mais momentos para suavidades. O governo deve escolher que caminho quer seguir. Se o da segurança de todos ou o de caprichos de uns quantos. A Boa Vista merece uma atenção especial e talvez não seja com um mero alargar do estado de emergência. Medidas mais robustas são precisas para travar o avanço do vírus e se evitar que mais casos surjam. Diz-se que em momentos complicados há que se olhar também para oportunidades. Infelizmente, talvez seja esse o momento oportuno de se olhar para a ilha de outra forma, para se atender uma das suas maiores demandas, de anos, e que os sucessivos governos não conseguiram responder, não obstante as reivindicações dos boa-vistenses e dos que na ilha vivem.
É urgente o reforço do sistema sanitário da ilha, com um novo hospital, mais médicos e enfermeiros e auxiliares e pelo menos mais uma farmácia. A ilha, pelo crescimento populacional registado, pela sua importância enquanto segundo destino turístico mais expressivo dos pais, com a contribuição que dá ao PIB nacional, precisa ter e estar de boa Saúde.
Por outro lado, outras medidas devem avançar. Talvez o cerco sanitário numa parte especifica na ilha não seja medida descabida. Para travar a circulação das pessoas e consequentemente do vírus; o uso de máscaras deve ser incentivado. Que se adotem boas práticas de quem adotou, com resultados positivos, a estratégia de uso generalizado de máscaras e se acabe com a ideia de que só devem usa-las pessoas que estejam infetadas e profissionais de saúde. Ninguém sabe quem está infetado e até que os sintomas se manifestem uma só pessoa já terá infetado umas quantas.
Assim, o uso de máscaras tem o duplo efeito, proteger quem usa e quem não usa. Deve-se, ao contrário desta mensagem de desincentivo ao uso das máscaras, ensinar as pessoas como e quando usa-las; testar o máximo de pessoas e divulgar os resultados sem demoras, e reforçar as campanhas de prevenção, mas com mensagens adequadas à realidade dos que não pertencem ao grupo de privilegiados nem das elites, e por isso, carecem de uma outra abordagem comunicativa, com a qual possam se identificar e seguir.