Por: Filinto Elísio
Apoio as ações do Governo que, na minha modesta opinião, têm sido globalmente proactivas, assim como achei muito oportuno o Estado de Emergência, decretado pelo Presidente da República. Há opiniões diferentes, inclusive divergentes? Claro que sim – que haja (e bem-haja). Porque não? O Estado de Emergência não pode, nem pretende calar a voz dos cidadãos, da imprensa e dos partidos políticos. Tão pouco exige um cheque em branco da cidadania. Ele é perfeitamente constitucional e cuida-se em deixar intocável o dorsal dos direitos, liberdades e garantias. Agora, uma coisa é o nosso pensar diferente, outra coisa, é o nosso cumprir as regras e as leis, especialmente em estado de exceção e de calamidade pública. A questão premente é o vírus, perigosamente à solta e pronto a dar cabo da vida. Impõe-se que aceitemos o “comando único” (tanto institucional como operacional) para combater a pandemia, ao qual também somos chamados a colaborar e a dar o nosso contributo. Para derrotar o COVID-19, precisamos de um verdadeiro pacto político e de uma clara confiança geral. É vital um djunta-mon com todos na frente sanitária, social e económica, colocando Cabo Verde em primeiro, com as nossas liberdades (as dorsais) bem acesas, mas responsáveis. Como vem no Eclesiastes, há tempo para tudo e, assim, haverá aquele para balanço, relatório, inquérito e prestação de contas…tudo “by the book” e no figurino do Estado de Direito, que somos.
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O mais importante agora, em que vigora o perigo, é estarmos na mesma trincheira de um combate que vai ser duro e que exigirá de cada um disciplina, abnegação e generosidade. Ficarmos em casa e sem receber visitas, mantermo-nos rigorosos na higiene de lavar as mãos com água e sabão, dividirmos as tarefas domésticas e cumprirmos as instruções da Direção Geral da Saúde. Esta nova rotina, que como tudo exige “aprender, aprender sempre” e “pensar com a nossa própria cabeça”, não implica a hipocrisia de louvar o sabor do óleo de fígado de bacalhau que, como dizia o meu avô “não se toma por gosto ou sabura”. O estado de emergência, com regimes de quarentena, suspensão das ligações interilhas, paralisação do turismo e de outras atividades económicas, assim como o encerramento de fronteiras, tudo isso representa um enorme esforço financeiro e orçamental para o Estado Cabo-verdiano e uma grande provação para os cabo-verdianos. Quem há de gostar desta situação, atire a primeira pedra, mas convinha lembrar o vírus anda lá fora e pode matar.
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Aos ansiosos desta ou daquela tribuna, assim como as boas intenções (que também há) à esquerda ou à direita (alô, adultos na sala, precisam-se!), sabeis não nos livraremos tão cedo deste COVID-19, se não nos unirmos na nossa diversidade cidadã. Raros os que não estão de acordo com o Estado de Emergência, o melhor recurso que a democracia nos permitiu para enfrentar o problema. Exortou para o mundo o Papa Francisco numa carta: “É verdade que estas medidas incomodam aqueles que são obrigados a cumpri-las, mas é sempre para o bem comum e, a longo prazo, a maioria das pessoas as aceita e se move com uma atitude positiva. Os governos que enfrentam a crise mostram a prioridade de suas decisões: primeiro as pessoas”. Pessoalmente, subscrevo o que diz o Santo Padre, nas antípodas do que anda a pregar um político no Brasil, por exemplo. Aliás, Francisco vai mais longe: “Seria triste se o oposto fosse escolhido, o que levaria à morte de muitas pessoas, algo como um genocídio viral”.
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A memória coletiva do cabo-verdiano já passou e sublimou muita tragédia, pelo que a resiliência está incrustada na nossa identidade existencial e histórica. Por isso, pessoal, devagar com o andor que o santo é de barro e a procissão ainda vai no adro.
Publicado no A NAÇÃO, nº 657, de 02 de Abril de 2020