O Nação deixa-lhe aqui uma crónica assinada pelo jornalista Jason Fortes, que traz um olhar sobre o primeiro dia do Estado de Emergência na ilha de São Vicente.
Por Jason Fortes
Poucos minutos passavam da meia-noite de domingo (29) de Março e a insónia, aliada às redes sociais, continua o meu melhor companheiro, assim como nas últimas duas semanas. Acontece que nas próximas horas e durante 20 dias ninguém sabe o que nos aguarda nestes 10 grãozinhos de terra.
O Presidente da República decretou Estado de Emergência e, pese embora haver muitos “especialistas” nas redes sociais por estes dias, poucos ousam dar a cara para esmiuçar o que se pode ou não fazer na prática. Na dúvida muitos ficam em casa, mas pelo mesmo motivo, os mais incautos saem às ruas. Contudo, enquanto rabiscava esta crónica ainda não eram conhecidas as “balizas” daquilo que é ou não permitido durante estes 20 dias em que perdemos alguns direitos, como o de andar livremente na rua, tomar um banho de mar… (ainda que durante 20 dias…para já. Esperemos que sim.)
Mas voltemos às razões da minha crónica. Eram 11 horas deste domingo, quando inicio a minha ronda no bairro do Monte Sossego, um dos mais extensos e populosos (senão o mais) da ilha do Monte Cara. A popular Rua 1, está quase que deserta, quando comparado com um dia normal da semana. Não se se sabe ao certo, se em respeito ao “Estado de emergência”, ou por se tratar de um domingo comum.
De Monte Sossego sigo viagem em direcção ao mercado da Praça Estrela, local cujo pico de vendas e movimento de pessoas acontece aos fins-de-semana, principalmente domingo. Visivelmente às moscas, aqui um silêncio profundo impera e lá mais ao fundo avisto duas pessoas. De longe, com recurso ao telemóvel, capto algumas imagens. Aproximo-me e nisto, uma vivalma, meio desconfiada e num tom meio ameaçador atira “Ca bo fotografam”. Eu, sereno e sem muito tempo para uma eventual bate-boca, acato o pedido. Já na ala das verduras da Praça Estrela, as moscas dão lugar à uma revoada de pombos, que por breves instantes faz do espaço, sua casa.
Sigo com o meu itinerário, rumo a Rua-de-Praia, contabilizo cerca de uma dezena de pessoas, cenário estranho, não fosse esta uma das ruas mais movimentadas da ilha, mesmo para um domingo. À porta de uma das lojas da rua, duas pessoas aguardam ansiosamente pela sua vez para poderem fazer as suas compras.
A Praça D. Luís, desde Outubro do ano passado, albergue de uma emblemática escultura mural da “Diva dos pés descalços”, nunca se sentiu mais abandonada. Cize, outrora habituada aos flashes e poses fotográficas de turistas que ali passam, está agora só, contemplando a cidade que cantou e tanto amou. Perto dela, a rua junto à praça, comum ponto de passagem de várias linhas de autocarro, por estes dias nem sinal de passageiros.
Imagine-se agora um dos cartões portais de São Vicente sem pessoas. Um exercício difícil quando se fala da Rua de Lisboa. Na Praça Nova o cenário seria praticamente o mesmo, não fosse a presença de um sem-abrigo.
Do centro da cidade traço um novo rumo com paragens em bairros periféricos, casos de Chã de Alecrim, Fonte Inês e Ribeirinha. Por cá a vida segue quase que normalmente. Algumas mercearias e minimercados já adoptaram medidas preventivas ao COVID-19. Nomeadamente a limitação de clientes no mesmo espaço, à mesma hora e estabelecimento de um perímetro de segurança em relação aos balcões e caixas.
Neste meio tempo, por duas vezes, cruzo-me com um carro da Polícia Nacional. Numa dessas ocasiões e já no bairro de Ribeirinha agentes da PN tentam fazer dispersar um grupo de jovens, visivelmente alcoolizados.
Um dado que merece ser realçado é que, durante este período, o número de ocorrências no Banco de Urgências do Hospital Baptista de Sousa, diminuiu consideravelmente.
O certo é que tirando uma ou outra excepção São Vicente parece estar consciente ou pelo menos obediente.