A poucos dias da “maior demostração cultural” da ilha de São Vicente, os ponteiros correm contra o pouco tempo que sobra para concluir os andores e preparar figurinos. Alguns grupos acusam a tardia disponibilização da totalidade das verbas, o que poderá dificultar o cumprimento do orçamento estabelecido, bem como a falta de transportes e de camas para alojar todos os que chegam para brincar o carnaval.
Os ensaios decorrem a todo o vapor e os grupos estão confiantes num show capaz de arrebatar o público e, principalmente, o júri. Nos estaleiros, os operários trabalham dia e noite para garantir que tudo esteja pronto antes da data do desfile.
Outrossim, em alguns estaleiros vêm-se obrigados a abrandar o ritmo, já que falta dinheiro para comprar material, à espera pela última parcela da verba do Ministério da Cultura e Indústrias Criativas.
Samba Tropical, Porta-Bandeira do Carnaval do Mindelo
A Escola de Samba Tropical é a responsável por abrir a festa do Carnaval em São Vicente na noite de segunda-feira.
Para o seu presidente, David Leite, o Samba é a verdadeira Porta-Bandeira do Carnaval do Mindelo, que carrega a responsabilidade de ter, numa noite, todos os holofotes voltados para ele, para além da alta expectativa do público.
“Todos os sentidos vão dar ao sonho” é o enredo desenhado, embalado pela música “Sonho Divinal” da dupla Anísio Rodrigues e Jotacê. Orçado em 8500 contos, o ST traz um andor, um tripé e cerca de 1200 foliões, distribuídos em 23 alas.
O grémio espera foliões da ilha de Santiago e do estrangeiro, mas, conta David Leite, muitos estão desistindo por conta da dificuldade em chegar e sair do Mindelo.
Apesar de um “pequeno atraso” no mês de Janeiro, devido à falta de financiamentos e que levou a algum abrandamento nos trabalhos, os mesmos já correm no ritmo esperado para que tudo esteja pronto a tempo. Para David Leite, fazer Carnaval nos dias de hoje representa “um autêntico acto de coragem”.
Cruzeiros do Norte quer manter título
Campeão do Carnaval 2019, o Cruzeiros do Norte aposta este ano no tema “Tudo a dois”, que retrata o início bíblico do mundo, através de Adão e Eva e de contrastes como o preto e o branco, o rico e o pobre.
O grupo, que vai apresentar três andores, teme, entretanto, a viabilidade do seu projecto, tendo em vista dificuldades financeiras que advém da falta de patrocinadores e a demora em receber e verba do Ministério da Cultura e da Câmara Municipal.
Há pouco mais de uma semana do Carnaval, altura em que este jornal conversou com o presidente do grupo, Jailson Juff, os trabalhos estavam praticamente estagnados. Com efeito, Jailson garante que este é o último ano que o grupo trabalha nestas condições.
“Se não houver uma preparação do arnaval com, pelo menos, quatro meses de antecedência, vamos sair de cenário porque tanto a direção como os trabalhadores estão a sofrer muito” adverte o presidente do Cruzeiros do Norte.
O orçamento previsto é de 10 mil contos, mas Jailson não perspectiva alcançar a metade do valor. A ideia é lavar mil foliões à Rua de Lisboa, ao som de “Un t´otxa dritim” do compositor Jotacê e manter o título de campeão.
Monte Sossego convicto na vitória
O grupo Monte Sossego, que desde 2016 não alcança o primeiro lugar no Carnaval, diz estar, todos os anos, na disputa pelo título e acredita que consegue sempre deixar dúvidas no vencedor. Este ano, o grupo está confiante na vitória e promete muitas surpresas no sambódromo do Mindelo, sendo uma delas a maior alegoria da história do Carnaval na ilha.
Segundo o presidente, António Duarte, “Montsu” já merece provar o sabor da vitória. Para isso, considera, é preciso haver um júri sério e isento.
“Trabalhamos para chegar à vitória, mas, para isso, precisamos de um corpo de jurados com o mínimo de seriedade, com entrega e isenção, que não se deixa envolver pela emoção e nem sofrer pressão de nada exterior àquilo que é o ambiente do desfile” atenta.
O grupo, que já está na reta final do seu cronograma de trabalhos, tem um orçamento de 1850 contos, conta com 1600 figurantes, divididos em 13 alas e acompanhados por três alegorias e um tripé de comissão de frente.
O enredo, “Nos terra, mitos, contos e lendas” pretende trazer para o cenário do Carnaval a fantasia à volta das bruxas, feitiçaria e mitos antigos, outrora muito presentes na nossa sociedade. A música oficial, “Fatxa fatxa n´arena” é da autoria do carnavalesco Constantino Cardoso.
Estrela do Mar projecta superação
Depois de vários anos fora do cenário carnavalesco, o Estrela do Mar regressou em 2019 e, depois de um período conturbado para a sua oficialização, conseguiu desfilar e conquistou a terceira posição.
A actual direcção espera conseguir superar o lugar do ano passado e subir ao pódio. Este ano, o tema recai sobre a tartaruga, a defesa do ambiente e dos animais marinhos.
“Tartaruga marinha” é nome da música que acompanha os foliões do grupo, cantada por Anísio Rodrigues e Jotacê.
Estrela do Mar promete levar ao sambódromo 14 alas, cerca de mil foliões e três andores. O orçamento inicial é de 8 mil contos, mas o presidente do Grupo, Fernando Fonseca, diz que não será possível alcançar o valor.
O regresso do Vindos do Oriente
Depois de em 2019 ter decidido não participar no desfile oficial do Carnaval, o Vindos do Oriente regressa à disputa este ano com expectativas altas e confiante na primeira posição.
“Em busca da pedra filosofal” é o enredo escolhido para conquistar os jurados e o público. A música “Pedra filosofal” é da autoria da dupla mais requisitada deste Carnaval: Jotacê e Anísio Rodrigues.
Neste momento, diz a porta-voz, Josina Freitas, os trabalhos decorrem à “velocidade de cruzeiro” e explica que não poderiam estar mais avançados já que o tempo de preparação é muito curto.
A presidente da escola e um dos rostos mais conhecidos do Carnaval mindelense, Dona Lili, recorda que em 2019 o Vindos do Oriente não participou nos desfiles oficiais porque não chegou a um entendimento com a Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval de São Vicente (LIGOC).
Dona Lili, que defende um Carnaval com e para o povo, diz que foi um dos pioneiros a trazer influências do Brasil para o Carnaval do Mindelo, mas defende afincadamente a absorção de boas práticas sem interferir na originalidade do espetáculo local.
“O nosso Carnaval é pobre, é diferente, mas é nosso. No dia em que eu perder a essência do Carnaval do Mindelo automaticamente fico de fora”, assegura.
Para Dona Lili, São Vicente tem um povo e uma origem que devem ser respeitados. O erro, diz, é simplesmente porque não há tempo para discutir o Carnaval.
“O Carnaval é discutido a dois meses ou três dos desfiles, quando temos uma liga que deve reunir-se pelo menos uma vez por mês, além de escutar o povo, porque é ele quem sustenta o Carnaval”, sustenta.
Depois do jejum de um ano, o grupo regressa agora com os olhos postos no primeiro lugar da competição e promete, como sempre, brincar o Carnaval junto com o povo do Mindelo e oferecer um espetáculo memorável.
Até o fecho desta edição não foi possível falar com os responsáveis do grupo Flores do Mindelo, que, no carnaval de 2019, ficou na última posição.
Tudo a postos para a quinta edição do Prémio Kakói
Os preparativos para a quinta edição do Prémio Kakói já estão todos alinhados. A garantia é dada pelo director do Centro Nacional de Arte Artesanato e Design (CNAD), Irlando Ferreira.
Este ano vão ser distribuídos 135 mil escudos em prémios colectivos e individuais. O CNAD pretende com isso estimular o Carnaval espontâneo, uma característica típica do entrudo em São Vicente.
Por ser uma distinção espontânea, dispensam-se as inscrições para o concurso, pelo que os requisitos principais passam pela criatividade, mensagem, reacção do público, bem como a originalidade de cada projecto.
A nível colectivo (três a 10 pessoas), os prémios vão do primeiro ao quarto lugar (40 mil escudos a 10 mil escudos). A nível individual, os valores variam de 20 mil escudos, para o primeiro classificado, a cinco mil escudos para o terceiro classificado.
O júri é composto por um colectivo de sete elementos, que no dia do desfile vai analisar as propostas que acabam por cumprir melhor os parâmetros previamente estabelecidos.
“Temos o júri constituído por sete pessoas que estão espalhadas por diferentes artérias do Mindelo e que vão analisando as pessoas que passam. Normalmente, é quase obrigatório passarem na Rua de Lisboa. Já estamos a comunicar para que haja uma adesão em massa de concorrentes, como tem sido hábito desde a instituição do prémio”, diz o director do CNAD, Irlando Ferreira.
A partir daí, o júri munido de imagens fotográficas e vídeos, bem como documentos nos quais tiram apontamentos, reúnem-se no CNAD para analisar de que forma os prémios são distribuídos.
A instituição do Prémio Kakói, em 2016, recuperou uma característica típica do Carnaval mindelense, a sua espontaneidade. Aliás, foi este um dos objectivos do CNAD com a sua instituição há quatro anos, além de homenagear a figura de Kakói.
NA/JF
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº 651, de 20 de Fevereiro de 2020)
Carnaval de São Vicente: Grupos prometem espectáculo sem igual
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