Por: Paulo Mendes
A nossa morna
A cultura cabo-verdiana é a rainha em 2019, com a declaração da Morna como Património Imaterial da Humanidade. Uma distinção em que os heróis são claramente os intérpretes, músicos, compositores e agentes culturais – alguns dos quais no mais absoluto anonimato – e que souberam, ao longo do tempo, preservar e ampliar esse património.
À custa desses heróis da nossa cultura, hoje, toda uma nação está orgulhosa desse reconhecimento, e espero que consigamos tratar muito melhor os nossos artistas e gerar maior valor colectivo com a nossa cultura, sem entrar na nossa arrogância doméstica em que “a nossa cultura é especial” ou “a nossa cultura é melhor do que as restantes”.
Parece-me claro que essa distinção vai trazer junto de diferentes actores – nomeadamente do poder político – enquanto promotor de políticas – uma responsabilidade acrescida com o propósito de, por um lado, gerar ganhos económicos e, por outro, de criar melhores condições para os criadores e os anjos da guarda da nossa alma crioula. Sim, os artistas são os que mantêm a alma de qualquer povo.
Uma das metas políticas seria criar as condições para que possamos, num espaço temporal não muito longínquo, direcionar 1% do nosso PIB para a cultura.
TACV afinal voa
Contra muitas vozes, inclusive a minha, devo dizer que a opção do governo de avançar com a privatização da TACV, está, de forma gradual, a dar alguns resultados. Em primeiro lugar, estancamos a hemorragia financeira da companhia e do esforço subsequente que era exigido ao Estado no financiamento à empresa. Em segundo lugar, parece-me, também, que estamos a conseguir alguma paz social na empresa, contrariando, em determinados momentos, a própria vontade de alguns trabalhadores em alinhar com as novas orientações. Estou em crer que o Governo não deve ainda celebrar a conclusão deste processo, mas tem, até agora, indicadores razoáveis para acreditar no encerramento com sucesso deste complexo dossier.
Violência
O atentado contra o Presidente da Câmara Municipal da Praia, cujos autores ainda não foram descobertos, e o assassinato de um agente (não obstante o suspeito estar detido) vieram reforçar o sentimento de insegurança na capital do país. Não sendo a primeira vez que ocorrem atentados contra os políticos nacionais, não será exagero afirmar que estamos perante situações gravíssimas que não podem ficar esquecidas nas espumas do dia a dia. A qualidade do nosso desenvolvimento e da nossa democracia dependem da eliminação de qualquer tipo de condicionalismo no exercício dos diferentes poderes, e espero que todos os meus concidadãos percebam a gravidade da situação e a urgência em não colocar para debaixo do tapete esse acontecimento que, sendo isolado, tem muito significado.
Regionalização
O ano foi marcado pela “morte” do processo de regionalização e espero que não se lembrem de ressuscitá-lo. O que é imperioso manter na agenda e traduzir com medidas concretas é a coesão territorial e social, mais poder e maior volume financeiro nas transferências para os municípios e melhoria dos transportes inter-ilhas.
A croquete da CPLP
Em julho o nosso país acolheu uma reunião ordinária do Conselho de Ministros da CPLP onde a questão da mobilidade no seio da comunidade ficou, infelizmente, na agenda das intenções. Existe uma concordância muito substancial do papel fundamental que a mobilidade assume no fortalecimento da nossa comunidade. Se não conseguirmos dar esse passo, a CPLP será sempre uma comunidade de croquetes.
Amor a Cabo Verde
Nunca tinha acreditado na teoria de que, estando na diáspora, o nosso amor pela terra onde nascemos atinge proporções que às vezes extravasam a própria força da palavra. É isso que sinto pelo país. Não obstante o percurso positivo que vamos fazendo, o desemprego, a pobreza, a melhoria das nossas instituições, a coesão social e territorial, o sentimento de insegurança e uma excessiva partidarização da nossa vivência coletiva devem ser fatores de inspiração para que possamos em conjunto fazer muito melhor. Continuarmos, a partir de exemplos concretos, para que o cidadão comum possa acreditar que “kada um de nós é um cabral” nesse processo de construção de desenvolvimento
Um feliz 2020 para todos.
(Publicado no A NAÇÃO impresso, nº643, de 26 de Dezembro de 2019)