Ofício centenário, a produção do algodão em Cabo Verde desapareceu há muito tempo, juntamente com as práticas de tear e cardar, que fazem parte do processo de preparo desta fibra. Há seis meses, São Vicente ganhou uma nova plantação de algodão, com apenas 800 metros quadrados, mas o suficiente para acordar uma tradição, resgatar técnicas antigas e permitir que jovens tenham um primeiro contacto com uma prática que já se tinha como extinta.
Neve Insular, assim se chama o projecto que volta a plantar algodão em São Vicente, e surge no âmbito da URDI – Feira do Artesanato de Cabo Verde, há exatamente um ano. Nasceu de um desafio lançado durante um concurso de design, que tinha como padrão a panaria cabo-verdiana como matéria criativa.
Em vez de criar um objecto, como era sugerido, Vanessa Monteiro e Rita Rainho idealizaram um projecto com orientação para o design social para a plantação do algodão.
“No início, a Neve Insular foi vista como uma utopia, com as pessoas a olharem para nós e a questionar até que ponto isto seria possível”, diz Vanessa Monteiro, que não esconde o seu entusiamo, ao ver desabrochar as primeiras flores deste projecto inédito.
Em Julho passado, o terreno, cedido pela Associação Agropecuária do Madeiral e Calhau, recebia as primeiras sementes de algodão, colectadas em pés nascidos de forma espontânea pela ilha.
“Na altura, quando fizemos os nossos estudos para a implementação do projecto, tivemos a informação de que as ilhas do Fogo e Santiago foram as que, no passado, tiveram maior produção de algodão. Depois destas seguia a ilha de Santo Antão e, pelos dados que temos, não havia algodão em São Vicente. Entretanto, as sementes que plantamos, parte delas foram colhidas aqui, portanto é um estudo que está em aberto. O certo é que hoje temos aqui uma plantação.”
Quatro meses depois da primeira plantação, já começam a aparecer os primeiros rebentos. E enquanto cresce o algodão, a equipa vem plantando sementes paralelas, de modo a envolver e beneficiar as comunidades envolvidas, através de oficinas com alunos e agricultores.
“Começamos com oficinas de educação artística com os alunos do Madeiral, Ribeira do Calhau e Calhau. A par destes, temos sempre oficinas de agroecologia para os produtores locais, apoiadas por um formador da CERAI” explica Vanessa Monteiro.
Oficinas URDI 2019
No âmbito da URDI 2019, foram promovidas duas oficinas a volta do tratamento do algodão, sendo uma de cardar, tear e tecer, e outra sobre tingidura natural com plantas. Para a oficina de cardar, tear e tecer, as primeiras fases pelo que passa o algodão depois da colheita, foi utilizado matéria prima de Cabo Verde, Angola e do Brasil, já que da plantação própria ainda não há colheita.
“A fiação foi feita de forma manual, como antigamente, e tivemos a oportunidade de ter connosco estudantes e pessoas individuais que quiseram mergulhar um pouco nestas técnicas primárias e conhecer como eram feitas no passado”, diz Vanessa Monteiro.
Naturalmente, esclarece a nossa entrevistada, hoje em dia algumas práticas acabam por ser questionáveis na sua sustentabilidade por causa do tempo que elas levam até chegar ao produto final. Mas o importante, diz, é que elas não sejam esquecidas.
“São as referências do passado é que nos permitem sempre melhorar e evoluir. Então é bom termos presentes estas técnicas primarias para depois também podermos ver de que forma é que podemos introduzir novas tecnologias e melhorar a forma de fazer. Há ainda a questão do valor agregado que detém a produção artesanal.”
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(Leia mais no A NAÇÃO impresso, nº 639, de 28 de Novembro de 2019)
Neve Insular resgata produção de algodão em São Vicente
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